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A relação entre o quadro teórico e o dispositivo metodológico

CAPÍTULO I – A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: ACÇÃO PÚBLICA,

6. A relação entre o quadro teórico e o dispositivo metodológico

O nosso objectivo é desenvolver um estudo, um exercício de análise política a partir de um conjunto de pressupostos que têm a ver com acção pública (instrumento e instrumentação de acção pública), regulação e conhecimento. Como a medida dos CME se inscreve numa política mais ampla de descentralização da educação em Portugal, no fundo, o que fazemos é olhar esta questão à luz dos conhecimentos adquiridos pela mobilização do quadro teórico das políticas e acção públicas, o que nos permite escrutinar um determinado contexto empírico e avançar com algumas hipóteses interpretativas e explicativas sobre aspectos mais gerais deste mesmo processo.

Entendemos as potencialidades teóricas e heurísticas dos conceitos de instrumento de regulação de acção pública, de instrumentação da acção pública e de regimes de

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conhecimento para a construção do nosso objecto de estudo. Avançamos com algumas hipóteses de trabalho que nos ajudam a concretizar a ligação entre a teoria e a empiria:

Primeiramente consideramos o normativo que institui os CME51 – Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro – como um instrumento legislativo e regulamentar, de carácter multidimensional e híbrido, sendo perceptíveis, na desconstrução teórica e heurística dos seus referenciais cognitivos e normativos, as seguintes características gerais: em primeiro lugar, a dimensão simbólica de legitimação e de enquadramento dos CME no processo histórico das políticas de descentralização; em segundo lugar, a dimensão axiológica anunciadora de determinados interesses e valores, referenciais de um dado modelo de entidade de intervenção local, mas também de uma dada política territorial; em terceiro lugar, a dimensão de multirregulação que implícita e/ou explicitamente orienta os comportamentos dos actores e delimita os seus espaços de intervenção e de interacção.

Seguidamente referimos o carácter multidimensional e híbrido deste instrumento para marcar a sua complexidade e o seu interesse em termos da instrumentação da acção pública. Combina formas de regulação convencionais de «comando e controlo» com outras menos dirigistas próximas dos «novos instrumentos». Legitima a imposição universal e a institucionalização do CME através de formas de multirregulação da política local, baseadas na comunicação, na participação e na concertação. Mobiliza o conhecimento52 como argumento político dessas opções, como legitimador de uma dada intervenção territorial, como organizador dos debates e das aprendizagens53 dos actores, como instrumento de regulação da intervenção educativa no espaço local, como orientador do futuro das comunidades locais dando visibilidade à relação existente entre os regimes de conhecimento e a construção das diferentes ordens locais. No estudo do

51 Tendo em conta as tipologias de instrumentos de regulação (em função das tecnologias de governo). 52 Tal como Delvaux (2009), quando falamos de conhecimento referimo-nos a múltiplos saberes que

circulam em diferentes sentidos. Referimo-nos a um processo contínuo em que os diferentes tipos de conhecimentos se combinam, se modificam e circulam em continuidade e em que participam diferentes actores que são «simultaneamente produtores, tradutores e utilizadores» (Delvaux, 2009: 963).

53 Para Barroso, a aprendizagem política é tanto um processo social, já que toda a interacção se faz da

interacção com os outros (em grupos, em redes, em comunidades e em organizações), como um processo cognitivo de assimilação de conhecimentos e de produção de sentidos (Barroso, 2011: 13). Daí a relação directa entre a aprendizagem política e o conhecimento.

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programa de institucionalização dos CME esta entrada analítica permite-nos reforçar teoricamente a constatação empírica das semelhanças e das dissemelhanças destes processos políticos locais em função das diferentes tradições na mobilização do conhecimento, do entendimento e da operacionalização desta medida política de descentralização em cada espaço local.

Este novo olhar sobre os CME construído a partir da trilogia analítica influencia a organização da nossa pesquisa empírica, a arquitectura da investigação, a estrutura metodológica desta tese. Estabelecemos a ligação entre o quadro teórico e o dispositivo metodológico e explicamos como é que um influencia o outro. O referencial teórico apresentado de maneira sumária nas secções anteriores interpela o estudo dos CME à luz de quatro entradas analíticas e compromete as opções metodológicas que se vão tomando:

 A primeira entrada diz respeito ao CME como acção pública. Estudar os CME como acção pública significa estarmos atentos à variedade de actores, à temporalidade dos processos políticos (que não se resumem à decisão, mas que se prolongam na execução); às transformações que a política vai sofrendo no processo da acção pública.

 A segunda entrada diz respeito ao CME como instrumento de regulação. Estudar os CME como instrumento de regulação significa olhá-lo como um processo que induz os comportamentos dos diversos actores, através da regulação feita em diferentes níveis (central, regional, local). Representa uma atenção especial para o papel das autarquias na construção das ordens locais.

 A terceira entrada diz respeito ao CME como lugar de articulação entre conhecimento e política. Estudar os CME através dessa articulação significa perceber que o conhecimento dos actores locais é diferente do conhecimento dos actores nacionais, que o conhecimento dos actores responsáveis pela produção dos diplomas legislativos não é igual ao dos técnicos que os executam. Daí a nossa preocupação de ouvir os vários actores em presença.

 A quarta entrada diz respeito ao CME como exemplo das políticas de descentralização. Estudar os CME no âmbito das políticas de descentralização da

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educação significa cruzar as abordagens anteriores, contextualizar historicamente estes processos de multirregulação em diferentes escalas de acção pública, perceber o papel do conhecimento nos múltiplos modos e níveis de regulação. Representa um cuidado especial pelos processos de construção das ordens locais e estarmos atentos às suas convergências e divergências.

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CAPÍTULO II – ESTRATÉGIAS DE INVESTIGAÇÃO: A