• Nenhum resultado encontrado

5. O RECALL E O SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

5.2. O panorama brasileiro

5.2.4. Autoridades que podem ser submetidas ao recall

Para se determinar quem pode ser submetido ao procedimento de recall e, para chegarmos a uma conclusão compatível com a nossa realidade histórica, política e social, é necessário, antes disso, verificar quem exerce função pública no Brasil.

Hely Lopes Meirelles expendeu clássicas lições sobre o gênero e as espécies de agentes que exercem funções estatais.330

O gênero corresponde ao termo “agentes públicos” que “são todas as pessoas físicas incumbidas, definitivamente ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal”331, que se repartem em cinco espécies: agentes políticos, agentes administrativos, agentes honoríficos, agentes delegados e agentes credenciados.

Nas palavras do referido administrativista, agentes políticos são:

os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões, por nomeação, eleição,

328BONAVIDES, Paulo. op. cit., p. 221.

329Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. op. cit., p. 93.

330Os autores de Direito Administrativo não possuem opiniões coincidentes sobre o tema, mas fez-se a opção pela lição de Hely Lopes Meirelles por ser a mais conhecida e aplicada no direito brasileiro. Para demonstrar tal divergência, apenas a título exemplificativo, registre-se que Celso Antônio Bandeira de Mello divide os agentes públicos (Gênero) em (a) agentes políticos, (b) servidores estatais, que se subdividem em servidores públicos e servidores das pessoas governamentais de direito privado, (c) particulares em colaboração com a Administração e (d) concessionários e permissionários de serviços públicos, bem como delegados de função de ofício público. Para o referido autor, os juízes, promotores, membros dos Tribunais de Contas e representantes diplomáticos não são agentes políticos (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. p. 227-235). 331MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 34. ed. atual. por Eurico de Andrade

designação ou delegação para o exercício de atribuições constitucionais. Esses agentes atuam com plena liberdade funcional, desempenhando suas atribuições com prerrogativas e responsabilidades próprias, estabelecidas na Constituição e leis especiais. Têm normas específicas para sua escolha, investidura, conduta e processos crimes funcionais e de responsabilidade que lhe são privativos.

E ainda:

exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais, elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuando com independência nos assuntos de sua competência. São autoridades

supremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois

não estão hierarquizadas, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais e legais da jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm plena liberdade funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, para tanto, ficam a salvo de responsabilização civil por seus eventuais erros de atuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder.332

Exemplos de agentes políticos, na lição do mesmo autor, são os Chefes do Poder Executivo das entidades da Federação (Presidente da República, Governadores Estaduais e do Distrito Federal e os Prefeitos Municipais) e seus auxiliares diretos (Ministros, Secretários de Estado e do Distrito Federal, e Secretários Municipais), bem como os membros das Casas Legislativas (Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores), os membros do Poder Judiciário (Ministros do Supremo Tribunal, Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Magistrados Federais, Distritais e Estaduais), os membros do Ministério Público (Procuradores da República, Procuradores de Justiça Estaduais e Promotores e Curadores Públicos Estaduais), os membros dos Tribunais de Contas (federal, estaduais e, em alguns casos, municipais), os representantes diplomáticos e quaisquer outras autoridades que com independência funcional no desempenho de suas atribuições constitucionais e governamentais, não fazem parte do quadro do serviço público.333

Os agentes administrativos, por sua vez, são pessoas físicas vinculadas ao Estado ou às suas autarquias e fundações por relações exclusivamente profissionais, sujeitos à hierarquia em razão da função exercida e submetidos ao regime jurídico próprio da entidade estatal a que estão vinculados. Não são membros do Poder do Estado, não representam nenhum poder e não exercem atribuições políticas ou governamentais,

332MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 77. 333Id. Ibid., p. 79.

constituindo a grande massa de prestadores de serviços à Administração direta e indireta do Estado, classificados, segundo o art. 37, incisos II, V e IX da Constituição Federal em servidores públicos concursados, servidores exercentes de cargos ou empregos em comissão, titulares de cargo ou emprego público e servidores temporários, contratados por tempo determinado para atender à necessidade de temporário e excepcional interesse público.334

Agentes honoríficos “são cidadãos convocados, designados ou nomeados para prestar, transitoriamente, determinados serviços ao Estado, em razão de sua condição cívica, de sua honorabilidade ou de sua notória capacidade profissional, mas sem qualquer vínculo empregatício ou estatutário e, normalmente, sem remuneração”335, tais como o mesário eleitoral ou o jurado convocado para o Tribunal do Júri.

Por fim, há os agentes delegados que são pessoas físicas ou jurídicas, que recebem do Estado, em princípio por meio de procedimento licitatório, uma incumbência para execução de obras, atividades ou serviços públicos, a serem realizados em nome próprio, por conta e risco do agente delegado (chamados de concessionários, permissionários ou autorizados), segundo regras estatais e sujeitos à fiscalização contínua da entidade estatal delegante; e há também os agentes credenciados que são pessoas que recebem a incumbência de representar a Administração Pública em ato específico ou para prestar atividade específica por meio de remuneração do poder público credenciante.336

Dessas cinco espécies de agentes públicos, apenas os agentes políticos representam o governo, exercendo mandatos ou funções constitucionais. Portanto, é sobre essa espécie, os agentes políticos, que pode o recall ser aplicado, mas não sobre todos eles.

Para aplicação do instituto do recall, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, entre nós há de haver a justa premissa de que este instrumento só poderá ser aplicado aos casos em que o exercente da função pública ou do mandato tenha sido nomeado ou empossado em decorrência de uma votação popular. A premissa é o voto popular. Como o recall se qualifica como um direito político, tal direito somente pode ser exercido após a eleição, depois de um determinado período, sobre as pessoas que conquistaram a posição de representante por meio do voto do eleitor. Se o povo pode eleger, ele também pode destituir, desde que de acordo com uma lei reguladora dessa

334MEIRELLES, Hely Lopes. op. cit., p. 80-81. 335Id. Ibid., p. 81.

situação. Dessa forma, aplicar-se-ia o mecanismo apenas aos Chefes dos Executivos das pessoas políticas da Federação (ou seja, Presidente da República, Governadores de Estado e do Distrito Federal, e Prefeitos Municipais) e membros do Legislativo dessas mesmas entidades (Senadores, Deputados Estaduais, Deputados Distritais e Vereadores), afastada a aplicação do instituto para todos e quaisquer juízes, membros do Ministério Público, membros dos Tribunais de Contas e representantes diplomáticos.

Portanto, a arma recall somente poderia ser utilizada nessas hipóteses, contra membros do Executivo e do Legislativo de todas as entidades da Federação. A forma para viabilizar a aplicação do instituto dependerá do tipo de entidade (pessoa política) a que o agente político estiver vinculado e do sistema eleitoral, conforme será demonstrado a seguir.337