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A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Carlos Eduardo Gonzales Barreto.

A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Carlos Eduardo Gonzales Barreto.

A TUTELA PENAL DA ORDEM TRIBUTÁRIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Processual Penal, sob a orientação do Prof. Dr. Claudio José Langroiva Pereira.

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BANCA EXAMINADORA

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Ao Professor Marco Antonio Marques da Silva, fonte ímpar de inspiração na luta diária pela aplicação das garantias constitucionais no Estado Democrático de Direito.

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RESUMO

BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

A presente dissertação de mestrado tem por objetivo, diante da atual importância da arrecadação tributária no cenário nacional, analisar como este instituto é tutelado no Brasil pelo direito penal e processual penal. Assim, visando alcançar este objetivo, primeiramente realizou-se um estudo da história e das características do Estado Democrático de Direito, adotado na Constituição Federal de 1988, de seus pilares de sustentação, quais sejam, a soberania, cidadania e a dignidade da pessoa humana e também dos princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado. Em seguida, numa análise sobre o avanço da criminalidade global, que tem como figura principal, o Direito Penal Econômico, constatou-se que, sob o pretexto de combatê-la, a sociedade passou a clamar por um Estado mais punitivo, que, consequentemente, levou em determinados momentos a uma diminuição dos direitos e garantias individuais. No Brasil, este reflexo pôde ser visto nos crimes tributários, quando foram permitidas pelo Poder Judiciário, como forma de combater a criminalidade tributária, a utilização de denúncias genéricas. Ainda com base no objeto deste trabalho, destaca-se a proteção que a Constituição Federal destina a ordem tributária sobre Brasil, que, em tese justificaria a aplicação da tutela penal e processual penal sobre este instituto. Para tanto, é realizado um estudo completo a respeito das figuras típicas e ao processo penal dos delitos tributários previstos na Lei nº 8.137/90, e como estes crimes são tratados em países como Portugal e Espanha, que mantém uma ligação histórica e cultural com o Brasil. Por fim, em que pese o legislador brasileiro utilizar a tutela penal na proteção da ordem tributária, verifica-se também que o grande objetivo do Estado na seara penal tributária é garantir a arrecadação tributária. Esta premissa pode ser comprovada diante do histórico de leis que permitiram e, ainda permitem, a suspensão ou extinção da pretensão punitiva mediante o parcelamento ou pagamento do débito tributário, respectivamente, o que suscita a discussão acerca da real necessidade de criminalização dos ilícitos tributários.

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ABSTRACT

BARRETO. Carlos Eduardo Gonzales. A Tutela Penal da Ordem Tributária no Estado Democrático do Direito. 2012. 168 p. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

This master thesis has as purpose, given the current importance of tax collection in the national scenario, to analyze how this institute is tutored in Brazil by the criminal law and procedural criminal law. Thus, aiming at reaching this object, it was primarily performed a study of the history and characteristics of the Democratic Rule-Of-Law State, adopted in the Federal Constitution of 1988, of its supporting pillars, namely, the sovereignty, citizenship and the dignity of the human person and also the constitutional principles that guide the punitive power of the State. Thereafter, in an analysis on the advance of global criminality, which has as main figure the Economic Criminal Law, it was found that under the pretext of combating it, the society started to clamor for a more punitive State, which, consequently, leaded in certain moments to a reduction of the individual rights and guarantees. In Brazil, this reflex could be seen in the tax crimes, when the Judiciary allowed, as a manner of combating the tax criminality, the use of generic denounces. Still based on the purpose of this work, it is important to emphasize that the protection given by the Federal Constitution to the tax order about Brazil, which, in thesis would justify the application of the criminal and procedural criminal tutelage over this institute. To that end, a complete approach on the typical figures and the criminal procedure of the tax crimes provided in Law No. 8.137/90 is performed, and how these crimes are treated in countries like Portugal and Spain, which have a historic and cultural connection with Brazil. Finally, in spite of the Brazilian legislator using the criminal tutelage in the protection of the tax order, it is also verified that the great objective of the State in the criminal tax area is to ensure the tax collection. That premise may be proven before the history of laws that allowed, and still allow, the suspension or extinction of the punitive claim before the tax payment in installments or payment of the tax debt, respectively, which raises the discussion on the real necessity of criminalization of tax torts.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA e PROTEÇÃO PENAL 14

1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático

de Direito. 14

1.1 O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana. 18 2. Princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito

Brasileiro. 19

2.1 Dignidade da pessoa humana. 19

2.2 Soberania. 21

2.3 Cidadania. 22

3. Os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado 23

3.1 Princípio da legalidade. 24

3.2 Princípio da igualdade. 25

3.3 Princípio da ultima ratio. 27

3.4 Princípio da fragmentariedade. 28

3.5 Princípio da subsidiariedade. 28

3.6 Princípio da adequação. 30

3.7 Princípio da necessidade. 31

3.8 Princípio da proporcionalidade. 31

3.9 Princípio da culpabilidade. 32

3.10 Princípio da individualização da pena. 33

3.11 Princípio do devido processo legal. 33

(9)

3.13 Princípio do acusatório e juiz natural. 37

3.14 Princípio da presunção de inocência. 38

3.15 Princípio do In dúbio pro reo. 40

3.16 Princípio da verdade no processo penal. 41

CAPÍTULO II - DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E

CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA. 43

1. A Criminalidade Econômica, a globalização e seus reflexos na ordem

jurídica. 43

2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal. 46

3. O Direito Penal Econômico. 48

3.1 Origem histórica e conceito. 48

3.2 O Bem jurídico tutelado no Direito Penal Econômico. 51 4. A criminalidade tributária como parcela da criminalidade econômica. 55 5. Experiências da proteção penal tributária no direito estrangeiro. 56

5.1 Direito português. 56

5.2 Direito espanhol. 61

CAPÍTULO III - PREVISÃO LEGAL E SISTEMA PENAL DE PROTEÇÃO

A ORDEM JURÍDICA TRIBUTÁRIA. 64

1. A tutela penal das obrigações tributárias na Constituição Federal. 64

2. Conceito de direito tributário. 65

2.1 Princípios constitucionais orientadores da ordem tributária. 67

2.1.1 Princípio da legalidade. 68

2.1.2 Princípio da irretroatividade. 69

2.1.3 Principio da anterioridade. 70

(10)

3. Ordem tributária e proteção penal. 71

3.1 Tipos penais tributários. 74

3.1.1 A figura típica do artigo 1º. 74

3.1.2 Modalidades específicas de condutas. 76 3.1.2.1 Inciso I – Omissão ou prestação de informação falsa. 76 3.1.2.2 Inciso II – Fraude pela inserção de elementos inexatos ou pela

omissão de operações. 79

3.1.2.3 Inciso III – Falsificação ou alteração de qualquer documento

destinado à operação fiscal. 83

3.1.2.4 Inciso IV – Engenho de meios falsos e seu uso. 84 3.1.2.5 Inciso V - Recusa ou omissão de fornecimento de documento. 87 3.1.2.6 Parágrafo único – Obstrução à ação fiscal. 90

3.2. A figura típica do artigo 2º. 92

3.2.1 Modalidades de Condutas. 94

3.2.1.1 Omissão e prestação de informações falsas. 94

3.2.1.2 Não recolhimento do tributo. 95

3.2.1.3 Incentivos fiscais. 97

3.2.1.4 Incentivo fiscal. 98

3.2.1.5 Programa de processamento de dados. 98

3.3 O Tipo subjetivo – Dolo. 99

3.4 Erro de tipo e de proibição. 100

3.5 Concurso de pessoas. 102

CAPÍTULO IV - O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO. 106

1. Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade 106 1.1 O término do processo administrativo como condição para o oferecimento

(11)

1.2 A Súmula Vinculante nº 24 do Supremo Tribunal Federal. 113 1.3 Requisitos da denúncia criminal nos crimes contra a ordem tributária. 118

1.4 O procedimento. 119

1.5 A prescrição nos crimes contra a ordem tributária. 121 1.5.1 A prescrição relativa aos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90. 121 1.6 A extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária. 123

1.6.1 Histórico da legislação. 123

1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do parcelamento do débito

tributário. 126

1.8 A extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo. 132

1.9 O momento do pagamento do tributo. 132

1.10 A Lei nº 12.382/2011 e a sua aplicação nos crimes contra a ordem

tributária. 135

CAPÍTULO V - QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A PROTEÇÃO PENAL

TRIBUTÁRIA. 139

1. A criminalização dos ilícitos tributários como questão de ultima no direito

penal brasileiro. 139

2. A denúncia genérica nos crimes contra a ordem tributária e sua flexibilização como ofensa aos princípios constitucionais do contraditório,

ampla defesa e dignidade da pessoa humana. 141

CONCLUSÃO. 156

(12)

INTRODUÇÃO.

A Constituição Federal de 1988 consolidou no Brasil o Estado Democrático de Direito, cujos fundamentos básicos são a soberania, a cidadania e a dignidade da pessoa humana que, juntamente com os direitos e garantias individuais, visam propiciar uma vida igualitária e harmônica em sociedade.

Assim, para este fim possa ser alcançado e também para garantir o desenvolvimento de sua economia e justiça social, únicas formas de garantir a igualdade entre todos os indivíduos e o respeito à dignidade humana, o Estado necessita de recursos para a criação e desenvolvimento de seus programas sociais, e estes, necessariamente, são oriundos da arrecadação de impostos.

Desta forma, considerando a importância da arrecadação tributária para o desenvolvimento econômico e social de uma nação, uma vez que os valores arrecadados com o pagamento dos tributos e contribuições sociais são destinados à sociedade, para investimentos na saúde, educação, transporte, segurança, tecnologia, etc, e também diante da falência de outros ramos do direito em proteger este instituto, o direito penal assume a tarefa de exercer a tutela sobre este bem jurídico, passando e punir aqueles que causam prejuízo ao erário público.

Esta proteção surge por intermédio da criminalização das condutas tendentes a fraudar a ordem tributária e, consequentemente, diminuir a arrecadação de impostos pelo Estado, impossibilitando a efetivação dos valores acima apresentados e que são inerentes ao Estado Democrático de Direito.

(13)

Posteriormente, deve-se realizar um estudo sobre a legislação penal e processual penal atinente a matéria, bem como a atuação do Poder Judiciário na interpretação destas normas, haja vista que, com enorme freqüência, tanto estas, como os entendimentos dos tribunais brasileiros, especialmente o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal realizam reformam os seus posicionamentos sobre a matéria.

Outro ponto que merece destaque é a influência do avanço da criminalidade moderna, que engloba o Direito Penal Econômico, nos crimes contra a ordem tributária, (espécie do gênero “criminalidade econômica”), mais precisamente na tendência de diminuição dos direitos e garantias individuais.

Este efeito pode ser visualizado, especificamente, dentro do processo penal, onde, em alguns casos, prerrogativas constitucionais atinentes aos cidadãos são afastadas, sob o pretexto de garantir a punição daqueles que praticam os delitos tributários.

Por fim, diante do estudo da proteção penal destinada à ordem tributária dentro do Estado Democrático de Direito, surge a indagação se o direito penal e processual penal são os melhores caminhos para a proteção da atividade de arrecadação de tributos em um país como o Brasil.

(14)

CAPÍTULO I - ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA e a PROTEÇÃO PENAL.

1. Estado de Direito, Estado Liberal, Estado Social e Estado Democrático de Direito.

É de conhecimento notório que para a existência de uma sociedade harmoniosa, é necessário que esta seja regida por leis e que esteja minimamente organizada. Esta organização é o que chamamos atualmente de Estado, ou seja, “uma associação humana (povo), radicada em base especial (território), que vive sob o comando de uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberana).1

Assim, uma das conseqüências para que esta organização em sociedade prosperasse, foi a necessidade da presença de um líder, cujos principais atributos seriam o de manter unida a coletividade, proteger os seus membros e direcioná-los na busca de um objetivo comum, tudo com base em normas criadas para tal fim e que eram de observância obrigatória todos os cidadãos.

Contudo, todo poder, por menor que seja, tende a abusos e autoritarismos, vide os Estados Absolutistas, onde os poderes econômicos e políticos eram centralizados, e onde as leis eram criadas para manipular os cidadãos e para atender os interesses dos monarcas.

Assim, numa tentativa de neutralizar este poder absolutista, a “quota da desprestigiada da população insurgiu-se, em busca de uma ordem social justa, com melhores condições de vida e tratamento igualitário. Nasce, então, a idéia de vincular e subordinar o poder político aos termos de um direito objetivo, na tentativa de exprimir o justo, impondo aos governos mecanismos de contenção do poder, através

1

(15)

da submissão de todos, governantes e governados, às leis gerais e abstratas, instituindo as liberdades públicas.”2

Surgiu então o Estado de Direito, “com fundamento no jusnaturalismo iluminista, como ente que estabelece regras mitadoras das condutas a serem seguidas pelo povo, para uma coexistência pacífica das liberdades individuais, que devem ser garantidas pela não interferência no seu desenvolvimento.”3 Logo, a função do Estado de Direito seria a de delimitar os poderes dos absolutistas, visando evitar a prática de condutas ditatoriais.

A sua primeira concepção foi marcada pelo caráter liberal; “daí falar-se em Estado Liberal de Direito, cujas características básicas, sempre visando a intervenção mínima estatal, foram: (a) submissão ao império da lei (...); (b) divisão de

poderes (...); (c) enunciado e garantias dos direitos individuais.”4

Contudo, esta nova forma de governar, materializada por um Estado que teoricamente teria o ideal de erradicar as diferenças sociais, políticas e econômicas, transformando os cidadãos em pessoas livres, adquiriu outras versões que desvirtuaram a sua real finalidade. “O individualismo, assim como o apoliticismo e neutralidade do Estado Liberal de Direito, não podia satisfazer a exigência de liberdade e igualdade reais dos setores sociais e economicamente menos favorecidos.”5

Além disso, esta ausência do Estado no controle das relações sociais e individuais acabou favorecendo o surgimento de minorias (elite burguesa) que passaram a controlar toda a sociedade, deixando sem a proteção estatal a parte hipossuficiente, que por sua vez, passaram a ser explorados em condições análogas à de escravos e sem poderem usufruir dos direitos assegurados pelo Estado Liberal,

2

MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, p. 228.

3 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 33. 4 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 113.

5

(16)

como por exemplo, “o acesso à Justiça, assim como os demais direitos individuais formalmente assegurados, que somente poderiam ser obtidos por aqueles cidadãos que tivessem condições materiais de fazê-lo”.6

Assim, “o individualismo e abstencionismo ou neutralismo do Estado liberal provocaram imensas injustiças, e os movimentos sociais do século passado e deste especialmente, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social.”7

Desta forma, em contraponto ao Estado Liberal, surge o Estado Social de Direito como forma de promover a maior intervenção do Estado nas relações sociais, econômicas e políticas e com o intuito de diminuir as diferenças criadas pelo sistema anterior.

No entanto, “a indicação de direitos econômicos e sociais, expressamente nas Cartas Constitucionais destes Estados Sociais de Direito, não foi suficiente diante das interpretações contraditórias que o caráter social proporciona, tornando suspeita qualquer aceitação desta concepção de Estado.”8

Além disso, apesar do Estado Social de Direito transmitir uma sensação de justiça social e de garantir o bem estar da pessoa humana, o seu conceito gerou uma notória ambigüidade, que não permitiu, inclusive, que a palavra social fosse confundida com o socialismo de Marx, pois todas as ideologias, com sua própria visão do social e do Direito, podem acolher uma concepção do Estado Social de Direito, haja vista que na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, na Espanha franquista e no Brasil após a revolução de 30, por exemplo, eram Estados eram Sociais.9

6 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 75. 7 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 115.

8 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 36. 9

(17)

Portanto, na busca por um Estado que atendesse os anseios da sociedade, surge o Estado Democrático e o Estado de Direito, impondo a todos um tratamento igualitário, de forma a prover “justiça social, não tolerando a desigualdade entre os seus cidadãos, em uma universalização de prestações sociais.”10 Contudo, é

importante frisar “que a igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis.”11

Trata-se ainda de um Estado fundado no “princípio da soberania popular, que impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exauri, como veremos, na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não seu completo desenvolvimento.”12

O Estado Democrático de Direito é marcado ainda pela sua ausência de um modelo único de governo, na medida em que “está sempre em evolução, nunca alcançando uma concepção definitiva, pois constitui um modelo de Estado, como entidade de variação constante, decorrente dos momentos históricos que a sociedade estiver vivenciando, do povo que integra esta mesma sociedade e, ainda, da posição global em que este Estado se encontrar.”13

No Brasil, o regime em questão encontra-se previsto no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, quando esta afirma que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, “não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando, mas sim no fato de que, o ‘democrático’ qualifica o Estado, o que irradia os valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e, pois, também sobre a ordem jurídica.”14

10

PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 37.

11 SILVA. José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 118. 12Ibid., p. 117.

13 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 38. 14

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Ainda no artigo 1º da Constituição Federal, mas precisamente em seus incisos, há previsão dos fundamentos que norteiam do Estado Democrático de Direito, ou seja, a soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político, que demonstram que o referido regime “apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais, que ela inscreve, e pelo exercício dos instrumentos que oferece à cidadania e que possibilita concretizar as exigências de um Estado de justiça social, fundado na dignidade da pessoa humana.”15

1.1. O Estado Democrático de Direito e o princípio da dignidade humana.

Como já salientado anteriormente, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil de e 1988, delimitou “um modelo de Estado Democrático de Direito através da identificação de princípios orientadores de soberania popular, cidadania, garantia da dignidade da pessoa humana, reconhecendo valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, acolhendo o pluralismo político e buscando justiça social por meio da liberdade e igualdade em sua constituição.”16

Assim, em que pese “a ligação jurídico-positiva entre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana só ter começado no Estado Social de Direito e, mais rigorosamente, com as Constituições e os grandes textos internacionais subsequentes à segunda guerra mundial,”17 percebe-se que, a dignidade da pessoa

humana, até como forma de coibir os abusos contra a humanidade, tornou-se um dos principais pilares de sustentação do modelo de estado posterior ao Estado Social, qual seja, o Estado Democrático de Direito, na medida em que “implica em liberdade, igualdade e justiça; todos os seres humanos nascem livres e iguais em

15 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 120.

16 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 39. 17

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dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir um para com os outros em espírito de fraternidade.”18

Portanto, sendo o Estado Democrático de Direito pautado em tais princípios, ele deve “criar condições favoráveis para uma integral realização dos mesmos”,19

sendo que em relação à dignidade da pessoa humana, tido como “princípio absoluto, informador de todos os demais princípios instrutores do Estado Democrático de Direito, não podendo, mesmo a título de argumentação, ser afastado com a justificativa de garantir outro direito constitucionalmente previsto, já que este também decorre, em sua essência do supraprincípio da dignidade da pessoa humana.20

2. Princípios constitucionais orientadores do Estado Democrático de Direito Brasileiro

2.1. Dignidade da pessoa humana.

Conforme já estudado nos tópicos anteriores, ao longo dos anos e após as inúmeras transformações que a sociedade sofreu, principalmente após as duas grandes guerras mundiais, os Estados evoluíram no intuito de proporcionar aos seus cidadãos uma convivência pacífica em todos os seguimentos e, principalmente, com a devida observância à dignidade da pessoa humana.

Desta forma, considerado como um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana está prevista no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 199821, sendo assim, um dos fundamentos

Estado Brasileiro, tanto que, para Luiz Antonio Rizzato Nunes, a dignidade da pessoa humana é “o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o

18 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), op. cit., p. 224. 19

Ibid., p. 224.

20 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 43.

21 “Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do

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último arcabouço da guarida dos direitos individuais. (...) É a dignidade que dá a direção, o comando a ser considerado primeiramente pelo intérprete.”22

No entanto, apesar da sua importância para o Estado Democrático de Direito, ainda não há um conceito ou significado definido na doutrina sobre o princípio da dignidade humana.

Marco Antonio Marques da Silva, afirma que a dignidade da pessoa humana “se manifesta em todas as pessoas, já que cada um, ao respeitar o outro, tem a visão do outro. A dignidade humana existe em todos os indivíduos e impõe o respeito mútuo entre as pessoas, no ato da comunicação, e se opõe a uma interferência indevida na vida privada pelo Estado.”23

O próprio Luiz Antonio Rizzato Nunes, ao defini-la, atribui à mesma um caráter de valor supremo ao afirmar que a dignidade é “absoluta, plena e que não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo. ”24

Por este conceito, a dignidade humana se torna algo absoluto, intocável, que nem o próprio indivíduo pode agir contra ela.

Contudo, o mesmo autor, num segundo momento, atribui à dignidade uma humana um caráter de relativismo ao afirmar que se, “de um lado, a qualidade da dignidade cresce, se amplia, se enriquece, de outro, novos problemas em termos de guarida surgem. Afinal, na medida em que o ser humano age socialmente, poderá ele próprio – tão dignamente protegido – violar a dignidade de outrem.(...) Ter-se-á, então, de incorporar no conceito de dignidade uma qualidade social como limite à

22 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade

Humana, p. 421.

23Ibid., p. 224. 24

(21)

possibilidade de garantia. Ou seja, a dignidade só é garantia ilimitada se não ferir outra.”25

Já no campo do processo penal, o princípio da dignidade humana pode ser vista como “um valor-fonte do ordenamento jurídico, representando, assim, a inspiração de outros princípios e de regras constitucionais, sendo portanto, a origem de muitos preceitos da legislação existente.”26

Por fim, destaca-se que a dignidade humana é o alicerce de todo um Estado de Democrático de Direito, sendo que para sua efetiva concretização, são necessários que todos atuem com respeito mútuo no decorrer das relações sociais.

2.2. Soberania

Além da dignidade da pessoa humana, outras características marcam o Estado Democrático de Direito, sendo que uma delas é a soberania, tida como “traço distintivo e específico do Estado e entendida como o poder supremo autônomo e originário.”27

Além disso, corroborando a ideia de independência do Estado, a soberania caracteriza-se também pela a “independência do povo e do Estado em relação a outros Estados, mais ainda, identificando uma individualidade cultural, política e social, representa uma das notas distintivas do Estado Democrático de Direito no Brasil.”28

Contudo, nem sempre a soberania esteve ligada à independência de um Estado ou nação. Já houve no passado nações que possuíam territórios, povo,

25

MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana., p. 423.

26Ibid., p. 539

27 CARRAZZA. Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 94. 28

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organização política, mas que eram regidas por uma autoridade externa. “Foi o que ocorreu, por exemplo, na Idade Média, quando reinos e senhorios aceitavam a subordinação ao Império ou ao Papado. Tais autoridades não se punham como as mais altas (no superlativo), ou seja, como soberanas (pois soberano, do latim

soberanus, é o superlativo de super.”29

Hoje, “o Estado é soberano, porque só ele goza deste atributo, na medida em que a eficácia e a validade de seus atos não provêm de fora, mas de si próprio.”30

No Brasil, a soberania é oriunda do povo (popular), e encontra-se prevista no inciso I, do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, e que “impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio de evolução do Estado Democrático, mas no seu completo desenvolvimento. Visa, assim, a realizar o princípio democrático como garantia geral dos direitos fundamentais da pessoa humana.”31

2.3. Cidadania

A cidadania nunca foi sinônimo absoluto de igualdade, sendo que o seu conceito originário remetia ao de uma pessoa integrante de uma determinada comunidade, o que hoje poderia ser considerado como nacionalidade. Esta participação, por sua vez, era segregada por meio de classes sociais ou econômicas, como ocorre na atualidade, por exemplo, na Índia, onde as pessoas são separadas por um regime de “castas”.

Assim, ao longo dos tempos, a cidadania, considerada como um dos elementos essenciais do Estado, vem aperfeiçoando-se no sentido de proporcionar à

29 FERREIRA FILHO. Manoel Gonçalves, op. cit., p. 40. 30 CARRAZZA. Roque Antonio, op. cit., p. 92.

31 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord), Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade

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todos os cidadãos a oportunidade de participarem de forma efetiva nas melhorias das condições de vida, visando o alcance da dignidade humana e o respeito às garantias individuais, tanto que para José Afonso da Silva, não há mais diferença em cidadania e nacionalidade ao afirmar que “aquela como vínculo ao território estatal por nascimento ou naturalização; esta como um status ligado ao regime político.32

Na atualidade, a cidadania “implica o reconhecimento e exercício de extenso conjunto de direitos e deveres, cuja efetivação só se torna possível no Estado Democrático de Direito, que tem por fundamento o desenvolvimento social econômico igualitário, de modo a promover a dignidade da pessoa humana.”33

3. Os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado.

Antes de iniciarmos o estudo dos princípios constitucionais que orientam o poder punitivo do Estado, mister se faz uma pequena definição sobre o significado dos princípios.

De uma maneira objetiva, “princípios são as proposições que se colocam no início de uma dedução e que não são deduzidas de nenhuma outra dentro do sistema considerado, são, em um sentido figurado, como as vigas mestras e inicia de uma construção e de onde a estrutura será desenvolvida.” (...) Assim, “os princípios de direito penal são os fundamentos lógicos que irão nortear a sua existência e a sua identidade.”34

32 SILVA. José Afonso da, op. cit., p. 345-346.

33 MIRANDA. Jorge; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit., p.233. 34

(24)

3.1. Princípio da legalidade.

O princípio da legalidade ou reserva legal, “presente em todas as Constituições liberal-democráticas dos países de civil law, é uma das mais típicas expressões, juntamente com o princípio da culpabilidade, do superior

Rechtsstaatsprinzip, nos seus três corolários da reserva legal, do princípio da

taxatividade-determinação e da irretroatividade.”35

Característica marcante do Estão Democrático de Direito, “o princípio da legalidade (democrática) ou da constitucionalidade, em sua essência, exige a subordinação dos integrantes do Estado ao regime regulador fundamental, expresso na Constituição, em decorrência da soberania e realização popular, com objetivo de estabelecer o cumprimento dos valores democráticos exigidos para este Estado de Justiça, sem jamais se limitar a um conceito formal e estático de lei, mas, sobretudo, como exercício da função transformadora da sociedade, garantindo uma efetivação dos direitos e garantias estabelecidos, sob a égide de princípios informadores, mas decorrência de um processo legal e regular de criação.”36

Já para Marco Antonio Marques da Silva, “o princípio da legalidade é, no Estado Democrático de Direito, consequência direta do fundamento da dignidade da pessoa humana, pois remonta à ideia de proteção e desenvolvimento da pessoa, que o tem como referencial. A clareza e o limite da formulação normativa dos tipos penais, no âmbito do direito penal, são exigências deste princípio, enquanto, no processo penal, viabilizam as formas de intervenção do Estado na vida do cidadão, requerendo a observância, não só da legalidade desta intervenção, como também de outros princípios informadores do processo penal.”37

E continua o autor, ao afirmar que a “atual concepção do princípio da legalidade, no denominado quadro da função de garantia da lei penal, tem

35 PALAZZO. Francesco C, Valores Constitucionais e Direito Penal, p. 43. 36 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 40.

37

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determinado o seu desdobramento em quatro garantias básicas. Estas garantias seriam: a existência da Lex praveia, que significa proibição de edição de leis retroativas que fundamentem ou agravem a punibilidade; da lex scripta, que determina a proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário; da lex stricta, que é a proibição da fundamentação ou da punibilidade pela analogia (analogia in malam partem), e da lex certa, que a proibição de leis penais indeterminadas.”38

Portanto, diante dos conceitos apresentados, conclui-se que o princípio da legalidade ou reserva legal, visa garantir a segurança dos cidadãos, ao impedir que uma determinada pessoa seja processada ou punida na esfera penal, sem a existência prévia de leis e regras processuais elaboradas com base nos ditames constitucionais, visando acima de tudo, a dignidade da pessoa humana.

3.2. Princípio da igualdade.

O caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 prevê que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

Desta forma, apesar do conceito de igualdade, liberdade, ser variável, em virtude de cada Estado externá-la de uma forma no Brasil, significa dizer que “a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido pelo princípio da isonomia e juridicizado pelos textos constitucionais em geral, ou de todo modo assimilado pelos sistemas normativos vigentes.”39

38 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 8. 39

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No entanto, do ponto de vista jurídico, o princípio da igualdade ou isonomia, segundo Ignácio Burgoa, citado por Rogério Lauria Tucci, “se traduz em varias pessoas indeterminadas, que se encontram numa determinada situação, tendo a possibilidade e a capacidade de serem titulares dos mesmos diretos e das mesmas obrigações emanadas do Estado de Direito. Em outras palavras, a igualdade, do ponto de vista jurídico, manifesta a possibilidade e capacidade de inúmeras pessoas indeterminadas adquirirem os direitos e contraírem as obrigações derivadas de uma certa e determinada situação em que se encontram.”40

Logo, “não há a possibilidade, assim, de existência de leis discriminatórias, embora possam existir as que punam fatos típicos que possam ser praticados por determinadas pessoas, como por exemplo, no caso dos funcionários públicos, ou em decorrência de cargos ou funções que estas pessoas exerçam.”41

Portanto, diante das premissas expostas, conclui-se que, “por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, assegura que os preceitos genéricos, abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos.”42

No processo penal, “em duas direções manifesta-se o princípio da igualdade no direito processual: dirige-se aos que encontram nas mesmas posições no processo – autor, réu, testemunha -, garantindo-lhes idêntico tratamento; dirige-se, também, aos que estejam nas posições contrárias de autor e de réu, assegurando-lhes idênticas oportunidades e impedindo que a uma parte sejam atribuídos maiores direitos, poderes, ou impostos maiores deveres ou ônus do que à outra.”43

40 TUCCI. Rogério Lauria, Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro, p. 125. 41 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 6. 42 MELLO. Celso Antonio Bandeira de, op. cit., p. 18.

43

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3.3 Princípio da ultima ratio.

Trata-se de um princípio corolário da dignidade da pessoa humana, onde a “proteção do Direito Penal deve estar voltada para os bens mais essenciais à vida humana em comunidade que não possam ser tutelados por outros meios menos drásticos, na medida em que o direito penal é o instrumento mais violento de intervenção do Estado na vida das pessoas, em razão da antinomia de proteger os direitos fundamentais, violando outros direitos fundamentais.”44

Para Claudio José Langroiva Pereira, “o princípio da intervenção mínima, reconhecendo um Direito Penal segundo a subsidiariedade, busca a validação dos direitos fundamentais, em especial da liberdade, com a restrição de normas jurídico-penais em uma interpretação de acordo com a Constituição.”45

Assim, percebe-se que o direito penal, no intuito de preservar o máximo de liberdade possível, acaba sendo destinado somente à proteção dos bens jurídicos relativamente preponderantes à sociedade, até em observância à vida e a dignidade humana, pois conforme afirma Cleber Rogério Masson, “o Estado não tem o direito de intervir na esfera de liberdade do cidadão sem justa causa, isto é, na ausência de relevante interesse a legitimar a utilização do aparelhamento estatal.”46

Por fim, conclui-se que ao se limitar o poder punitivo do Estado, surgem “duas conseqüências para a configuração de bens jurídicos supra-individuais, envolvendo a subsidiariedade e a fragmentariedade, quase que como sub-princípios.”47

44 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito. p. 9. 45 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 150.

46 SILVA. Marco Antonio Marques da, (coord.). Processo Penal e Garantias Constitucionais. p. 133. 47

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3.4 Princípio da fragmentariedade.

Ainda em consequência da aplicação do Direito Penal Mínimo, da qual também se aplica o princípio da ultima ratio, surge ainda a questão da fragmentariedade deste seguimento do Direito. “Este princípio decorre do próprio caráter fragmentário do Direito Penal e estabelece que o uso deste instrumento de intervenção somente deve ser aplicado nos casos de ataques intoleráveis que impedem a manutenção da ordem social. Não é através do direito penal que se evita os crimes, mas por meio de uma política social que se destine a remover os fatores que favorecem a delinqüência.”48

Com base no princípio da fragmentariedade do Direito, percebe-se que o Direito Penal deve ser utilizado para soluções de questões importantes para a sociedade, pois “diante da sua relevância dos seus bens jurídicos, não será todo ilícito o seu objeto. Ao contrário, apenas aqueles indispensáveis para o convívio social serão amparados pelas normas penais, já que as ofensas de menor gravidade podem ser sancionadas por outros ramos do Direito, principalmente Civil, Administrativo e Tributário.”49

3.5 Princípio da subsidiariedade.

Conforme estudado no tópico anterior, o direito penal deve ser utilizado somente para questões sociais relevantes, deixando as demais questões sob o crivo de outros ramos do direito, ou seja, funcionaria “como um soldado de reserva, entrando em cena somente se os demais ramos jurídicos não forem suficientes para proteção do bem jurídico tutelado. Caso não seja necessária sua atuação, fica ele de prontidão, aguardando, se necessário, ser chamado pelo operador do Direito para, aí sim, enfrentar uma conduta que coloca em risco a estrutura da sociedade.”50

48 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 9. 49 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal Garantias Constitucionais, p. 134. 50

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Além disso, para Claudio José Langroiva Pereira “a subsidiariedade surge como um princípio orientador das atividades do Estado em uma atuação punitiva, indicando que sua intervenção somente deve ser aceita quando reconhecidos como ineficazes os demais meios de contenção de ilícito, em um critério decisivo para reduzir os tipos de crimes.”51

O referido autor ainda aponta outras maneiras pelas quais o Estado poderia intervir na sociedade, antes de utilizar o direito penal. Dentre estas medidas, “estariam as políticas públicas de prevenção, educação e adequação sociocultural-econômica e os meios sancionatórios.”52

Assim, percebe-se pelo princípio da subsidiariedade, que o direito penal só deve ser usado na hipótese de falência de outros meios utilizados na prevenção e repressão delitos utilizados pelo Estado.

Contudo, na eventualidade de ineficácia do direito penal, “uma corrente mais radical, que constitui pelas teses abolicionistas, com base nestes princípios, tem o delito como um conflito de interesses contrapostos que o direito penal atual não tem condições de evitar, nem mesmo atender as necessidades das vítimas ou do agente do crime. Não supõe abandonar o controle social formalizado, mas transferir para outros subsistemas a resolução dos conflitos.”53

Há ainda, como forma de fundamentar o princípio da intervenção mínima, “uma tendência do direito penal, a garantista. Esta tem três ideias fundamentais para intervenção do Direito Penal: humanização, pois a pena é um mal, devendo ser restabelecida a segurança jurídica com um tratamento adequado ao delinqüente e uma aperfeiçoamento do sistema de penas; ideia de um direito penal mínimo e

51 PEREIRA. Claudio José Langroiva, Proteção Jurídico-Penal e Direitos Universais, p. 152. 52Ibid., p. 152.

53

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desconexão com exigências éticas, devendo seus conteúdos serem os necessários à manutenção da ordem social.”54

Observa-se assim, que todas as teorias apresentadas referentes à subsidiariedade, tendem a justificar a aplicação do direito penal somente em situações excepcionais, utilizando antes disso, medidas alternativas à este instituto.

3.6 Princípio da adequação.

A “tipicidade de um comportamento proibido é enriquecida pelo desvalor da ação e pelo desvalor do resultado lesando efetivamente o bem juridicamente protegido, constituindo o que se chama de tipicidade material.”55

Assim, pelo princípio da adequação, “o direito penal deve estar apto a proteger os bens jurídicos, adotando medidas adequadas aos objetivos visados, no sentido de estabelecer penas que possibilitem a prevenção geral e especial, nas formas estabelecidas pela lei.”56

A verdade é que este princípio ainda não possui uma posição pacificada junto à doutrina nacional e internacional, tendo em vista que o sentimento de reprovação antisocial de uma conduta, que justificaria a sua tipicidade material, é extremamente subjetivas, de modo que sempre haverá divergências que impediriam definir se tal comportamento deve ou não ser tutelado penalmente pelo Estado.

54 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 12. 55 BITENCOURT. Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, p. 50.

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3.7 Princípio da necessidade.

Importante na fundamentação da substituição das penas, o princípio da necessidade prega que “o legislador não deve cominar penas desnecessárias, quer na qualidade, quer na quantidade, para fatos que a política criminal não recomenda o excesso”(...) Além disso, “no âmbito judiciário, este princípio tem, também, sua importância, pois, quando para um determinado fato é prevista pena substitutiva, não se recomenda a privação de liberdade ou pena mais grave, por ser totalmente desnecessária e por violar o referido princípio.”57

3.8 Princípio da proporcionalidade.

Trata-se de um princípio que apresenta uma determinada complexidade em seu estudo. Pode ser pode encontrado tanto no direito penal, no que tange à aplicação das penas, como no processo penal, quando se fala no tratamento dispensado às partes dentro do processo.

No Estado Democrático de Direito, “o princípio da proporcionalidade surge como um instrumento capaz de captar a sensibilidade popular às violações de normas, bem como a valorização social racional do próprio sentido das penas.”58

Para Marco Antonio Marques da Silva, “com este princípio é necessário que se verifique se a intervenção do direito penal é a própria para a defesa do bem jurídico e se compensa a utilização do pode punitivo do Estão para o fato ocorrido.”59

Observa-se pelos conceitos expostos, que o princípio da proporcionalidade, além de se aproximar dos princípios da ultima ratio, fragmentariedade e subsidiariedade, no que se refere à aplicação do direito penal para fatos

57SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 14. 58 PEREIRA. Claudio José Langroiva, op. cit., p. 163.

59

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juridicamente relevantes para a sociedade, também norteia o legislador na resposta penal para ações que causem maior ou menor reprovação social.

Ainda sobre o princípio da proporcionalidade, mas precisamente no processo penal, “a afirmação do princípio foi no sentido de garantir o indivíduo contra os excessos na atuação dos órgãos detentores do poder, buscando encontrar a medida adequada, necessária e justa.(...)Assim, não se cuida de invocar o princípio em favor do acusado ou da acusação, mas de verificar se, no caso concreto, a restrição ao acusado é adequada, necessária e se justifica em face de valor maior a ser protegido.”60

3.9 Princípio da culpabilidade.

O artigo 5º, XLV, da Constituição Federal de 1988 dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

O dispositivo constitucional em questão demonstra o pressuposto da personalidade da pena, ou seja, de que nenhuma sanção aplicada na esfera penal ultrapassará a pessoa do agente. Trata-se de uma “decorrência do princípio da culpabilidade, que é reflexo da dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito.(...)Pelo princípio da culpabilidade, somente podem ser responsabilizados por atos criminosos pessoas que possuem consciência da ilicitude, impedindo-se a punição do menor e do doente mental.”61

Esta premissa, ao adotar que o princípio da culpabilidade age como um limite na intervenção punitiva do Estado ou como limite da pena, assegura que “a sanção encontra sua justificação na finalidade de prevenção do crime, respondendo a

60 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 60. 61

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culpabilidade à exigência de evitar que o Estado, na persecução da finalidade preventiva, abuse de seu poder punitivo, chegando, até, a ‘ferir’ o respeito ao qual não se põe nenhuma exigência de irrogar a pena;”62

3.10 Princípio da individualização da pena.

Previsto no artigo 5º, incisos XLVI e XLVII, da Constituição Federal de 1988,63

o princípio da individualização da pena funciona como um limitador do ius puniendi do Estado.

Este princípio materializa, “em sentido estrito, a regulamentação da adaptação da pena ao condenado, sendo que para tanto são consideradas as características da infração praticada e da sua própria personalidade, e, largamente, da fixação dos lindes de sua imposição.”64

Em suma, o princípio da individualização da pena, juntamente com o princípio da dignidade humana, visa propiciar punição do agente que infringir a norma penal, de maneira proporcional, efetiva e sem violar os direitos e garantias constitucionalmente garantidos.

3.11 Princípio do devido processo legal.

O primeiro documento a fazer menção ao princípio do due process of law foi na Magna Carta, de 1215 outorgada por João Sem-Terra e seus barões na Inglaterra. Esta expressão “importava na época, antes de tudo, na vinculação dos

62 PALAZZO. Francesco C., op. cit., p. 53. 63

“Art. 5º - ...XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos;...XLVII – não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis.”

64

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direitos às regras comuns, aceitas por todos e decorrentes de precedentes fáticos e judiciais.”65

No Brasil, o princípio do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV66, da

Constituição Federal, caracteriza-se pela sua “amplitude, abrange outras garantias, sempre no sentido de proteger o cidadão contra a ação abusiva e arbitrária do Estado,”67 ou seja, este princípio atua como um limitador dos poderes do Estado, no que tange à produção de leis, tanto que o referido princípio, “não se destina tão somente ao intérprete da lei, mas já informa a atuação do legislador, impondo-lhe a correta e regular elaboração da lei processual penal. Em outras palavras, o juiz está submetido e deve submeter as partes à norma processual penal vigente, o que caracteriza a garantia constitucional.”68

Estas garantias constitucionais, por sua vez, também se estendem ao devido processo penal, “que examina as mesmas garantias do devido processo legal em face do processo penal.”69

Segundo Rogério Lauria Tucci, além de garantir que um “membro da coletividade, antes de sofrer a imposição de qualquer sanção penal, tem direito a um processo prévio, em regra antecedido de procedimento investigatório”, possibilitam ainda ao cidadão: “a) o acesso à justiça penal; b) do juiz natural em matéria penal; c) de tratamento paritário dos sujeitos parciais do processo penal; d) da plenitude de defesa do indiciado, acusado, ou condenado, com todos os meios e recursos a ela inerentes; e) da publicidade dos atos processuais penais; f) da motivação dos atos decisórios penais. G) da fixação de prazo razoável de duração do processo penal; e, h) da legalidade da execução penal.”70

65 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 17. 66

“Art. 5º - ...LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

67 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 50. 68 Idem, Acesso à Justiça e o Estado Democrático de Direito, p. 17.

69 FERNANDES. Antonio Fernandes, op. cit., p. 48. 70

(35)

3.12 Princípios do contraditório e da ampla defesa.

Previsto no artigo 5º, inciso LV71, da Constituição Federal de 1988, os

princípios do contraditório e da ampla defesa são decorrentes do princípio devido processo legal, e visam, dentro do processo penal, garantir a aplicação de um julgamento justo, com a observância dos direitos e garantias individuais.

Para Marco Antonio Marques da Silva, “o contraditório e ampla defesa formam um binômio inarredável e uma conseqüência lógica do devido processo legal em um Estado Democrático de Direito.(...) Afirma ainda, que “o princípio do contraditório é absoluto, ou seja, qualquer violação leva a existência de nulidade processual.(...)É do contraditório, manifestado num primeiro momento no direito à informação que nasce a possibilidade do exercício da ampla de defesa.(...)Já o direito à informação é indispensável para que se dote o processo do conteúdo dialético característico do princípio do contraditório.”72

Antonio Scarance Fernandes aduz que “no processo penal é necessário que a informação e a possibilidade de reação permitam um contraditório pleno e efetivo. Pleno porque se exige a observância do contraditório durante todo o desenrolar da causa, até o seu encerramento. Efetivo porque não é suficiente dar à parte a possibilidade formal de se pronunciar sobre os atos da parte contrária, sendo imprescindível proporcionar-lhe os meios para que tenha condições reais de contrariá-los.”73

Este direito à informação citado pelos doutrinadores, nada mais é, que o direito do acusado de ter acesso integral e irrestrito à acusação que lhe é feita pelo Estado, para que possa realizar a sua defesa de forma plena. Assim, ferem o

71 “Art. 5º - ...LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são

assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

72 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 18. 73

(36)

princípio em comento, atos que visam impedir, por exemplo, acesso aos autos, seja de um inquérito policial ou de uma ação penal, pelo advogado constituído do réu.

Ada Pellegrini Grinover acentua que “a garantia do contraditório não tem apenas como objetivo a defesa entendida em seu sentido negativo – como oposição ou resistência -, mas sim principalmente a defesa vista em sua dimensão positiva, como influência, ou seja, como direito de incidir ativamente sobre o desenvolvimento e o resultado do processo. É essa visão que coloca ação, defesa e contraditório como direitos a que sejam desenvolvidas todas as atividades necessárias à tutela dos próprios interesses ao logo de todo o processo, manifestando-se em uma série de posições de vantagem que se titularizam quer no autor, quer no réu.”74

Ainda no sentido do contraditório como influenciador do desfecho processual, Vicente Greco Filho, ao discorrer do tema no âmbito do processo civil, afirma que “a sentença do juiz deve resultar de um processo que se desenvolveu com igualdade de oportunidades para as partes se manifestarem, produzirem suas provas, etc. É evidente que as posições das partes (como autor ou como réu) impõem uma diferente atividade, mas, na essência, as oportunidades devem ser iguais.”75

Esta igualdade de oportunidades no processo entre acusação e defesa, também é defendida por Marco Antonio Marques da Silva como garantia constitucional, ao afirmar que “a ampla defesa é um corolário do processo como modo de garantia individual.

A defesa, tal como a ação, é também um direito constitucional e processualmente garantido. Desse modo, como no processo a acusação é exercida por um órgão que possui conhecimentos técnicos-jurídicos, também ao acusado deve ser proporcionada idêntica oportunidade de se ver representado em juízo por

74 GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, As

Nulidades no Processo Penal, p. 145.

75

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quem tenha igual formação a do órgão de acusação, sob pena de violar-se o tratamento paritário que é uma imposição do princípio do devido processo legal.”76

Ainda no sentido da abrangência da ampla defesa, Antonio Scaranse Fernandes afirma que “a defesa técnica, para ser ampla como exige o texto constitucional, apresenta-se no processo como defesa necessária, indeclinável, plena e efetiva. Por outro lado, além de ser garantia, a defesa técnica é também um direito e, assim, pode o acusado escolher defensor de sua confiança.”77

3.13 Princípio do acusatório e juiz natural.

Dentre os princípios corolários do devido processo legal, encontra-se o princípio do juiz natural, nos incisos XXVII e LIIII, ambos do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.78

Trata-se de um princípio que “remonta à Carta Magna de 1215, onde aparece (art. 20) como garantia de julgamento por órgãos e pessoas do local em que delito foi cometido (competência territorial),”79 O princípio do juiz natural esteve presente ainda nas Constituições francesa de 1814, holandesa de 1830 e italiana de 1967. Nos direitos alemão, espanhol e brasileiro é chamado de princípio do juiz legal ou operante.”80

Com base no princípio do juiz natural, estão proibidos os tribunais de exceção, criados para “julgar, de maneira excepcional, determinadas pessoas ou matérias.”81

Além disso, ele garante ao “indivíduo envolvido numa persecutio criminis só poder

76 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 20. 77 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 295.

78

“Art. 5º -... XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;”

“Art. 5º -... LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”

79 FERNANDES. Antonio Scarance, op. cit., p. 133.

80 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 21. 81

(38)

ser validamente processado e julgado por agente do Poder Judiciário – juiz ou tribunal – dito ‘autêntico’”.82

Além disso, “sem ele, a própria relação processual não pode nascer, é aparente, é um não-processo. Estamos aqui, inquestionavelmente, perante um verdadeiro pressuposto de existência do processo, em cuja ausência não se pode falar em mera nulidade da relação processual.”83

3.14 Princípio da presunção de inocência.

Previsto implicitamente na Constituição Federal de 198884, a expressão presunção de inocência é um dos princípios basilares do processo penal pátrio.

Contudo, antes de adentrarmos no conceito deste princípio, é necessária uma pequena exposição sobre o seu conteúdo histórico.

O princípio da presunção de inocência tem como marco fundamental do movimento de reforma da legislação penal no século XVIII, o livro Dei delitti e delle

pene, de Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria. Nesta obra todo o sistema

punitivo da época é questionado, sendo também questionado o modo como o imputado, dentro de um processo penal inquisitivo, é tratado como culpado, cabendo a ele o ônus de demonstrar a inocência.”85

Esta obra repercutiu em toda a Europa, em especial na França, que detinha um sistema criminal extremamente rígido para o imputado durante o processo

82 TUCCI. Rogério Lauria, op. cit., p. 101. 83

GRINOVER. Ada Pellegrini; FERNANDES. Antonio Scarance; GOMES FILHO. Antonio Magalhães, op. cit., p. 50.

84 “Art. 5º...LVIII – Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal

condenatória.”

85

(39)

inquisitivo. Era um procedimento pautado na tortura e na prisão provisória, e que tratava o individuo, durante o processo, como se já tivesse sido declarado culpado.

Contudo, após a obra do Marquês de Beccaria, a monarquia francesa cedeu às pressões reformistas, e em 1780, Luis XVI, em uma declaração suprimiu o emprego da tortura como meio hábil para se obter a confissão. Posteriormente, por meio de um Edito do rei de 1788, foi abordada a necessidade de reforma do Ordenamento Criminal e do Código Penal.

Essa Revolução Liberal dos séculos XVIII e XIX – “processo reformador”, em reação ao sistema inquisitório – adquire relevo, mas somente a partir do século XIX, por influência da Escola Clássica, é que a presunção de inocência passou a dogma fundamental do direito repressivo.86

Assim, após todo este movimento iniciado por Beccaria, em 1789, surge com a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, onde em seu artigo IX87 há a expressa menção ao princípio da presunção de inocência.

O referido artigo prevê que todo acusado será considerado inocente até a decisão final de um processo. Além disso, há ainda a menção expressa sobre as consequências dos abusos cometidos em caso de necessidade de prisão cautelar.

Sobre este dispositivo, Marco Antonio Marques da Silva afirma que “a presunção de inocência pode, ainda, ser um postulado dirigido diretamente ao tratamento do imputado no decorrer do processo penal, ou seja, que se deve partir da ideia de que ele é inocente e, como via de conseqüência, reduzir ao mínimo possível as chamadas medidas restritivas de direitos a ele aplicadas, durante o

86 BENTO. Patricia Stucchi, Pronúncia. Enfoque Constitucional, p. 86.

87 “Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo,

(40)

processo. É esse o significado que tem a presunção de inocência no artigo IX da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.”88

Posteriormente à Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, a presunção de inocência também surgiu na Declaração Universal de Direitos do Homem, de 1948; no Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos, de 1966 e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica.

3.15 Princípio do in dubio pro reo.

Derivado da presunção de inocência, o princípio do In Dúbio Pro Reo “foi desenvolvido para os casos em que a prova produzida não era segura, para a pena em virtude de suspeita e para o absolutio ab instantia.”(...)Assim, “a incerteza da prova e motivação inadequada das sentenças criminais devem determinar a absolvição pura e simples do acusado, uma vez que não há certeza da culpa.”89

Para Patrícia Stucchi Bento, “o in dúbio pro reo e a presunção de inocência se relacionam de forma direta, pois este é uma garantia constitucional e aquele uma regra processual, tendo ambos a função de preservar status libertatis e a dignidade da pessoa humana em sede de persecução penal.90

Contudo, Cesare Bonesana, afirma que “as provas de um delito podem distinguir-se em provas perfeitas e provas imperfeitas. As provas perfeitas são aquelas que demonstram positivamente que é impossível ser o acusado inocente. As provas são imperfeitas quando a possibilidade de inocência do acusado não é excluída.

88 SILVA. Marco Antonio Marques da, Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 31. 89Ibid., p. 33.

90

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Além disso, o autor afirma ainda que “basta uma prova perfeita para autorizar a condenação; se desejar, contudo, condenar baseado em provas imperfeitas, visto que cada prova dessas não estabelece a impossibilidade da inocência do réu, é necessário que se apresentem em número muito grande para valerem como uma prova perfeita, isto é, para provarem, todas juntas, que é impossível não ser o acusado culpado.”91

Este pensamento de Beccaria na referida obra, é reconhecido por Marco Antonio Marques da Silva, ao afirmar que o mesmo “se insurgiu energicamente contra a quase prova ou semi prova, afirmando que não havia perigo maior do que condenar um inocente quando a probabilidade da inocência superasse a do delito.”92

Portanto, observa-se que a prova, para ensejar a condenação no processo penal, deve ser certa, robusta e incontroversa, pois caso contrário, ou seja, a se mesma produzir qualquer dúvida sobre a culpabilidade do acusado, deve o magistrado, com base no princípio do in dubio pro reo e afim de se evitar injustiças, absolvê-lo.

3.16 Princípio da verdade no processo penal.

Dentro do processo penal, após o oferecimento da denúncia, que delimita a acusação, tanto o órgão acusador, como a defesa, realizam uma busca incessante pelas provas que, consequentemente terão o condão de corroborar as suas respectivas teses.

Para alguns doutrinadores, “no processo penal brasileiro, vigora o Princípio da Verdade Real, com referência à produção de provas. Isto quer dizer que o

91 BONESANA. Cesare, Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarãe, p. 28. 92

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