• Nenhum resultado encontrado

A dupla faceta da lesão ambiental: dano ambiental puro e dano ambiental individual

3.2 Dano Ambiental

3.2.3 A dupla faceta da lesão ambiental: dano ambiental puro e dano ambiental individual

O dano ambiental possui distintos tipos de reflexos, sendo possível identificar uma dupla face da lesão ambiental, eis que esta tanto pode incidir na esfera dos direitos e interesses individuais - atingindo diretamente uma pessoa ou um grupo de pessoas (determinável ou já determinado), as quais poderão perseguir uma reparação pelo prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial sofrido -, assim como pode recair sobre o patrimônio ambiental, incidindo na esfera dos direitos e interesses metaindividuais – atingindo toda a coletividade (indeterminável), titular do bem ambiental.

Milaré94 reconhece essa dupla face da danosidade ambiental, por entender que “os

seus efeitos alcançam não apenas o homem, como da mesma forma o ambiente que o cerca”, fato fundamentado inclusive na Lei 6.938/81, que faz referência, no art. 14 parágrafo 1º., a “danos causados ao meio ambiente e a terceiros”. O autor explica a conceituação ambivalente do dano ambiental afirmando que:

Isso significa que o dano ambiental, embora sempre recaia diretamente sobre o ambiente e os recursos e elementos que o compõem, em prejuízo da coletividade, pode, em certos casos, refletir-se, material ou moralmente, sobre o patrimônio, os interesses ou a saúde de uma determinada pessoa ou de um grupo de pessoas determinadas ou determináveis.

Leite e Ayala95 ratificam este entendimento ao analisar a amplitude do dano

ambiental e fazer a distinção entre o dano ecológico puro (aquele que advêm de uma acepção

94 MILARÉ, 2009, p. 868/869. 95 LEITE; AYALA, 2011, p. 95/96.

restrita do meio ambiente, no seu aspecto meramente natural), o dano ambiental ‘lato sensu’ (concernente aos interesses difusos da coletividade, abrangendo todos os componentes do meio ambiente, aqui já tratados), e por último, o dano individual ambiental, sobre o qual fazem as seguintes observações:

Dano individual ambiental ou reflexo, conectado ao meio ambiente, que é, de fato, um dano individual, pois o objetivo primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim dos interesses próprios do lesado, relativos ao microbem ambiental. O bem ambiental de interesse coletivo estaria, desta forma, indireta ou, de modo reflexo, tutelado, e não haveria uma proteção imediata dos componentes do meio ambiente protegido. Assim, o bem ambiental estaria parcial e limitadamente protegido. Cabe recordar que a natureza do bem ambiental é sempre difusa, eis que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de terceira dimensão, pertencente a toda coletividade. Ocorre que, quando há um dano ambiental, tanto o macrobem (meio ambiente, em todos os seus aspectos), como seus elementos, microbens, são atingidos, posto que o meio ambiente é uno, indivisível.

Destarte, os reflexos desse dano podem interferir na esfera individual como na esfera coletiva, metaindividual. Ainda que o dano ambiental possa ter distintos reflexos, quando falamos em tutelar o meio ambiente, estamos fazendo referência, em qualquer hipótese, à proteção de um direito de natureza metaindividual (difusa), não podendo confundir-se com a proteção inerente aos direitos de natureza individual, eis que neste último caso, ainda que a causa de pedir tenha relação com o dano, se busca especificamente a proteção de direito/interesse individual, sendo a vítima ressarcida diretamente e sem alcançar a defesa ou reparação do macrobem.

Distinguindo dano ambiental propriamente dito de dano ambiental individual, Milaré96 ressalta as diferenças pertinentes quanto às destinações de suas respectivas

reparações, observe-se:

Destarte, pela conformação que o Direito dá ao dano ambiental, podemos distinguir: (i) o dano ambiental coletivo ou o dano ambiental propriamente dito, causado ao meio ambiente globalmente considerado, em sua concepção difusa, como patrimônio coletivo; e (ii) o dano ambiental individual, que atinge pessoas, individualmente consideradas, através de sua integridade moral e/ou de seu patrimônio material particular. Aquele, quando cobrado, tem eventual indenização destinada a um Fundo, cujos recursos serão alocados à reconstituição dos bens lesados. Este, diversamente, dá ensejo à indenização dirigida à recomposição do prejuízo individual sofrido pelas vítimas.

Para melhor compreensão do tema, pertinente é fazer a distinção entre ação de responsabilidade individual (que pode ser, por exemplo, uma Ação Ordinária de Reparação

por Danos Morais e/ou Patrimoniais) e ação de natureza difusa, que objetiva a reparação específica do macrobem ambiental (Ação Civil Pública).

Na primeira, a tutela atinge tão-somente o interesse individual do ofendido, estando a qualidade do meio ambiente apenas atuando como “pano de fundo” (causa de pedir remota). No segundo tipo de ação é tutelado especificamente o equilíbrio ambiental, direito difuso, razão pela qual se busca a restauração do interesse da coletividade como um todo, inclusive das gerações futuras, divergindo totalmente da situação anterior. Tal distinção é evidenciada pelos seguintes aspectos:

1) na ação individual de ressarcimento apenas o interesse individual é protegido, enquanto que na ACP se tutela macrobem ambiental, direito de natureza difusa, pertencente à toda coletividade;

2) na ação individual, a sentença somente faz efeito entre as partes; já na ACP, a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator;

3) na ação individual, o ressarcimento beneficiará diretamente o ofendido, sendo o valor da condenação pago diretamente ao jurisdicionado; por outro lado, havendo condenação em dinheiro na ACP, a indenização pelo dano causado reverterá a um FundoAmbiental, gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais, de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados97;

4) Por último, na ação individual deve o ofendido buscar diretamente a proteção jurisdicional, enquanto que a legitimidade ativa na ACP está adstrita ao rol de legitimados listado na própria lei 7.347/8598, dentre eles o Ministério Público, a Defensoria Pública, os

entes da administração pública direta ou indireta, etc., podendo as pessoas físicas, neste caso, apenas provocarem a iniciativa dos órgãos de fiscalização ambiental, do MP ou da defensoria pública, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção, posto não possuírem legitimidade para propor ACP.

Assim, entendemos que, em caso de Dano Ambiental Propriamente Dito, tanto o

97 Art. 13, caput, Lei n. 7.347/85. (BRASIL, 1985) 98 Lei n. 7.347/85, art. 5º, in verbis:

Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I - o Ministério Público; II - a

Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Ibid.)

macrobem ambiental como toda a coletividade são juridicamente lesados, em virtude da natureza difusa do interesse ao equilíbrio ambiental. No caso da propositura de uma Ação Civil Pública Ambiental, não apenas o bem ambiental será reparado, mas também o direito da coletividade, sem prejuízo das eventuais vítimas do Dano Ambiental Individual buscarem, individualmente, ressarcimento direto, visando reparação de seus interesses individuais.

Em casos de danos advindos de atividades ou empreendimentos potencialmente poluidores, tanto as vítimas poderão buscar seu ressarcimento em ações individuais, como qualquer dos legitimados ativos poderão propor uma ação civil pública, visando a reparação e a indenização aos bens e valores ambientais lesados, meio processual pelo qual o direito fundamental da coletividade ao meio ambiente sadio será tutelado.