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CAPÍTULO II – ESTRATÉGIAS DE INVESTIGAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DO

3. Dispositivos de recolha e de tratamento de dados: a constituição e a análise do acervo

3.1. Contactos com as autarquias: as notas de campo e a pesquisa documental

3.1.2 Pesquisa documental

Os contactos directos com os autarcas e com os técnicos das divisões de educação revelaram-se boas oportunidades para aceder aos registos documentais dos CLE/CME. Em determinados municípios obtiveram-se de imediato os regimentos internos e as actas dos CLE/CME, os projectos educativos locais, as convocatórias, a correspondência e outra documentação relevante, quer em formato de papel, quer informático. Noutros só mais tarde se chegou a estes acervos documentais. Deste processo de inventariação12 resultou uma lista geral da documentação organizada por autarquia, entidade, tipologia, número de documentos e de folhas, data e referência13; estes materiais dão-nos conta das informações precisas sobre as suas próprias características14, trata-se de 190 documentos, num total de 791 folhas, devidamente identificados em função da entidade, da tipologia, da data15 e da referência utilizada em citações no corpo da tese e nas monografias. Para se ter a dimensão da riqueza heurística e hermenêutica16 deste acervo documental, aconselha-se a consulta deste inventário17 juntamente com a grelha da leitura flutuante da documentação18, das

12 Este processo de inventariação decorre entre 2008 e 2009, atingindo em alguns casos o ano de 2010.

13 Consultar a este propósito o Inventário geral da documentação dos 11 CLE/CME da AMLT/CULT (cf.

Anexo II, 2. Inventário geral da documentação dos 11 CLE/CME da AMLT/CULT).

14 Para além dessas informações a consulta deste inventário permite-nos perceber quais as autarquias que

passaram pelas experiências das Comissões de Ensino e dos CLE. Atente-se na legenda e na diferenciação que se faz utilizando duas cores diferenciadas: vermelho (não tem CLE); verde (tem CLE).

15 A data das actas é também um excelente indicador do número e da frequência das reuniões dos

CLE/CME estudados nos capítulos seguintes.

16 Adopta-se o conceito de hermenêutica na perspectiva das metodologias qualitativas das ciências

sociais. Considerada uma tradição disciplinar é referenciada da seguinte forma: «Originalmente, era a arte de interpretação de textos; interpreta a cultura e implica uma forma de “holismo semântico”, pois que é preciso apreender o todo para entender as partes» (Guerra, 2006: 27).

17 Consultar a este propósito o Inventário geral da documentação dos 11 CLE/CME da AMLT/CULT (cf.

Anexo II, 2. Inventário geral da documentação dos 11 CLE/CME da AMLT/CULT).

18 Consultar a este propósito a Documentação dos CLE/CME – leitura flutuante (cf. Anexo II, 4. Guião de

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checklists19 (especialmente do resumo das actas dos CME) e de todas as breves monografias20. O realce dado ao espólio dos CLE/CME significa, antes de mais, a defesa de um legado fundamental da história local que constitui um contributo indispensável para a história das políticas municipais e para o estudo da descentralização e da territorialização da educação nas últimas três décadas. Mesmo não sendo uma investigação de carácter histórico, procura-se nesta abordagem resgatar a historicidade e a genealogia dos processos dos CLE/CME21, estabelecer um conjunto de relações, de interacções, de continuidades e de rupturas que contribuam para o estudo destas políticas às escalas nacional, regional e local.

A duração deste processo deixa transparecer as dificuldades encontradas. Se inicialmente se perspectivava um trabalho com base nos arquivos (pesquisa, selecção e inventariação de documentos sobre a história dos CLE/CME), cedo se percebeu que as orgânicas funcionais de cada autarquia condicionavam todas essas fases de pesquisa documental: o acesso a este acervo tanto dependia da insistência da investigadora e das respostas das autarquias como do simples facto de existir ou não este conjunto de registos escritos. Dito de outro modo, a preservação do património documental não foi uma prioridade para alguns dos municípios estudados: estão nestes casos os que tiveram experiências de CLE, pois não se encontraram as actas nem os regimentos internos destas entidades. Este hiato foi colmatado pelas memórias orais dos actores autárquicos (notas de campo e entrevistas aos presidentes de câmara ou aos vereadores da educação) constituindo-se assim o corpus de eleição utilizado nas breves monografias dos CLE/CME.

Quanto à documentação em falta, disse-me que temia não poder corresponder aos meus anseios. Que ainda não tinha encontrado as actas do CLE, criado em 1995. Receava que as mudanças de instalações e mesmo a falta de uma cultura de preservação dos documentos tenham tido consequências negativas para a conservação deste património. Relativamente às actas em registo informático, também se mostrou receoso quanto ao seu destino. Agradeci-lhe a sua preocupação e dei-lhe a conhecer a minha intenção de voltar a Salvaterra de Magos para entrevistar a Sr.ª presidente da Câmara, no sentido de perceber a sua perspectiva política sobre o CME. Mais uma

19 Consultar a este propósito as checklists incluídas nos dossiês dos CLE/CME (cf. Anexo I, Dossiê dos

11 CLE/CME da AMLT/CULT, pp. 1-999).

20 Consultar a este propósito as breves monografias dos CLE/CME incluídas nos respectivos dossiês (cf.

Anexo I, Dossiê dos 11 CLE/CME da AMLT/CULT, pp. 1-999).

21 Este diálogo, quer com a História, quer com a História da Educação revela-se perfeitamente natural

para quem constrói a sua formação académica nessas áreas e perfilha um interesse especial pela historicidade dos processos políticos.

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vez me desculpei pela ousadia de o incomodar nesta fase tão trabalhosa do ano lectivo e agradeci- lhe toda a sua amabilidade. Mostrou-se solícito e participativo. Esta informação revelou-se fundamental para poder avançar com a checklist (cf. Dossiê do CLE/CME da Autarquia de Salvaterra de Magos, Notas de campo do CLE/CME de Salvaterra de Magos, p. 402).

Comecei por indagar a Dr.ª … [Técnica Superior] sobre o Conselho Local de Educação. Tinha a informação fornecida pelo anterior vereador, Dr. (…), de que o Cartaxo tinha sido pioneiro na criação do CLE, provavelmente em 1998 ou em 1999. Procurei documentação a este respeito mas sem resultado: não havia nem regimento nem actas. Confirmou a inexistência de testemunhos escritos do CLE e avançou com algumas explicações: houve ruptura informática a nível documental, acompanhada de alterações organizacionais e até políticas, de mudança de vereação. Referiu que as mudanças de vereador da educação – cinco em 8 anos (2001/2009) - trouxeram sucessivas adaptações e reformulações e formas diferenciadas de organizar o sector, perdendo-se a continuidade administrativa, que foi retomada com algum esforço da sua parte e de outra técnica que a acompanha na secção da educação. Ainda sobre o CLE, iria contactar o Prof. …, um dos anteriores vereadores da educação, para que me pudesse ajudar e fornecer mais pormenores sobre este órgão (cf. Dossiê do CLE/CME da Autarquia do Cartaxo, Notas de campo do CLE/CME do Cartaxo, p.872).

3.2. Actividades exploratórias de análise documental: o 1.º escrutínio das dimensões e as direcções da análise de conteúdo

De uma primeira fase de recolha e selecção, produção22 e organização de parte do

corpus da investigação – documentos e notas de campo dos CLE/CME – passámos a uma segunda fase, destinada à pré-análise e à exploração deste material, dois dos pólos cronológicos da análise de conteúdo referenciados por Bardin (1995: 95-102). Da inventariação dos diversos tipos de documentos (regimentos, actas, correspondência e outros) dos CLE/CME23 passámos para a sua leitura sistemática, para a análise crítica como fontes, tanto do ponto de vista do questionamento histórico sobre a sua origem, natureza, conteúdo e finalidade assim como sobre a intenção da produção destes actos de escrita. Este exercício teve como ponto de partida o quadro teórico e metodológico de referência, resultante do diálogo interdisciplinar da análise das políticas públicas, da história da educação e de um conjunto de coordenadas intelectuais que permitem partir de conceitos de instrumento de acção pública e de historicidade para atingir outros sentidos, novas interpretações e outros conceitos; trata-se de um processo dedutivo- indutivo para definir as grandes dimensões de análise e os eixos orientadores do escrutínio da análise empírica. Para tal, seguimos as orientações de Vala (1986: 112):

22 Quando falamos de produção falamos naturalmente da produção de instrumentos heurísticos que são as

notas de campo.

23 Nesta fase de organização do material optámos por criar um dossiê para cada CLE/CME onde se

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«as referências teóricas do investigador orientam a primeira exploração do material, mas este, por sua vez, pode contribuir para a reformulação ou alargamento das hipóteses e das problemáticas a estudar».

A opção de questionar os documentos sobre o que eles têm para nos dizer direccionou a nossa estratégia metodológica no sentido de registar exaustivamente aspectos da sua natureza e do seu conteúdo (por autarquia e por CLE/CME): organizámos toda a documentação recolhida (em suporte de papel e em formato digital); transcrevemos os documentos em suporte de papel; descrevemos os seus conteúdos (integrando-os no espaço e no tempo); cruzámos informações (a partir também das notas de campo); tecemos observações (tendo em conta a nossa problemática); formulámos novas questões (tendo em conta as questões de partida). Deste processo resultou o guião de leitura exploratória e de pré-análise que abrange toda a documentação dos onze CLE/CME, do qual destacamos os exemplos das autarquias de Almeirim, de Alpiarça e de Azambuja (incluídos no anexo II24) e o Quadro 2.1 (CLE da Azambuja) abaixo referidos.

Quadro 2.1

Guião de leitura exploratória e de pré-análise da documentação dos CLE/CME: exemplo do CLE da autarquia de Azambuja

Fontes: Inventário geral da documentação dos onze CLE/CME da AMLT/CULT; Inventário geral das notas de campo dos CLE/CME.

24 Optámos por integrar no Anexo II unicamente as três primeiras autarquias (utilizando o critério da

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Orientámos a nossa atenção para as colunas «observações» e «o que falta saber?» Estes dois campos revelaram-se fundamentais para se perceber as estratégias adoptadas. No campo «observações» registámos as ligações estabelecidas entre a construção e a apropriação da política dos CLE/CME em diferentes escalas de acção pública, dando maior incidência à escala local e valorizando a dimensão histórica destes processos políticos em cada autarquia; simultaneamente, registámos todos os aspectos que considerámos fundamentais para a evolução do trabalho heurístico e hermenêutico (novos documentos a pesquisar e a analisar, relações a estabelecer com outros processos políticos, aspectos a considerar na redacção das breves monografias). No campo «o que falta saber?» registámos todas as interrogações que vão surgindo (resultantes da leitura exploratória e da pré-análise de toda a documentação dos onze CLE/CME); pretendemos com este exercício identificar os blocos temáticos e as questões subjacentes, tópicos substantivos a utilizar na construção de novos instrumentos heurísticos – inquérito e guião de entrevista. Este trabalho exaustivo e moroso serve para traçar a genealogia do processo de decisão política, para inventariar os modos de constituição e de funcionamento dos CLE/CME, para referenciar o campo discricionário de cada autarquia que remete para actos de decisão de política local. Fundamentalmente, serve para o escrutínio das dimensões de análise e para a definição de um primeiro plano de categorias de análise que releva simultaneamente da problemática teórica de referência e das características dos materiais empíricos:

A finalidade da análise de conteúdo será, pois, efectuar inferências, com base numa lógica explicitada sobre as mensagens cujas características foram inventariadas e sistematizadas. Podemos sumariar as seguintes condições de produção: os dados de que dispõe o analista encontram-se já dissociados da fonte e das condições gerais em que foram produzidos; o analista coloca os dados num novo contexto que constrói com base nos objectivos e no objecto da pesquisa; para proceder a inferências a partir dos dados o analista recorre a um sistema de conceitos analíticos cuja articulação permite formular as regras da inferência (Vala, 1986: 104).

3.3.Construção e aplicação dos utensílios heurísticos: inquérito do tipo checklist