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2. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

3.4. Os aspectos desfavoráveis do recall

Acerca das polêmicas que o recall suscita, André Hauriou221 afirma que o instituto levanta uma série de questões, passando por quase todos os temas do Direito Constitucional, tais como governo representativo, governo direto, teoria do mandato representativo e responsabilidade dos agentes públicos. No entanto, para Hauriou existem dois aspectos sensíveis que o recall desperta. O primeiro de ordem política e o segundo de ordem jurídica.

Quanto à questão política, dentre as críticas feitas por Hauriou, destacam-se as seguintes: (i) o direito de revogação encontra-se diretamente relacionado ao governo direto e, ao mesmo tempo, é uma negação razoavelmente consciente do regime representativo; (ii) o direito de revogação vai contra os homens e não contra os atos destes e (iii) o direito de revogação aproxima-se muito do instituto do mandato imperativo, não sabendo definir o citado autor se esse fato tem por objetivo organizar o governo direto ou trazer a desorganização para o regime representativo. Quanto a esse último aspecto, Hauriou tece comentários negativos sobre o mandato imperativo e conclui, finalmente, que o grande defeito, do ponto de vista político, do procedimento de revogação popular é o de sacrificar a estabilidade governamental.222

No que concerne à questão jurídica, Hauriou afirma que, na visão dos publicistas americanos, o recall trata também da forma de organizar a responsabilidade dos agentes públicos. A visão dos americanos é de ordem prática. O agente público deve ser responsável diante do povo, que é o dono do negócio. O principal argumento dos americanos em favor do recall é que este procedimento permite a aplicação do “good business principle”. A máquina administrativa é entendida pelos americanos como uma grande empresa na qual o povo seria o patrão e para o seu bom funcionamento seria necessário que o dono do negócio pudesse demitir seu funcionário cuja responsabilidade estivesse seriamente comprometida. A questão, segundo o juspublicista francês, é saber se a destituição dos agentes públicos pelo povo constitui um bom sistema de responsabilidade. Um bom método para isso seria distinguir se a revogação é aplicada aos membros do governo ou aos outros funcionários. Para ele, na medida em que aplicada aos membros do governo (governadores e secretários de Estado) a revogação popular tem o erro de não distinguir entre responsabilidade política e penal. O que causa censura no

221HAURIOU, André. op. cit., p. 67-75. 222Id. Ibid., p. 67-71.

recall, para Hauriou, é que a aplicação aos agentes políticos é um mecanismo grosseiro,

que não permite bem distinguir entre a responsabilidade política e a penal. Por outro lado, se o recall passar a ser examinado com o processo de responsabilidade aplicado aos funcionários ordinários, é impossível não fazer, uma vez mais, a observação de que se trata de um processo imperfeito. É preciso que o sistema empregado permita aplicar uma sanção adequada ao erro e é desejável que o processo não configure uma explosão de paixões populares, além de movimentar todo o sistema por algo que não valha a pena. Apresenta também o erro de colocar o funcionário culpado ao julgamento passional do povo. Mas, para ele, o sistema mostra seu caráter mais defeituoso, quando se opera o recall dos juízes, porque fere a independência e imparcialidade dos magistrados.223

Thomas E. Cronin224 observa que os críticos do recall alegam que o procedimento confere muito poder aos eleitores e que prejudica a independência e discrição necessárias ao representante. Ademais, as eleições são dispendiosas para os municípios e estados e, além disso, na maioria dos casos, não se exige que se investigue a verdade ou o mérito das acusações de má-conduta. O mesmo autor afirma também que os oponentes do recall duvidam que o cidadão médio tenha conhecimento e discernimento para tomar tal decisão política.

O mesmo autor diz que os críticos do recall ainda lançam mão de cinco argumentos contra o instituto.225

O primeiro deles seria que o pressuposto do recall é contrário aos princípios republicanos, especialmente à ideia de eleger bons legisladores e autoridades, que devem ter a chance de exercer seu mandato ou governar até as próximas eleições, quando então poderiam ser responsabilizados. De acordo com esse argumento, os eleitos precisam de tempo e independência para exercer suas funções. O recall enfraqueceria a estrutura e a prática do governo republicano, uma vez que o instituto estimula o pensamento de curto prazo em detrimento ao de longo prazo, havendo o risco de a autoridade pública agir de acordo com o que pareça aceitável para o povo em determinado momento, deixando de tomar medidas que sejam temporariamente impopulares, mas necessárias, devido ao receio de que grupos rivais possam utilizar o procedimento para destituí-lo do cargo. É nesse

223HAURIOU, André. op. cit., p. 71-75. 224CRONIN, Thomas E. op. cit., p. 127. 225Id. Ibid., p. 135-139.

instante que o recall, segundo seus opositores, retira a independência e coragem de ação dos agentes públicos.

O segundo argumento contrário seria que o recall torna o cargo ou função pública menos atraente para a maioria dos indivíduos, uma vez que todo e qualquer agente público, por qualquer motivo, pode ser submetido ao procedimento de recall, o que o torna um mecanismo jurídico constante de intimidação das autoridades.

O outro argumento é no sentido de que as eleições de recall seriam polarizantes, dividem as comunidades e são sujeitas a uma série de abusos e consequências não-intencionais. Os procedimentos são eventos emocionais, amargos e, às vezes, podem até causar tumultos e, em vez de resolver problemas, aumentam as tensões, dividindo as comunidades.

O quarto argumento é que as eleições são confusas, frequentemente injustas e geram um fardo para os eleitores que devem se manter informados durante os mandatos dos políticos. O cidadão médio fica confuso, especialmente porque em muitas regiões o

recall é instaurado sem a existência de provas sobre as acusações feitas às autoridades e,

além disso, debates sérios sobre o mérito das acusações sequer podem ocorrer.

Por fim, há o argumento de que as eleições de recall são dispendiosas e desnecessárias. Tal aspecto seria um dos mais fortes contra o mecanismo, principalmente quando envolve um grande Município ou Estado. Além disso, o tumulto político e as despesas são desnecessárias, dado que há disposições que buscam o mesmo resultado para o processo de impeachment ou ações similares pelo Executivo ou Judiciário.

Esses são os argumentos contrários ao recall, segundo os críticos do mecanismo, de acordo com Thomas E. Cronin.