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2. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

2.2. A Evolução Histórica da Representação Política

2.2.7. A representação política na teoria marxista

Desde o século XVII discute-se a questão da representação, sobre quem é representado e quais são as relações existentes entre os agentes da representação.

As Constituições modernas, principalmente as européias, registram em seus textos essa preocupação secular.86

De fato, as Constituições da França e Espanha, por exemplo, contêm dispositivos que afirmam o princípio da independência parlamentar, no sentido de que o parlamentar representa a nação e não a vontade dos indivíduos.87

Por outro lado, as Constituições dos antigos países socialistas também registram a preocupação com a questão da responsabilidade dos representantes, de forma diferente das Constituições ocidentais88. Nesse sentido, são as palavras de Sobolewsky: “Desde os tempos da Comuna de Paris o princípio da responsabilidade dos representantes para com seus eleitores, e o direito de removê-los do cargo, tem constituído as bases da teoria socialista da representação, declaradas em todas as Constituições dos países socialistas.”89

Bobbio90 lembra que Marx, na sua obra A Guerra Civil na França, deu especial atenção à questão da responsabilidade do representante quando registrou que a Comuna de Paris foi composta por conselheiros municipais eleitos nas diversas

criando-se uma força grupal capaz de superar obstáculos e de conquistar o poder político, fazendo prevalecer no Estado a vontade social preponderante. Além dessa necessidade para tornar possível o acesso ao poder, o agrupamento em partidos facilita a identificação das correntes de opinião e de sua receptividade pelo meio social, servindo para orientar o povo e os próprios governantes. Contra a representação política, argumenta-se que o povo, mesmo quando o nível geral da cultura é razoavelmente elevado, não tem condições para se orientar em função de idéias e não se sensibiliza por debates em torno de questões abstratas. Assim sendo, no momento de votar são os interesses que determinam o comportamento do eleitorado, ficando em plano secundário a identificação do partido com determinadas idéias políticas. A par disso, os partidos são acusados de se ter convertido em meros instrumentos para conquista do poder, uma vez que raramente a atuação de seus membros condiz fielmente com os ideais enunciados no programa partidário. Dessa forma, os partidos, em lugar de orientarem o povo, tiram-lhe a capacidade de seleção, pois os eleitores são obrigados a escolher entre os candidatos apontados pelos partidos, e isto é feito em função do grupo dominante em cada partido. Este aspecto levou ROBERT MICHELS a concluir que há uma tendência oligárquica na democracia, por considerar inevitável essa predominância de grupos (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado, cit., p. 167-168).

86KINZO, Maria D’alva Gil. op. cit., p. 32.

87CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral, cit., p. 13-14. 88KINZO, Maria D’alva Gil. op. cit., p. 32.

89SOBOLEWSKY, Marek, Electors and Representatives: A Contribution to the Theory of Representation

apud KINZO, Maria D’alva Gil. op. cit., p. 32.

circunscrições da cidade, responsáveis e restituíveis a qualquer tempo91, sendo que a idéia de substituição do eleito foi retomada por Lênin na sua obra Estado e Revolução, subsistindo, como mencionado acima, nas várias Constituições soviéticas e socialistas.

A representação política, nesse contexto, referia-se novamente à concepção de mandato imperativo, em contraposição ao mandato nacional e livre.

Segundo Maria D’alva Gil Kinzo92, a representação política na teoria marxista relacionava-se ao interesse específico da classe trabalhadora, que possuía uma realidade objetiva independente do fato de ela ter ou não conhecimento de seus interesses, porque os membros dessa classe nascem com o capital. E embora essa classe não tenha a percepção imediata de seus verdadeiros interesses (que é o estabelecimento do Estado socialista), a prática política torna-a possível, enriquecendo sua consciência. Porém, a luta para a realização dos interesses dessa classe necessita de uma direção, que é dada pelo partido. Surge, assim, uma distinção entre a massa proletária, aqueles que não possuem conhecimento de seus interesses, e a vanguarda, provida de capacidade e conhecimento, que representa essa massa, para levá-la adiante à direção e à organização da luta pelo interesse da classe.

Enquanto a classe trabalhadora não tem consciência ainda de seus reais interesses e enquanto o partido conduz a tais interesses, diz a mencionada autora, a representação não é produto das demandas dos representados, pois quem define o que deve ser representado são os representantes. Há, aqui, portanto, uma relação de independência

91Friedrich Engels, na introdução de A Guerra Civil na França, registrou que a Comuna de Paris havia empregado dois remédios infalíveis: “Em primeiro lugar, preencheu todos os cargos administrativos, judiciais e do magistério através de eleições, mediante sufrágio universal, concedendo aos eleitores o direito de revogar a qualquer momento o mandato concedido. Em segundo lugar, todos os funcionários, graduados ou modestos, eram retribuídos como os demais trabalhadores. O salário mais alto pago pela Comuna era de 6 mil francos. Punha-se desse modo uma barreira eficaz ao arrivismo e à caça aos altos empregos, e isso sem falar nos mandatos imperativos dos delegados aos corpos representativos, que a Comuna igualmente introduziu (ENGELS, Friedrich. Texto de introdução de A Guerra Civil na França. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/guerracivil.html>. Acesso em: 06 jan. 2009). No Anexo III de A Guerra Civil na França, escreveu Karl Marx: “a Comuna de Paris havia de servir de modelo a todos os grandes centros industriais da França. Uma vez estabelecido em Paris e nos centros secundários o regime comunal, o antigo governo centralizado teria que ceder lugar também nas províncias ao governo dos produtores pelos produtores. No breve esboço de organização nacional que a Comuna não teve tempo de desenvolver, diz-se claramente que a Comuna devia ser a forma política inclusive das menores aldeias do país e que nos distritos rurais o exército permanente devia ser substituído por uma milícia popular, com um tempo de serviço extraordinariamente curto. As comunas rurais de cada distrito administrariam seus assuntos coletivos por meio de uma assembléia de delegados na capital do distrito correspondente e essas assembléias, por sua vez, enviariam deputados à delegação nacional em Paris, entendendo-se que todas os delegados seriam substituídos a qualquer momento e comprometidos com um mandato imperativo (instruções) de seus eleitores” (MARX, Karl. A Guerra Civil na França. Anexo III. eBooksBrasil. Disponível em: <http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/guerracivil.html>. Acesso em: 06 jan. 2009).

entre representante e representado. No entanto, a partir do momento em que a classe trabalhadora passa a ter consciência de seus interesses, surge uma relação nova entre representante e representado, de correspondência e de dependência, uma vez que a vontade coletiva passa a determinar a ação dos representantes. É nesse contexto que se insere o mandato imperativo na teoria marxista, que se encontra referido não a uma situação presente, mas a um futuro possível.93

Todos os países socialistas inseriram em suas Constituições dispositivos prevendo a possibilidade de remoção dos representantes, mas essa situação, na prática, não refletiu a teoria, pois nunca se chegou a um Estado socialista real e o mandato tornou-se propriedade do partido comunista.