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2. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

3.3. A configuração jurídica do recall

3.3.5. Mecanismo de controle do poder político

Como já salientado, originariamente, nos Estados Unidos, a revogação do mandato político foi utilizada por determinadas populações locais para fiscalizar os representantes das comunidades que agiam em nome da coletividade.

No final do século XIX e na primeira década do Século XX, ressurge o instituto nos Estados Unidos, com destaque para os Estados de Oregon e Califórnia, neste último caso utilizado para combater os abusos econômicos e a corrupção desencadeada pela empresa ferroviária Southern Pacific Railroad.

O recall, desde que devidamente regulado para evitar abusos, possui uma extraordinária força como mecanismo de controle dos governantes, sejam eles deputados ou agentes políticos do Poder Executivo.

Nos Estados Unidos, especificamente, o instituto é um mecanismo consistente de controle, e dependendo do Estado da Federação, há previsão de sua utilização para destituição de autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário, diretores de escolas e até mesmo de qualquer servidor público, mesmo que não ocupe cargo eletivo. Essa ampla variação de sujeitos que podem ser submetidos ao mecanismo é um fenômeno típico da sociedade norte-americana, uma vez que os Estados têm autonomia para decidirem, da forma que lhes for mais conveniente, quem pode ser submetido ao recall e quais são as hipóteses em que ele pode ser aplicado.

Os Estados Unidos possuem forte tradição no que diz respeito à questão dos meios de controle do poder político. O próprio sistema federativo desse país foi criado levando em consideração essa idéia. O sistema de freios e contrapesos é um dogma e foi instituído nos Estados Unidos da América do Norte, por influência de Montesquieu, constituindo parte essencial do alicerce democrático desse país.174

174Segundo Dalmo de Abreu Dallari, “fortemente influenciados por MONTESQUIEU, os constituintes norte- americanos acreditavam fervorosamente no princípio da separação de poderes, orientando-se por ele para a

O recall aparece, dentro do sistema jurídico, como uma forma de controle dos atos e abusos das autoridades públicas, obviamente, fora do controle interno do governo, porém, afinado com os princípios democrático e republicano175, uma vez que quem exerce a fiscalização são os próprios eleitores, que acompanham o comportamento de seus representantes.

O recall, portanto, além de ser uma forma de aprimoramento da relação entre representado e representante, é também um excepcional mecanismo de fiscalização dos atos das autoridades públicas, principalmente quando o sistema constitucional de freios e contrapesos não cumpre a sua missão.

Na sua origem norte-americana, portanto, verifica-se que o instituto possuía um nítido caráter de controle do poder político, o qual permanece presente até os dias de hoje, sendo essa uma de suas principais características. E essa característica, por sua vez, está intimamente relacionada à questão da responsabilidade daquele que exerce o mandato político. Hoje, o recall não representa um retorno ao mandato imperativo. Trata-se de mecanismo de controle que encontra fundamento na questão da responsabilidade do representante, que tem o dever de prestar contas e de permitir que seus atos sejam fiscalizados pelos eleitores.176

Ao lado de todos os fundamentos que foram elencados até aqui, a questão da responsabilidade do mandatário é hoje o principal fundamento do recall. A Responsabilidade está dentro do novo contexto do controle do poder político. No Século XXI, com a efervescência dos direitos de quarta geração177, a personalização na escolha dos candidatos, a existência de problemas que envolvem, sem distinção, todos os seres humanos, como, por exemplo, as questões climáticas e ambientais, não há como existir

composição do governo da federação. Elaborou-se, então, o sistema chamado de freios e contrapesos, com os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, não se admitindo que qualquer deles seja mais importante que os demais” (DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria

geral do Estado, cit., p. 258).

175Citando o pensamento de James Madison, Dalmo de Abreu Dallari ensina que o governo republicano na sua origem norte-americana “é aquele que deriva todos os seus poderes, direta ou indiretamente, de todo o povo e que é exercido por pessoas que conservam seus cargos à disposição do mesmo povo, ocupando-os durante um período limitado ou enquanto observarem bom comportamento” (DALLARI, Dalmo de Abreu.

O Estado Federal, cit., p. 26).

176Sobre esse aspecto, Geraldo Ataliba escreve que “na idéia de responsabilidade vêm envolvidas, necessariamente, as noções de prestação de contas e fiscalização dos mandatários pelos mandantes. Sem esses ingredientes, idoneamente formulados – e dotados de um instrumental que lhes assegure eficácia – não se pode falar legitimamente em mandato, e nem, em conseqüência, em república federativa (ATALIBA, Geraldo. República e constituição. São Paulo: Malheiros Ed., 1998. p. 91).

mandato legítimo sem responsabilidade, sem prestação de contas e sem fiscalização. A responsabilidade é o verdadeiro fundamento do recall.

Ao pé de todas essas considerações, frise-se, mais uma vez, que o recall não significa a volta do mandato imperativo. O mandato não é mais aquele representativo, livre, de duzentos anos atrás, nem partidário, apesar das recentes decisões prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral sobre a titularidade do mandato político.178 Os termos mais apropriados que se adaptam à nova realidade em que vivemos são “responsabilidade”, “ética” e “democracia”. O mandato republicano hoje é o mandato responsável, ético e democrático e é exatamente nesse contexto que se insere o recall nos dias atuais.