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A relevância do Licenciamento Ambiental como instrumento de gestão do meio

4 LICENCIAMENTO AMBIENTAL: O CONTROLE ESTATAL PREVENTIVO DAS

4.1 A relevância do Licenciamento Ambiental como instrumento de gestão do meio

Através da análise anterior que fizemos da sociedade de risco e da própria conceituação de lesão ambiental, podemos perceber que a atividade humana interfere, direta ou indiretamente, no meio ambiente, sendo capaz de causar, ainda que minimamente, ou, por vezes, potencialmente, poluição. Salienta Yoshida122“toda atividade econômica e social é, em

maior ou menor grau, poluente”. Para Milaré123 é sabido que “todo e qualquer projeto de

desenvolvimento interfere no meio ambiente, e, da mesma forma, certo que o crescimento socioeconômico é um imperativo”.

Desta forma, como a intocabilidade do ambiente não é viável nos moldes da nossa sociedade, um baixo grau de degradação das atividades e empreendimentos pode ser aceito administrativa e juridicamente, para que haja a continuidade de um desenvolvimento econômico, social, cultural, tecnológico e cientifico aliado à utilização racional dos recursos naturais, promovendo, assim, a sustentabilidade.

Isso não importa em priorizar a atividade econômica em prejuízo da qualidade do meio ambiente. Ao revés, sabe-se que somente o desenvolvimento econômico aliado à proteção ambiental é capaz de gerar justiça social. Portanto, jamais poderá prevalecer a atividade econômica poluidora se houver alternativas cientifico-tecnológicas que possam eliminar ou reduzir tais riscos. Como já visto, a nossa ordem econômica é regida pelo princípio da defesa do meio ambiente, inclusive com tratamento diferenciado entre as atividades pelo seu grau de degradação ao meio ambiente. Outrossim, a qualidade ambiental é um direito fundamental da coletividade, e, como tal, é indisponível, não podendo o Poder Público permitir que as atividades humanas interfiram substancialmente no equilíbrio ambiental. Milaré124 observa que:

122 YOSHIDA, 2007 apud BECHARA, 2009, p. 80. 123 MILARÉ, 2009, p. 374.

[...] o meio ambiente – com seu equilíbrio ecológico e a sua qualidade a ser preservada – não pode ser objeto de barganha, dado que é patrimônio da coletividade e bem inegociável. Não pode haver desenvolvimento genuíno se esse patrimônio for sacrificado – e a própria Carta Magna diz que há limites para as atividades econômicas. Preservar o meio ambiente nos termos da Constituição não significa emperrar o desenvolvimento do País, mas, ao contrário, alicerçá-lo.

Assim, a busca primordial é a compatibilização entre o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico, razão pela qual se faz necessário o controle prévio das interferências humanas no meio ambiente, sempre almejando a adoção de medidas de prevenção e precaução, ou de mitigação, compensação ou reparação dos danos eventualmente gerados pelas atividades antrópicas. Para tanto, patente é a atuação efetiva do Poder Público na fiscalização e controle da qualidade ambiental e das atividades em questão.

A CF/88 estabelece em seu art. 225 que é dever da Administração Pública (assim como da coletividade) proteger e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações. No parágrafo primeiro do citado artigo, há menção expressa às incumbências do Poder Público para o eficaz cumprimento de tal dever constitucional, listando entre elas o controle das atividades que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, ainda que apenas potencialmente poluidoras.

Como meio de efetivação desse múnus constitucional, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81)125 previu uma ampla variedade de instrumentos, com os quais o

Poder Público pode efetuar, de maneira prévia, concomitante e sucessiva126, o controle de toda

e qualquer atividade que possa interferir, direta ou indiretamente, efetiva ou potencialmente, no equilíbrio ecológico.

125 No âmbito nacional, ainda sob o regime autoritário, a Política Nacional do Meio do Meio Ambiente foi consolidada por meio da Lei 6.938/81, tendo por objetivo a preservação, a melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. Esta Lei representa um marco histórico na tutela jurídica do meio ambiente, eis que trouxe grandes modificações e avanços, buscando a compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, através da criação de um Sistema Nacional do Meio Ambiente - composto por diversos órgãos representativos dos entes federados, definindo as áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico -, da imposição aos poluidores da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, da previsão de conceitos e princípios fundantes do Direito Ambiental, do incentivo ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a importância da preservação ambiental, assim como por meio da instituição de instrumentos específicos para a concretização do novo paradigma político voltado à sustentabilidade, dentre eles o licenciamento e a revisão das atividades potencialmente poluidoras.

126 Milaré afirma ser o Poder Público o guardião do meio ambiente, razão pela qual a lei o arma “de uma série de instrumentos de controle – prévios, concomitantes e sucessivos -, através dos quais possa ser verificada a possibilidade e a regularidade de toda e qualquer intervenção projetada sobre o meio ambiente considerado. E elucida tais características, exemplificando-as: “as permissões, autorizações e licenças pertencem à família dos atos administrativos de controle prévio; a fiscalização é meio de controle concomitante; e o habite-se é forma de controle sucessivo.” (2009, p. 418).

São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental, a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas, dentre outros relacionados ao princípio da informação (cadastros, relatórios), assim como penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental127.

A Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) e o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), implementados pela Lei 6.938/81, foram claramente influenciados pelo National Environmental Policy Act (NEPA), implementado em 1969, nos Estados Unidos da América. O NEPA foi a primeira manifestação mundial de política pública relacionada ao impacto ambiental, eis que tinha a função de impor uma Declaração de Impacto Ambiental - Environmental Impact Statements (EIS), integrando o balanço dos impactos adversos e benéficos resultantes de atividades utilizadoras dos recursos naturais, exatamente como adotado em nosso instrumento de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), conforme estudaremos mais adiante.

Tais instrumentos propiciam a concretização do Poder de Polícia Ambiental128, eis

que são a base estrutural da gestão ambiental, cabendo ao Poder Público fazer uso de tais ferramentas a fim de promover uma adequada tutela ambiental, em consonância com os objetivos e princípios da Política Nacional do Meio Ambiente, assim como em obediência aos

127 A Lei 6.938/81 firma, em seu art. 9º, quais são os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, in verbis: “Art 9º: São instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas (Redação dada pela Lei nº 7.804, de 1989); VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental; X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989); XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes; (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989); XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais. (Incluído pela Lei nº 7.804, de 1989); XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006) ”

preceitos constitucionais de tutela do meio ambiente.

O Licenciamento Ambiental é condição indispensável para os empreendimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais e/ou que possam causar efetiva ou potencialmente danos ao meio ambiente. Portanto, é através deste relevante instrumento que o Poder Público exerce o controle prévio das atividades econômicas, averiguando a possibilidade de empreendimentos, obras e serviços serem implantados, em total atendimento às normas de proteção ao meio ambiente sadio.

É considerado por muitos autores como o instrumento mais importante da PNMA, posto que, ademais de ser essencial para o exercício do controle estatal das atividades potencialmente poluidoras, este exerce um importante papel na efetivação e articulação das demais ferramentas de gestão ambiental.

Nas palavras de Farias129, “o licenciamento ambiental possui uma relação direta com

todos os instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, procurando inclusive articulá- los”. O mesmo autor elucida esse papel articulador, ressaltando a ligação do Licenciamento Ambiental com o Zoneamento Ambiental e com os Padrões de Qualidade, observe-se:

O zoneamento Ambiental, por exemplo, é tão ligado ao licenciamento que Paulo Affonso Leme Machado afirma que não foi sem propósito que o legislador elencou este instrumento antes do licenciamento no art. 9º da Lei 6.938/81. [...] É que as regras para o uso e ocupação do solo e para o desenvolvimento de atividades devem ser observadas não apenas antes da concessão da licença ambiental, mas como critérios da própria concessão dessa licença ambiental. Dessa forma, se no zoneamento ambiental ou urbanístico de uma determinada área estiver prevista a proibição de instalação de indústrias ou da construção de edifícios, o órgão ambiental competente não pode conceder a licença em desrespeito a esses dispositivos.

Outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente diretamente ligado ao licenciamento são os padrões de qualidade, que são as normas estabelecidas pela legislação ambiental e pelos órgãos ambientais no que se refere aos níveis permitidos de poluição do ar, da água, do solo e dos ruídos. [...] Durante o procedimento de licenciamento, o órgão deve averiguar se o projeto está de fato adequado aos padrões de qualidade ambiental.

Sobre a íntima relação existente entre os instrumentos da Lei 6.938/81, Fiorillo, Morita e Ferreira130 salientam que “é interessante observar que os incisos IV e V do art. 9º da

mencionada lei – o licenciamento e a absorção de novas tecnologias – estabelecem condições futuras e fundamentais para a elaboração dos relatórios e dos estudos de impactos ambientais, que representam pré-condições para a análise do processo de licenciamento estabelecido no art. 10”.

129 FARIAS, 2011, p. 37.

Portanto, podemos afirmar que o Licenciamento Ambiental está interligado com quase a totalidade dos instrumentos previstos na Lei n. 6.938/81, eis que, nas diversas fases que compõem este procedimento administrativo, muitos são os instrumentos que se concretizam ou se analisam.

Para a concessão de uma Licença Ambiental131, deverá o órgão licenciador observar

o zoneamento urbanístico e ambiental da área analisada, assim como os espaços especialmente protegidos, os padrões de qualidade ambiental. Deverá, ainda, o gestor público, no procedimento de Licenciamento, incentivar a produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental, buscando a mitigação dos impactos negativos das atividades econômicas. Poderão, ademais, no seu curso, ser impostas penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental.

Outrossim, pode constituir uma das fases do procedimento de Licenciamento Ambiental a exigência de estudos aptos avaliar os impactos positivos e negativos de cada empreendimento a ser licenciado, efetivando, desta forma, o instrumento de Avaliação de Impactos Ambientais (AIA). Em casos de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação, caberá ao órgão competente exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA), previsto constitucionalmente.

Assim, é patente a relevância do Licenciamento Ambiental, haja vista que, ademais de efetivar diversas outras ferramentas da PNMA ao longo de seu procedimento, é o instrumento hábil para que o Estado (lato sensu) promova o controle prévio das atividades e empreendimentos potencialmente lesivos ao meio ambiente, no exercício de seu Poder de Polícia. “Não houvesse esse procedimento tão relevante antes da instalação e funcionamento das obras e atividades potencialmente degradadoras, a probabilidade de elas se desenvolverem sem nenhum cuidado e preocupação com o equilíbrio ambiental seria enorme”.132