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Estudo intensivo e monográfico

No documento UNIVERSIDADE DE LISBOA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO (páginas 111-115)

CAPÍTULO II – ESTRATÉGIAS DE INVESTIGAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO

4. Arquitectura da investigação: a complementaridade entre o estudo intensivo e

4.1. Estudo intensivo e monográfico

A abordagem intensiva baseada nas monografias sustenta-se na ideia de reconstituir o carácter específico do processo político de cada CLE/CME, em função do seu tempo, do seu espaço e dos seus actores. Do ponto de vista teórico e metodológico esta ideia assenta na combinação de diferentes perspectivas de análise: em primeiro lugar, na análise das políticas públicas e no realce que é dado aos processos políticos em cada espaço local e à sua historicidade, aos seus actores, aos modos como se apropriam da política; em segundo lugar, na história da educação (na dimensão de história local) pelo interesse que se tem em estudar as particularidades e as especificidades de cada CLE/CME em função da temporalidade e da historicidade dos seus processos políticos, dando coerência temporal e espacial à política local.

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Deste diálogo interdisciplinar resultam onze histórias particularizadas, com elementos comuns e diversos que nos permitem uma leitura comparada (todas obedecem à mesma estrutura narrativa); versões diferentes de uma mesma história que é simultaneamente local e nacional. Esta relação entre as diferentes escalas de acção pública protagonizadas em cada espaço local realça a análise interpretativa das monografias, na medida em que cada monografia nos dá a conhecer esse jogo entre o particular e o geral, entre o local e o nacional.

Barroso, no epílogo da sua tese de doutoramento – Os Liceus: Organização

Pedagógica e Administração (1836-1960) – (Barroso, 1995) chama a atenção para a importância que os estudos monográficos das instituições de ensino secundário podem desempenhar no aprofundamento das «dimensões mais informais em que seja possível reconstituir as próprias dinâmicas da acção organizada» (Barroso, 1995: 801). As suas observações sobre os legados teóricos e metodológicos das monografias legitimam a nossa opção de avançar com este tipo de abordagem numa investigação que valoriza os processos políticos e sociais e a historicidade da acção pública:

Este estudo [de cariz mais monográfico] permitiria não só abordar dimensões da vida organizacional que os relatórios e o quadro legal estão longe de proporcionar (clima, cultura, conflitos, sistemas de informação, etc.) como também determinar a especificidade que o estabelecimento adquiriu pela sua história. Esta perspectiva contradiz uma certa «desvalorização» que os historiadores por vezes exprimem em relação a este tipo de estudos monográficos, mas que, do ponto de vista da análise organizacional, são os únicos a permitir trazer a dimensão da organização como acção colectiva para a própria história das instituições educativas (Barroso, 1995: 801).

Por sua vez, Nóvoa (2003), na nota de apresentação da obra – Liceus de Portugal:

Histórias, Arquivos, Memórias – refere o interesse da leitura vertical e transversal das monografias dos diferentes liceus, realçando o sentido que essas leituras têm para uma mesma história. Recupera-se a experiência adquirida neste projecto de investigação46 (pela aprendizagem que se fez das técnicas de elaboração de monografias) e desenvolvem-se as monografias dos CLE/CME das onze autarquias da AMLT/CULT.

46 Referimo-nos à nossa participação neste projecto de investigação com a monografia do Liceu Sá da

Bandeira, em Santarém (Cruz, 2003. Liceu Sá da Bandeira. In Nóvoa & Santa-Clara (coord.) Liceus de Portugal – Histórias, Arquivos, Memórias. Porto: Edições Asa, 707-727).

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Um dos efeitos mais curiosos da leitura comparada das monografias é a reivindicação recorrente das mesmas especificidades e identidades. Cada liceu acredita na singularidade, feita de uma história que seria a única. Mas quem percorre o conjunto de textos apercebe-se, facilmente, que estamos perante versões diferentes de uma mesma história. É este jogo de interpretações distintas que faz o interesse desta colecção de 35 monografias (Nóvoa, 2003: 11).

Em cada monografia conta-se uma história própria e única, de como os actores se apropriam de uma política num determinado contexto histórico; evidenciam-se as especificidades de cada processo em cada espaço local, a sua tipicidade e a sua singularidade; constrói-se uma memória histórica que nos transmite a dimensão local de uma política; contam-se «fatos reais que têm o homem como ator» (Veyne, 2008: 12).

A história é uma narrativa de eventos: tudo o resto resulta disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido, tal como ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas. Como no romance a história seleciona, simplifica, organiza, faz com que um século caiba numa página, e essa síntese da narrativa é tão espontânea quanto a nossa memória quando evocamos os dez últimos anos que vivemos. (Veyne, 2008: 18).

As monografias são pois os produtos do estudo desenvolvido em cada uma das autarquias abrangendo a recolha, a produção, o tratamento e a análise de um conjunto de fontes diversificadas; são o resultado da interpretação de dados de cada CLE/CME em que se mobiliza preferencialmente a respectiva checklist e a análise de conteúdo do respectivo acervo documental (notas de campo, documentação do CLE/CME, entrevistas). São histórias que se contam e que se escrevem segundo a mesma estrutura narrativa, seguindo o mesmo raciocínio. Na figura 2.3 apresentamos essa estrutura comum (também comum às checklists) a partir da qual se escreve a história de cada CLE/CME, particularizada e contextualizada no seu espaço local.

O carácter único e particular de cada monografia resulta da influência de cada história local, da sua temporalidade e das suas características contextuais. Percorrendo as onze monografias, percebemos como o tempo e o espaço, os regimes locais, a história de cada autarquia, o exercício de cada mandato autárquico, a diferente oferta educativa, as relações autarquia / Ministério da Educação / escolas, a intervenção dos diferentes actores (autárquicos e outros actores locais) e os seus jogos de interesses fazem a diferença entre cada CLE/CME. As monografias dão-nos conta dessas particularidades contextualizadas em função de cada território e de cada espaço de operacionalização da política; introduzem as lógicas da singularidade e da diversidade

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permitindo, assim, comparar os processos políticos locais, não entre si, mas relativamente à política nacional.

Figura 2.3. Estrutura narrativa comum a todas as monografias.

Fontes: Anexo II, 6. Inquérito tipo checklist; 8. Grelha de categorização de análise do acervo documental

(grelha tipo).

4.1.2 Dossiês dos CLE/CME

As monografias têm um papel fundamental na abordagem dos quatro eixos de análise em que se desenvolve o estudo extensivo e comparativo. No momento em que ganham vida assumem-se como parte integrante do acervo documental e passam a constar do conjunto de fontes trabalhadas e citadas; partes integrais dos seus textos são mobilizadas para o corpo da tese; são igualmente convocadas nas inúmeras notas de rodapé. O seu papel na investigação é de tal forma estruturante que o lugar que ocupam no relatório e nos anexos legitima qualquer decisão que se tome. Tudo isto serve para justificar a opção de criarmos um dossiê para cada um dos CLE/CME e de os integramos nos Anexos, mais propriamente num CD-ROM, onde se gravam todos os ficheiros relativos aos anexos I47 e II. Em cada dossiê encontram-se a monografia e

47 Por opção os Dossiês CLE/CME encontram-se no Anexo I. O facto de serem constituídos por 999

páginas é razão suficiente para termos questionado a sua integração no corpo da tese; a decisão de os integrarmos no anexo tem em conta o critério de legibilidade deste trabalho.

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todos os utensílios heurísticos e hermenêuticos; todos os dossiês obedecem à mesma estrutura organizativa conforme se indica na figura seguinte.

Figura 2.4. Estrutura comum aos Dossiês dos onze CLE/CME da AMLT/CULT.

Fontes: Dossiês dos onze CLE/CME da AMLT/CULT (cf. Anexo I).

Estes dossiês devem ser considerados parte integrante da tese. São, por excelência, os pilares da investigação: por um lado, divulgam os processos de construção e experimentação dos utensílios heurísticos, da constituição do acervo documental e do seu tratamento sistemático através da análise de conteúdo; por outro, concretizam a abordagem da dimensão local da política na medida em que integram os estudos monográficos nos quais se recupera a historicidade de cada processo político, as memórias de cada espaço local.

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