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A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.

CAPÍTULO IV O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO 1 Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade.

1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal.

A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, acrescentou à Constituição Federal o artigo 103-A que dispõe sobre a criação da pelo Supremo Tribunal Federal das súmulas vinculantes. Já a regulamentação deste artigo ocorreu com a edição da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006., que dispõe sobre a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante.

Assim, “ao editar enunciado de súmula vinculante, coube ao Supremo Tribunal Federal a função de conferir a interpretação quanto a determinado ato normativo. Essa tarefa decorre essencialmente da sua posição hierárquica no sistema e da obrigação de padronização e uniformização do entendimento das normas jurídicas.”242

No que tange aos crimes tributários, após a pacificação da jurisprudência no STF acerca materialidade destes delitos, realizada através do HC nº 81.611-8 e outros precedentes, foi enviado ao Tribunal Pleno da referida Corte a proposta de súmula vinculante nº 29/DF com as seguintes sugestões de enunciado:

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, antes do lançamento definitivo do tributo. (Processo Administrativo 327.127)

242

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º , incs. I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. (Min. Cezar Peluso)

Após debates realizados em seção plenária, por maioria de votos foi aprovada a Súmula Vinculante nº 24, com a seguinte redação:

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”243

Assim, com a edição desta súmula, nenhuma ação penal ou inquérito policial em que se discutia o crime definido no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 poderia ser iniciado antes do término do processo administrativo onde se discutia o auto de infração que os originou.

Contudo, em que pese a pacificação da matéria no Supremo Tribunal Federal, inclusive por meio de súmula vinculante, em 14 de junho de 2011, no julgamento do HC nº 96.324/SP, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a Primeira Turma desta Corte, por maioria de votos, sendo voto vencido o Ministro Dias Toffoli, que votava pela concessão da ordem com base na Súmula Vinculante nº 24, decidiu que nos

casos em que a fraude demonstra-se latente, descabe exigir, para ter-se a sequência da persecução penal, o término do processo administrativo.

Em seu voto, o Ministro Marco Aurélio argumentou que:

Tanto a suspensão de ação penal quanto o trancamento surgem com excepcionalidade maior. Conforme consignei ao indeferir a medida acauteladora, a denúncia não está a invibializar a defesa. Mais do que isso,

243 Coordenadoria de Análise de Jurisprudência – Dje nº 30. Divulgação 18/02/2012 – Publicação 19/02/2010. Ementário nº 2.390-1.

versa não a simples sonegação de tributos, mas a existência de organização, em diversos patamares, visando à prática de delitos, entre os quais os de sonegação fiscal, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro, ocultação de bens e capitais, corrupção ativa e passiva, com frustração de direitos trabalhistas. Daí não se poder considerar impróprio o curso da ação penal, não cabendo, no caso, exigir o término de possível processo administrativo fiscal. Indefiro a ordem.

Ainda no bojo do referido acórdão ficou consignado que:

De fato, uma coisa é desconstituir o tipo penal quando há discussão administrativa acerca da própria existência do débito fiscal ou do quantum devido; outra bem diferente é a configuração, em tese que seja, de crime contra a ordem tributária em que é imputada ao agente a utilização de esquema fraudulento, como, por exemplo, a falsificação de documentos, utilização de empresas ‘fantasmas’ ou de ‘laranjas’ em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de lesar o Fisco. Nesses casos, evidentemente, não haverá processo administrativo-tributário, pelo singelo motivo de que foram utilizadas fraudes para suprimir ou reduzir o recolhimento de tributos, ficando a autoridade administrativa completamente alheia à ação delituosa e sem saber seque houve valores sonegados.

O caso em questão, segundo a denúncia oferecida pelo Ministério, versava sobre um esquema fraudulento montado para a prática de diversos crimes, dentre eles o de sonegação fiscal.

A denúncia relata que uma determinada empresa do ramo frigorífico, criou uma empresa fictícia, gerenciada por “laranjas”, com o intuito de transferir a esta toda a responsabilidade fiscal, trabalhista e penal tributária, inerentes às suas atividades econômicas e desta forma sonegar ou reduzir o valor de tributos a serem recolhidos.

Ainda com base na acusação, esta empresa “fantasma”, no que tange aos crimes tributários, declarava nos respectivos documentos exigidos pela fiscalização, todos os tributos que deveriam ser recolhidos, porém sem efetuar o respectivo pagamento.

Logo, na medida em que estas declarações, a princípio, não continham omissões e nem informações falsas, não haveria que ser falar na incidência dos crimes previstos na Lei nº 8.137/90.

Contudo, segundo a acusação, esta operação nada mais era que uma estratégia da empresa verdadeira para burlar o fisco e evitar a sua autuação, na medida em que toda responsabilidade recairia sobre a empresa “fantasma”. Logo, diante destes fatos, os ministros da Primeira Turma do STF resolveram afastar a aplicação da Súmula Vinculante nº 24.

O julgamento em questão apresenta dois aspectos importantes no que tange aos crimes contra a ordem tributária.

O primeiro deles versa sobre a extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo. A atual legislação em vigor (artigo 6º, § 6ª da Lei nº 12.382/2011 c.c. artigo 34 da Lei nº 9.249/95), em que pese os entendimentos em contrário, e que serão objetos de um estudo mais aprofundado no decorrer deste trabalho, dispõe que este pagamento deve ocorrer, visando à extinção da punibilidade do agente e, ato contínuo, a extinção da ação penal, antes do recebimento da denúncia pelo magistrado.

Assim, se o novo entendimento da Primeira Turma do STF prevalecer, uma denúncia referente aos crimes contra a ordem tributária poderia ser recebida pelo magistrado antes do término do processo administrativo, já que o trâmite deste procedimento não teria o condão de impedir o prosseguimento da respectiva ação penal.

Consequentemente, numa atitude extremamente conservadora, o contribuinte denunciado pela prática do crime previsto no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, e visando extinguir a sua punibilidade, seria obrigado a renunciar a discussão do tributo no processo administrativo e efetuar o seu pagamento, afim de evitar o recebimento da denúncia pelo magistrado e livrar-se da ação do Estado na esfera penal.

Este preocupação também é mencionada por Pedro Luiz Ricardo Cagliardi ao citar que “o contribuinte tem o direito subjetivo de ter julgada extinta a sua punibilidade caso pague o tributo antes do recebimento da denúncia, nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.249/95, sendo, desta forma, o pagamento exigível somente depois de findo o processo executivo.”244

Esta atitude reflete o segundo aspecto deste novo entendimento do Supremo Tribunal Federal, que seria a ofensa aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório previstos respectivamente no artigo 5º, LIV e LV, da CF, pois “no Direito Brasileiro a necessidade de prévia decisão da autoridade administrativa no crime de supressão ou redução de tributo é muito mais que uma questão de direito penal ou processo penal. É uma questão de direito constitucional. Admitir-se a denúncia criminal antes da decisão definitiva da autoridade da Administração é forma clara de negação da supremacia constitucional.”245

Ademais, além de todo este quadro fático e ressalvado os entendimentos em contrário, a denúncia relativa aos crimes contra a ordem tributária que for recebida antes do término do processo administrativo, ofende o princípio constitucional da presunção de inocência246, na medida em que tal conduta possibilita eventualmente

uma condenação na esfera criminal e, anterior à decisão definitiva na esfera

244 COSTA. José de Faria. SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p. 538. 245 NASCIMENTO. Carlos Valder (coord.), Crimes de Sonegação Previdenciária, p. 84. 246

administrativa, que pode perfeitamente concluir que o contribuinte não seja o devedor do tributo.

Por fim, nunca é demais frisar que para que haja crimes contra a ordem tributária, é necessário que haja a efetiva supressão ou redução de tributo, sendo que a existência deste ou a sua exigibilidade somente pode ser reconhecida pela autoridade administrativa, não cabendo a nenhum órgão, nem mesmo ao Judiciário, a realização desta tarefa.