• Nenhum resultado encontrado

2. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

2.2. A Evolução Histórica da Representação Política

2.2.5. A representação política nos Estados Unidos

2.2.5.1. As instruções para os representantes

Segundo as lições de Thomas E. Cronin65, nas décadas de 1760 e 1770, os colonos norte-americanos, apesar de se encontrarem vinculados à Coroa Britânica, não escolhiam representantes para a Câmara dos Comuns. Quando tributos passaram a ser cobrados sobre o consumo de chá nas colônias e sobre a guerra, os colonos protestaram pelo fim do pagamento de impostos sem representação. O tema representação, a partir daí, passa a chamar a atenção dos colonos e a ideia do autogoverno passa a ser a mola propulsora da Revolução Norte-americana.

Diante desse contexto, para convencer os colonos de que eles não precisavam necessariamente votar no Parlamento Inglês para serem representados, as lideranças inglesas passaram a se utilizar dos argumentos da representação virtual, ideia essa defendida por Burke, segundo o qual o povo inglês, apesar das diferenças sociais e geográficas, era um povo homogêneo com interesses em comum e que os assuntos que afetassem os não-eleitores afetariam também os eleitores e o que afetasse os ingleses em qualquer lugar do império, em última análise, afetaria qualquer cidadão inglês.66

Ainda, de acordo com as observações de Cronin, os colonos perceberam que havia chegado a hora de criar o seu próprio governo e os seus próprios interesses passariam a ser o ponto central de seus objetivos. O governo representativo desenvolve-se e junto com ele as discussões sobre como seus representantes deveriam ser instruídos. Muitas colônias e Estados, dentre eles Massachusetts, Vermont, Pensilvânia e Carolina do Norte estipularam em algum momento como seus representantes deveriam votar e, dentro dessa

64BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo, Malheiros Ed., 1999. p. 204.

65CRONIN, Thomas E. Direct democracy: the politics of the initiative, referendum and recall. Cambridge MA: Harvard University Press, 1999. p. 22-23.

abordagem, havia a crença de que o direito de votar e de ser representado configurava um meio de se garantir a liberdade.67

A prática das instruções dos eleitores foi muito disseminada pelos Estados Unidos, desde o período colonial até os dez primeiros anos após a declaração da independência. O estado da Nova Inglaterra, entre outros, chegou a incluir em sua Constituição o direito de instrução. Cogitou-se, inclusive, quando se discutia o Bill of

Rights, acrescentar à Primeira Emenda (que trata da liberdade de expressão e de religião) o

direito de dar instruções aos representantes. Entretanto, a proposta foi rejeitada. Os eleitores permaneceriam livres para dar instruções, porém, estas não teriam qualquer suporte legal.68

2.2.5.2. O governo representativo norte-americano

Com a evolução do governo federativo, as instruções deixaram de ter valor, em termos nacionais, para a política norte-americana. No final da década de 1780, com Madison e Hamilton, a questão das instruções vinculantes passa a ser contestada. A preocupação passa a ser com a res publica para que os interesses da nação, a longo prazo, não fossem continuamente sacrificados por vontades locais.69

Hanna Pitkin70 escreve que, nos artigos federalistas, Alexander Hamilton, John Jay e James Madison, falam em governo representativo como um modelo substituto da democracia direta, uma vez que a reunião de um grande número de pessoas e um único lugar seria impossível. A representação é concebida como um substituto para o encontro pessoal dos cidadãos, mas esse modelo não era considerado um substituto menor. Os Federalistas admitiam ainda a existência de algo maior e mais objetivo, que é o bem público e, assim, a representação passa a ser mais relevante do que a democracia direta porque pode assegurar a res publica sem a distração de vários interesses particulares conflitantes (facções).

67CRONIN, Thomas E. op. cit., p. 23-24.

68MANIN, Bernard. op. cit.; Id. The principles of representative government. Cambridge: Cambridge University Press, 1997. p. 164.

69CRONIN, Thomas E. op. cit., p. 24-25.

70PITKIN, Hannah Fenichel. Representação: palavras, instituições e idéias. Lua Nova, n. 67. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n67/a03n67.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2008.

Cronin71 assevera que Burke influenciou os fundadores da república norte- americana, em especial James Madison e John Adams. No final da década de 1780, Madison chegou a desenvolver uma concepção abrangente de representação e de governo republicano, e a ideia pró-independência resultante dessa concepção ainda hoje é considerada a visão predominante sobre o papel dos representantes.72 Pelo aspecto prático, os representantes, principalmente nos estados maiores e no Congresso, raramente consultam suas bases antes de votar as propostas e medidas governamentais. Além disso, na visão dos formadores da República havia uma confiança no governo equilibrado, nos sistemas de freios e contrapesos. Cada um dos departamentos do poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) foi estabelecido, cada qual à sua maneira, para representar o povo. Portanto, o sistema todo seria representativo.

Gordon S. Wood observa que:

Já na altura de 1787-1788 a democracia acabara sendo identificada por alguns norte-americanos simplesmente como um governo representativo emanado do povo. Em outras palavras, republicanismo e democracia estavam sendo igualados. As Câmaras de representantes perderam sua conexão exclusiva com o povo. Representação identificava-se agora simplesmente com eleição. Assim, todas as autoridades eleitas, e, no caso de algumas, mesmo aquelas não eleitas, como os juízes, eram

consideradas, de certo modo, “representantes” do povo.

Conseqüentemente, as idéias clássicas mais antigas de democracia e governo misto que remontavam a Aristóteles se tornaram irrelevantes na descrição do novo sistema político norte-americano. A democracia tornou-se um rótulo genérico para todo o Governo norte-americano.73

71CRONIN, Thomas E. op. cit., p. 28.

72Dalmo de Abreu Dallari ensina que “Ao se organizar o governo do novo Estado norte-americano, muitos queriam que ele tivesse caráter federal, isto é, que fosse constituído por representantes dos novos Estados, reunidos em federação. Outros sustentavam que o governo deveria ter caráter nacional, ou seja, que fosse representante da nação norte-americana tomada em seu conjunto. De acordo com as idéias republicanas e democráticas, o povo é que deveria governar, devendo fazê-lo através de representantes, por motivos de ordem prática. A conciliação dessas correntes se deu precisamente na formação do órgão do Poder Legislativo. Este foi totalmente entregue a um Congresso, respeitando a tradição, mas o Congresso foi composto de duas casas: o Senado e a Câmara dos Representantes. O Senado foi criado com a característica de ramo federal, como representante dos Estados-membros, estabelecendo-se que o Legislativo de cada Estado-membro elegeria dois representantes e que a cada dois anos se faria a renovação de um terço da representação. Em 1913 os Senadores passaram a ser eleitos diretamente pelo povo, por força de uma Emenda Constitucional, mantendo-se, entretanto, suas demais características e sobretudo suas competências, através das quais se verifica claramente que os Senadores têm a função primordial de assegurar a participação dos respectivos Estados nas decisões políticas do governo. Deu-se à Câmara de Representantes a condição de ramo nacional, representativo do povo, estabelecendo-se que o número de representantes originários de cada Estado será proporcional à população desse mesmo Estado. E desde início se deu ao povo a atribuição de eleger os membros da Câmara dos Representantes, dando-se a estes um mandato de apenas dois anos, para que a renovação freqüente assegure maior representatividade.” (DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986. p. 31-32).

73WOOD, Gordon S. A democracia e a Constituição. In: GOLDWIN, Robert A.; SCHAMBRA, William A. (Eds.). A Constituição norte americana. Prefácio de Paulo Bonavides. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1986. p. 206.

Apesar dessas concepções que influenciaram a formação do governo norte- americano, principalmente os Estados do sul continuaram a exigir que seus senadores votassem em conformidade com a opinião da legislatura estadual. A partir de 1840 essa prática diminui e em 1860 caiu em desuso.74

No final do século XIX e começo do século XX passa-se a discutir os problemas da representação e, paralelamente, os movimentos populista e progressista, nos Estados Unidos, aparecem acenando com os mecanismos de democracia semidireta para controlar a atuação dos agentes públicos e, de certa forma, calibrar as deficiências da representação política, principalmente nos níveis regionais e locais.