• Nenhum resultado encontrado

Audiência Pública: uma forma de efetivação do princípio da participação popular (?)

5 AS LICENÇAS AMBIENTAIS E AS ETAPAS DO PROCEDIMENTO DE

5.8 Audiência Pública: uma forma de efetivação do princípio da participação popular (?)

de Impacto Ambiental como EIA/RIMA, o que pode induzir à falsa impressão de que são um mesmo documento, quando na verdade são dois. Destaque-se, por oportuno, que usamos a terminologia “Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA)” em vez de “Estudo de Impacto Ambiental (EIA)”, em virtude da denominação utilizada pelo próprio constituinte, quando da exigência do instrumento (art. 225, IV, CF/88)257.

Ainda sobre o RIMA, impende destacar que os órgãos públicos que manifestarem interesse, ou tiverem relação direta com o projeto, receberão cópia deste, para conhecimento e manifestação, atendendo-se aos prazos determinados pelo órgão ambiental. Ademais, a comunidade direta ou indiretamente atingida, ou qualquer pessoa interessada, também poderá ter acesso ao mesmo, que deverá ter cópia disponível nos centros de documentação ou bibliotecas dos órgãos ambientais licenciadores, ressalvadas as hipóteses de sigilo industrial, em conformidade com o que estabelece a Res. CONAMA N. 237/97258 (art. 11).

Outrossim, poderá haver a realização de Audiência Pública com o fim de expor o conteúdo do RIMA para a população e demais órgãos ou entidades interessados, ocasião em que será levada a cabo uma discussão sobre os dados fornecidos, podendo ser esclarecidas dúvidas e expressada a opinião dos presentes, como veremos a seguir.

5.8 Audiência Pública: uma forma de efetivação do princípio da participação popular (?)

O licenciamento ambiental é uma obrigação legal prévia à instalação de qualquer empreendimento ou atividade potencialmente poluidora ou degradadora do meio ambiente, podendo os órgãos ambientais licenciadores contar com participação social na tomada de sua decisão, por meio da realização de Audiências Públicas como parte do processo, consoante estabelece a Res. CONAMA 001/86259.

A Audiência Pública acontecerá somente em casos de empreendimentos e atividades potencialmente capazes de causar significativa degradação ambiental, posto que esta tem por finalidade expor aos interessados o conteúdo EPIA e do seu respectivo RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos participante as críticas e sugestões sobre o empreendimento e as áreas a serem atingidas.

257 BRASIL, 1988. 258 CONAMA, 1997. 259 CONAMA, 1986.

A Res. CONAMA 009/87260 tratou de dar as diretrizes gerais da Audiência Pública decorrente da realização do EPIA, especificando que esta poderá ocorrer nos casos em que o órgão licenciador julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 (cinquenta) ou mais cidadãos261.

Após a entrega do EPIA e seu respectivo RIMA ao órgão ambiental licenciador, este poderá decidir que há necessidade de realização de Audiência Pública, para esclarecer à população os efeitos decorrentes do empreendimento. Em tais casos, deverá publicar edital de realização da audiência em Diário Oficial da União e em jornal regional ou local de grande circulação, rádios e faixas, com indicação de data, hora e local do evento. O local escolhido para realização da audiência deve ser de fácil acesso aos interessados. Por isso, devido à localização geográfica das comunidades e grupos interessados, ou da complexidade do tema, poderá haver mais de um evento sobre o mesmo projeto.

Caso assim não proceda, deverá fixar em edital e anunciar pela imprensa local a abertura do prazo para solicitação de audiência pública, que será no mínimo de 45 dias. Em tais casos, a solicitação poderá advir do Ministério Público, de entidade civil, ou de 50 (cinquenta) ou mais cidadãos, devendo os solicitantes ser convocados por A.R., e a comunidade, por meio de publicação em Diário Oficial da União e em jornal regional ou local de grande circulação, rádios e faixas, com indicação de data, hora e local do evento.

Importante destacar que, embora não seja obrigatória a realização de Audiência Pública, quando houver solicitação o órgão licenciador necessariamente deverá promovê-la, sob pena de nulidade da licença concedida.

Ademais, cabe frisar que ao final de cada audiência pública deverá ser lavrara uma ata, a qual se anexarão todos os documentos escritos e assinados entregues ao presidente dos trabalhos durante a seção. Tal ata e seus anexos, deverão ser juntados ao processo de licenciamento ambiental, e servirão de base, juntamente com o EPIA e seu respectivo RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação ou não do projeto.

A Audiência Pública é o único meio formal de participação popular nos procedimentos de licenciamento ambiental, eis que a legislação não estabelece mecanismos que possibilitem a interação da sociedade no processo de elaboração dos documentos técnicos exigidos.

Embora a audiência pública seja o instrumento pelo qual se expõe o conteúdo do EPIA e se esclarecem dúvidas, permitindo-se a realização de críticas e sugestões por parte da

260 CONAMA, 1987.

comunidade interessada, a falta de obrigatoriedade do mesmo, assim como a não vinculação das opiniões ali expostas por parte do órgão licenciador, faz com que não haja uma real efetividade do Princípio da Participação Popular. Ademais, observa-se o pouco interesse da sociedade em participar de tais audiências, seja porque as pessoas acreditam não ser direta ou indiretamente atingidas pelos efeitos da implementação do projeto, seja porque não há a vontade social participativa em virtude de uma falta de consciência ambiental, ou seja pela deficiência dos mecanismos de divulgação em massa da realização da audiência.

Outra deficiência constatada é a ausência de previsão legal da realização de audiência pública em casos de empreendimentos de menor porte e de potencialidade lesiva média ou pequena, fato que irrazoadamente limita a expressão e o envolvimento da coletividade no procedimento de licenciamento ambiental das atividades que não sejam consideradas de significativa degradação ambiental, mas, no entanto, podem, igualmente, atingir o interesse da coletividade no meio ambiente sadio e preservado.

5.8.1 Eficiência

Milaré destaca que, enquanto vigente a previsão de independência direta ou indireta da equipe técnica, houve o “florescimento da chamada 'indústria do EIA/RIMA' pelos escritórios de consultoria privada, marginalizando os técnicos vinculados ao empreendedor (público ou privado), muitas vezes os mais competentes e bem informados a respeito da situação objeto do estudo”262. Relata, ainda, que “há registros de estudos estandardizados,

elaborados em série, 'ao gosto do freguês', apenas com o espaço em branco para a inserção do nome do empreendedor”263.

Embora o autor faça essa crítica como algo pertencente ao passado, entendemos que esta “indústria do EPIA” ainda existe, eis que, não raras vezes, as empresas de consultoria privada ainda deixam de atender aos requisitos e às diretrizes do estudo de impacto ambiental. Isso se dá pelo fato de que há poucas empresas que realizam este tipo de estudo, não restando muitas opções de escolha ao empreendedor privado, que deverá necessariamente contratar uma equipe já habilitada para a realização do estudo obrigatório.

Diante da ausência de um regramento mais aprofundado acerca da formação da equipe, e das especificações do estudo, observa-se tais detalhes ficam a critério exclusivo das empresas de consultoria. Ocorre que, em casos de atividades mais complexas, ou que

262 MILARÉ, 2009, p. 397. 263 MILARÉ, Loc cit.

requerem uma análise técnica mais especializada, as consultorias existentes podem mostrar-se deficientes, por tais razões:

1) falta de profissionais de certas ciências necessárias à análise de impactos ambientais específicos. Em tais casos, poderá a equipe deixar de antever certos impactos negativos, os quais serão constatados somente a posteriori, muitas vezes apenas quando o dano já estiver concretizado;

2) falta de qualidade do próprio estudo, que têm uma tendência a ser genéricos; 3) parcialidade, pois, embora muitos autores entendam que a responsabilidade técnica e jurídica aferida ao empreendedor pelas informações dadas no EPIA é capaz de afastá-la, entendemos ser quase inevitável que os estudos de impacto ambiental tenham imparcialidade plena. Isso porque, como o estudo retrata impactos positivos e negativos decorrentes do empreendimento, é óbvio que a equipe, contratada diretamente pelo empreendedor, tratará de elaborar um EPIA que exalte as vantagens ambientais, econômicas e sociais do projeto, e, por outro lado, que minimize os impactos negativos dele decorrentes, sempre evidenciando alternativas e medidas compensatórias como a solução de todos os problemas.

Veremos mais adiante casos específicos e empreendimentos licenciados que causam mais impactos negativos que positivos, embora os seus estudos relatem o inverso, demonstrando a tese aqui apresentada.

E não estamos sós neste raciocínio, o próprio IBAMA, em estudo específico, relata uma série de deficiências encontradas os Estudos de Impacto Ambiental apresentados aos órgãos ambientais, descrevendo que:

• O processo de elaboração desses documentos não tem atendido a Resolução CONAMA 001/86, especialmente nos seguintes aspectos:

. independência da equipe em relação ao empreendedor: os estudos têm se restringido ao desenvolvimento de argumentações para justificar o projeto apresentado pelo empreendedor, não incorporando análises de alternativas tecnológicas e locacionais a esse projeto. Isso evidencia um comprometimento da equipe multidisciplinar com a proposta do contratante;

. descrição do empreendimento em função dos efeitos ambientais dele esperados. Em geral, a equipe multidisciplinar não domina o conhecimento científico necessário para prognosticar esses efeitos;

. delimitação da área de influência direta e indireta das alternativas locacionais do empreendimento. As equipes multidisciplinares encontram dificuldades em delimitar áreas de influência com base nos efeitos ambientais

potenciais do projeto e de suas alternativas;

. compatibilização entre o empreendimento e os planos e programas governamentais planejados ou em implantação na sua área de influência. O desconhecimento dessas informações básicas tem impossibilitado uma análise das interações do empreendimento com outras atividades existentes e planejadas e a identificação de alternativas locacionais;

não implantação do empreendimento. As equipes multidisciplinares tendem a defender o projeto proposto pelo empreendedor;

. análise dos impactos ambientais (identificação, previsão da magnitude e interpretação) esperados do projeto, plano ou programa proposto e de suas alternativas. Geralmente, as equipes multidisciplinares desconhecem métodos adequados de avaliação de impacto ambiental;

. avaliação comparativa entre as diferentes alternativas tecnológicas e locacionais para escolha daquela ambientalmente mais favorável;

. proposição de medidas mitigadoras coerentes com os resultados da análise dos impactos, acompanhada de uma avaliação de sua eficiência e de indicação de equipamentos de controle e sistemas adequados de tratamento de despejos;

. apresentação de Programa de Acompanhamento e Monitoramento dos Impactos positivos e negativos do projeto, com nível de detalhamento que permita implementação imediata por parte do empreendedor e acompanhamento e fiscalização por parte do órgão de meio ambiente;

. elaboração do RIMA, de forma objetiva e de fácil compreensão pelo público em geral.

• Não têm sido utilizados métodos que possibilitem a elaboração de estudos com objetividade e coerência entre suas diversas fases - do dimensionamento do problema a ser estudado à proposição de medidas de controle e mitigação de impactos. Assim, coletam-se dados e informações desnecessários às análises a serem realizadas; o diagnóstico não encontra rebatimento no prognóstico, da mesma forma que os resultados da avaliação dos impactos não encontram rebatimento nas medidas de prevenção e controle propostas; não há transparência quanto à base científica adotada na identificação e avaliação dos efeitos ambientais, etc. Raramente, os estudos conseguem realizar uma análise sistêmica, integrando e comparando os efeitos ambientais esperados do projeto e de cada uma de suas alternativas. 264

Diante dessas possíveis deficiências, deverá o órgão ambiental licenciador sempre confrontar as informações dadas nos estudos, mediante as tão importantes perícias técnicas locais, realizadas pelos integrantes do próprio órgão, ademais de atentar a eventuais denúncias do Ministério Público, assim como levar realmente em consideração a opinião da comunidade atingida direta ou indiretamente, expressada na audiência pública. Igualmente é prudente a elaboração pelo órgão licenciador de um Termo de Referência de qualidade. Todas essas medidas são de suma importância para não tornar o licenciamento ambiental um mero procedimento burocrático, o que afetaria, sobremaneira, o interesse constitucional de defender e preservar efetivamente o meio ambiente ecologicamente sadio.

264 IBAMA, 2012, p. 57/58.

6 COMPETÊNCIA EM MATÉRIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL: DO