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Notas de campo dos CLE/CME

CAPÍTULO II – ESTRATÉGIAS DE INVESTIGAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO

3. Dispositivos de recolha e de tratamento de dados: a constituição e a análise do acervo

3.1. Contactos com as autarquias: as notas de campo e a pesquisa documental

3.1.1 Notas de campo dos CLE/CME

As visitas exploratórias abriram caminho a uma relação cordial com todas as autarquias, que se manterá constante ao longo de toda a investigação. Não se ignora que a proximidade da investigadora às escolas e ao centro de formação de três dos municípios estudados11 funcionou como elemento facilitador dos contactos com as restantes autarquias; não se esquece a intervenção marcante de alguns autarcas e chefes de divisão que, em momentos fulcrais do trabalho de campo, ajudaram a ultrapassar barreiras e dificuldades; não se negligencia a importância do capital social nestes processos de investigação.

Para além de ter enviado um e-mail padrão, houve uma situação particular que me facilitou o acesso ao sector da educação da autarquia de Azambuja. Como tinha sido oradora num seminário sobre indisciplina nas escolas organizado pelo centro de formação desta localidade, mais facilmente estabeleci o primeiro contacto com o vereador e com o técnico da educação. Tendo ocorrido este encontro nos finais de Fevereiro, bastou-me um novo contacto com esses serviços. Tive resposta do Dr. [Chefe de Divisão], técnico do sector, que me marcou uma reunião no Pátio Valverde, espaço polivalente onde funcionam alguns dos departamentos do município, entre os quais o da educação (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Azambuja, Notas de campo do CLE/CME de Azambuja, p. 235).

Sem qualquer dificuldade agendei o contacto com a técnica da educação da autarquia de Benavente, a Dr.ª … [Chefe de Divisão]. Esta facilidade de comunicação deve-se ao facto de a conhecer há alguns anos: da ligação que sempre desenvolveu com os agrupamentos escolares e as escolas do concelho de Benavente, entre os quais se encontra aquela a que pertenço, integrada no Agrupamento Duarte Lopes; dos múltiplos contactos e parcerias estabelecidos entre o Centro de Formação de Professores, entidade que represento, e a autarquia; da minha intervenção como representante do ensino básico no CME de Benavente (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Benavente, Notas de campo do CLE/CME de Benavente, p. 319).

10 Quando falamos das questões geográficas referimo-nos às dimensões dos concelhos estudados:

abarcam mais de dois terços da área geográfica do distrito de Santarém, o que por vezes dificulta o trabalho de campo.

11 Referimo-nos ao facto da investigadora desempenhar o cargo de Directora do Centro de Formação de

Escolas dos Concelhos de Benavente, Coruche e Salvaterra de Magos – Centro Educatis, aspecto relevante nas questões de acessibilidade aos actores autárquicos e locais daqueles três concelhos.

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O primeiro contacto com a autarquia de Salvaterra de Magos foi-me facilitado pelo facto de o vereador do pelouro da educação ter sido, em tempos, meu colega na escola. Prontamente respondeu ao meu e-mail e agendou um encontro comigo. Simultaneamente, forneceu-me os contactos directos dos vereadores e dos chefes de divisão da educação dos restantes municípios pertencentes à CULT. Esta ajuda foi preciosa, pois facilitou-me bastante o acesso a esses responsáveis autárquicos (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Salvaterra de Magos, Notas de campo do CLE/CME de Salvaterra de Magos, p. 869).

[Dificuldades no contacto com a Autarquia de Rio Maior] Fiquei, assim, sem qualquer canal de comunicação; já em Dezembro resolvi recorrer ao Dr. …, chefe de divisão da autarquia da Azambuja, pedindo-lhe que intercedesse em meu favor de modo a reatar a comunicação. No mesmo dia obtive a marcação do encontro, não propriamente com a vereadora, mas com a chefe de divisão, a Dr.ª …. Mais uma vez o Dr. … desempenhou um papel fundamental neste processo, o que reforça a importância das redes sociais criadas nestes processos de investigação (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Rio Maior, Notas de campo do CLE/CME de Rio Maior, p. 787).

Nos primeiros encontros optámos por uma conversa informal com quem nos recebeu, sem recorrermos ao registo áudio, de algum modo constrangedor nesta primeira fase da pesquisa. Esta técnica não estruturada de recolha de informação (da qual resultaram as notas de campo) obedeceu a um determinado ângulo de visão, correspondendo a um questionamento específico de cada contexto empírico pensado a partir das seguintes questões genéricas de partida: (i) como é que o CME é utilizado pelos actores autárquicos? (ii) quais as áreas de actuação política da autarquia que se operacionalizam através deste órgão? (iii) como é que os diferentes actores gerem a sua participação naquele contexto de acção?

Procurámos estabelecer um diálogo aberto com os nossos interlocutores – vereadores do pelouro da educação e/ou chefes de divisão da educação. Pedimos-lhes permissão para anotar algumas das informações transmitidas (a que todos respondem positivamente). Para além destes depoimentos sobre os CLE/CME de cada autarquia, sobre os seus processos de constituição, as orgânicas, os intervenientes e os regimentos, inventariámos os seus testemunhos sobre o trabalho educativo em cada município com o intuito de melhor perceber as suas perspectivas. Em função dos nossos campos de interesse, lançámos outros tópicos de conversa que, consoante o interlocutor, resultaram em respostas prontas, veladas ou mesmo em fugas ao diálogo. Colocámo-nos na perspectiva de receptores das múltiplas mensagens, umas registadas no momento, na presença dos actores, outras escritas posteriormente, já na sua ausência, num registo descritivo para dar a conhecer os temas de conversa, os seus conteúdos e sentidos. As notas de campo revelam também uma componente interpretativa em que procurámos reflectir e comentar as informações recolhidas (entre o dito e o não dito), avançar com

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argumentos teóricos e metodológicos que nos ajudassem a inventariar caminhos futuros e lançar pistas para outros contactos.

Da conversa com o Dr. … [Chefe de Divisão] transpareceu a ideia de que o reconhecimento da importância do CME depende muito da sensibilidade política do responsável pelo departamento da educação de cada autarquia. Não fez propriamente referências directas a este assunto, mas referiu que o CME cai por vezes no esquecimento, sendo as chamadas de atenção do técnico da educação que levam o vereador a convocar uma nova reunião. Este aspecto revela-se fundamental para a minha investigação, aferir da utilidade dos CME, averiguar se os autarcas lhe dão importância ou se acham que são apenas entidades com funções «decorativas». Estas são questões centrais do meu trabalho (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Azambuja, Notas de campo do CLE/CME de Azambuja, p. 237).

Este contacto serviu, antes de mais, para reforçar a utilidade destas primeiras abordagens e também para delinear o rumo das orientações metodológicas. Parece-me que esta primeira abordagem de diagnóstico aos contextos de cada CME me proporcionará a identificação dos blocos temáticos e das questões centrais do inquérito. Qualquer dificuldade encontrada neste processo deve ser também analisada como fazendo parte desse mesmo contexto, ou seja, devo entender essas dificuldades do ponto de vista metodológico, procurando encontrar alternativas para as dificuldades de comunicação. O contacto com a autarquia de Almeirim é bem disso a prova (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Almeirim, Notas de campo do CLE/CME de Almeirim, p. 80).

Quando me preparava para lhes agradecer e me despedir, a Dr.ª … [Chefe de Divisão] retomou a conversa, apresentou-me os projectos educativos de alguns dos agrupamentos escolares e pediu- me para fazermos uma leitura conjunta. Não hesitei em corresponder ao seu pedido. Reconheci a minha dificuldade em separar os dois campos da minha intervenção: o de membro do CME e o de investigadora. Também percebi que naquele momento esta separação era da minha responsabilidade e não da sua, pelo que não me deveria recusar a fazê-lo. Este teste serviu-me, fundamentalmente, para reforçar a ideia da particularidade da investigação na autarquia de Benavente. Estando envolvida no processo político local, e simultaneamente determinada em prosseguir a investigação sobre o processo político dos CME das onze autarquias da CULT, deparar-me-ei, inevitavelmente, com a constatação de ser, simultaneamente, sujeito e objecto da investigação no que diz respeito ao caso particular do CME de Benavente Passaram-se três horas como se fossem três minutos. Foram momentos muito interessantes. Apercebi-me de que para a Dr.ª … [Chefe de Divisão] este encontro também se revelou útil, na medida em que lhe permitiu reflectir e trocar opiniões sobre estes assuntos (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Benavente, Notas de campo, p. 321).

Como já era tarde, optei por me fazer à estrada. No percurso ia pensando nas particularidades deste contacto; no interesse demonstrado pela técnica pelo meu trabalho de investigação: nas perguntas precisas que me dirigiu, tanto do ponto de vista metodológico como do ponto de vista teórico, na importância que deu ao meu estudo e na necessidade de as autarquias obterem um conhecimento esclarecido, através de estudos aprofundados feitos a partir do terreno. Disse-me explicitamente que desejava que da minha investigação resultasse uma mais-valia para as autarquias (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Rio Maior, Notas de campo do CLE/CME de Rio Maior, pp. 790-791).

Depois de um saboroso café, trocámos os contactos telefónicos e demonstrei a minha satisfação pela forma como fui recebida, afirmando-lhe a minha total disponibilidade em partilhar ideias. Deixei o Palácio de Landau. Mesmo em frente, num pequeno jardim, fui encontrar um banco disponível. Sentei-me e registei algumas notas finais. Fiquei surpreendida com algumas características desta vereadora. Arquitecta de formação e professora de profissão, demonstra ter uma perspectiva alargada do que é a intervenção do município no campo educativo. Preocupa-se em reflectir sobre os assuntos e em envolver os outros parceiros neste processo. Tem um cuidado especial no modo como dirige e orienta as reuniões do CME. É muito interessante a adopção de um território neutro como espaço eleito de reunião em mesa redonda (cf. Anexo I, Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Santarém, Notas de campo do CLE/CME de Santarém, pp. 994-995).

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Estes registos na primeira pessoa são entendidos (na fase inicial da pesquisa) como meros instrumentos de diagnóstico do terreno a investigar, importantes para a identificação de blocos temáticos a serem trabalhados na montagem dum dispositivo de observação e análise mais estruturado (primeiramente pensado como um inquérito por questionário) a lançar aos onze municípios. Cedo percebemos que as notas de campo ultrapassavam em muito este espaço de diagnóstico; revelavam um potencial acrescido no escrutínio da análise empírica; assumiam-se como parte constituinte do acervo documental dos CLE/CME. Entendidas como utensílios de investigação, indiciavam uma dupla dimensão: serem simultaneamente registos descritivos e reflexivos. São registos descritivos na medida em que contribuem para a análise das práticas quotidianas dos actores autárquicos e das representações que os orientam, fundamentais para a reconstituição do processo político dos CME, dando realce à historicidade da acção pública; registos reflexivos porque abrem uma via de questionamento teórico, mas também epistemológico e metodológico, sobre os sentidos da investigação e o papel da investigadora como «principal instrumento de pesquisa» (Costa, A., 1986: 132) na «interpelação permanente entre a teoria e a empiria» (Ferreira, F. I., 2005: 138).

O potencial heurístico das notas de campo levou-nos a investir nestes registos descritivos e reflexivos em diferentes momentos da investigação, com o objectivo de dar conta dos processos de construção do objecto de estudo (do tempo que mediou entre a recolha do dados, a sua organização e o seu tratamento). A partir dos inúmeros contactos por telefone e/ou por e-mail com as divisões de educação das autarquias, das visitas de validação das checklists e das conversas com os chefes dessas divisões foram redigidas as notas de campo. Veja-se como as notas de campo do CLE/CME de Alpiarça, redigidas cerca dois anos após os primeiros contactos, nos dão a dimensão do trabalho de campo feito a diferentes velocidades, consoante os contextos em presença:

[07/09/2009] Mantive o contacto por e-mail, com a chefe de divisão da Educação da Autarquia de Alpiarça. Enviou-me toda a documentação referente às reuniões do CME, assim como a Carta Educativa. Terminado o processo de tratamento dos dados e de preenchimento da respectiva checklist, adoptei a estratégia de a reenviar para que fosse a própria autarquia e os seus técnicos a validá-la. Obtive a seguinte resposta:

«Cara Dr.ª Clara

Envio, em anexo, a documentação com as alterações realizadas. As mesmas estão sublinhadas a verde ao longo do documento. Muitos espaços continuam em branco devido à inexistência de informação para os preencher. A informação que dispomos corresponde aos anos lectivos que já tem preenchido, uma vez que a partir dessa data não têm existido reuniões do CME.

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Tal como já lhe tinha sido indicado, a Autarquia, nos últimos anos, reúne com os parceiros do CME quando é necessário resolver algum assunto, mas sem que seja convocado o CME. Estarei à sua disposição para alguma questão que pretenda ver esclarecida. Cumprimentos, Técnica da autarquia» (cf. Anexo I, Dossiê dos CLE/CME da Autarquia de Alpiarça, Notas de campo do CLE/CME de Alpiarça, pp. 151-152)