• Nenhum resultado encontrado

Princípio da verdade no processo penal.

3. Os princípios constitucionais orientadores do poder punitivo do Estado.

3.16 Princípio da verdade no processo penal.

Dentro do processo penal, após o oferecimento da denúncia, que delimita a acusação, tanto o órgão acusador, como a defesa, realizam uma busca incessante pelas provas que, consequentemente terão o condão de corroborar as suas respectivas teses.

Para alguns doutrinadores, “no processo penal brasileiro, vigora o Princípio da Verdade Real, com referência à produção de provas. Isto quer dizer que o

91 BONESANA. Cesare, Dos Delitos e das Penas. Tradução: Torrieri Guimarãe, p. 28. 92

Magistrado não fica adstrito a critérios valorativos da prova, mas é livre, na sua escolha e aceitação, atribuindo-lhe o valor que merecer.”93

Um exemplo desta teoria encontra-se no artigo 209 do Código de Processo Penal.94

Por outro lado, esta posição é vista com reservas, na medida em que esta busca pela verdade real pode acarretar em violações às regras processuais, o que não coaduna com o processo penal acusatório vigente atualmente no Brasil, onde vigora, conforme denomina Antonio Magalhães Gomes Filho, “a verdade processual, que não é extorquida inquisitoriamente, mas uma verdade obtida através de provas e desmentidos.”95

Assim, é importante que “a busca da verdade no processo penal deva ser feita com cautela, pois não se admite qualquer meio de prova, mas somente aqueles processualmente admitidos, ainda que desta limitação resulte um sacrifício à verdade material.”96

93 INELLAS. Gabriel Cesar Zaccaria de, Da Prova em Matéria Criminal, p. 39.

94 “Art. 209. O juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes.” 95 GOMES FILHO. Antonio Magalhães, Direito à Prova no Processo Penal, p. 55.

96

CAPÍTULO II – DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL E CRIMINALIDADE ECONÔMICA GLOBALIZADA.

1. A Criminalidade Econômica, a Globalização e seus reflexos na ordem jurídica.

Existe atualmente uma dificuldade muito grande entre os doutrinadores em interpretar e conceituar a criminalidade global ou moderna, bem como os seus efeitos. José de Faria Costa, ao discorrer sobre o tema, questiona se “há um alfabeto, uma semântica, uma gramática que nos ajude a interpretar a criminalidade em um mundo globalizado.” 97

Uma das possíveis respostas para esta indagação seria primeiramente tentar entender uma das origens desta criminalidade, que coincide com a globalização, que por sua vez, “não é um processo simples, é uma rede complexa de processos. E estes operam de forma contraditória ou em oposição aberta.98

A globalização seria ainda uma evolução mundial, onde todos os seus seguimentos, dentre elas as ramificações sociais, econômicas e tecnológicas, são renovadas com extrema velocidade, levando o mundo a uma evolução sem precedentes “Tais fatores contribuíram para facilitar ações criminosas e subversivas transnacionais, sem que houvesse uma reação interna e externa efetiva e orquestrada por parte dos Estados Modernos.”99

Logo, como uma decorrência lógica da globalização, a criminalidade hoje está mais voltada a “uma criminalidade moderna e especializada, a qual atua em diversos países, praticando ilícitos graves e em áreas diversas como, por exemplo, o tráfico ilícito de entorpecentes, as fraudes bancárias e o terrorismo aproveitando-se da falta

97 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 89.

98 Ibid., p. 277. 99

de cooperação.”100 Assim, “todas as justificativas para os problemas da atual

sociedade, com suas complexidades, são atribuídos ao fenômeno da globalização.”101

“No tempo do Direito penal tradicional falava-se em ofensa aos direitos subjetivos do indivíduo: evoluiu-se depois para a admissibilidade também dos direitos coletivos e dos bens supraindividuais. Agora já se propugna pelo reconhecimento de bens jurídicos universais ou planetários.”102

Hoje os delitos contra a ordem econômica, os praticados por meio da internet, fraudes bancárias, terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes, constituem uma criminalidade que dispensa uma atenção especial do legislador penal. “Essa criminalidade de última geração, se pode dizer assim, caracteriza-se pelo poderio, pela organizacionalidade e transnacionalidade. Tem força bastante para produzir resultados profundamente lesivos à comunidade internacional, nas suas várias faces: política, economia e social.” 103

Desta forma, criminalidade decorrente da globalização, extremamente nociva e avassaladora, “exige que os países passem a se concentrar em atitudes mais práticas, a fim de que suas abordagens sejam mais sejam mais eficazes no combate à criminalidade.”104

Nesse contexto, até como uma forma de resposta rápida e efetiva por parte da sociedade e também visando conter uma eventual crise da justiça penal, é que muitos passaram a clamar, até como uma única solução, pela presença de um Estado mais punitivo, pois a ideia de Estado opressor traz ao indivíduo uma

100 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 38 101

Ibid.,p. 39.

102 GOMES. Luiz Flávio; BIANCHINI. Alice, O Direito Penal na Era da Globalização, Série Ciências Criminais no Século XXI, p. 23.

103 SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Processo Penal e Garantias Constitucionais, p. 42. 104

sensação, ou pseudo-sensação, de que o mesmo está repelindo de forma eficaz a criminalidade.

No entanto, este Estado punitivo, tão almejado pela sociedade, pode causar um efeito inverso, já que “a história tem mostrado que todos os autoritarismos começam com este canto de sereia.” 105 Assim, sem que percebam, a sociedade, ao

clamar por um Estado sancionador, como única forma de combater a criminalidade moderna, pode abrir o caminho para a violação da liberdade e das garantias individuais.

José de Faria Costa, elenca alguma das conseqüências de um Estado punitivo nas garantias individuais . Seriam elas:

“a) Adopção de uma cultura de controlo; b) Proliferação de leis de emergência;

c) Aumento de leis de tonalidade securitária;

d) Assunção aberta e clara de estratégias globais diferenciadas, tendencialmente incompatíveis, para diferentes patamares da vida colectiva;

e) Exaltação do oxímero “tolerância zero”, enquanto forma ideológica para satisfação e tutela de medos primários e injustificados;

f) Diminuição das garantias processuais;

g) Tentativa de neutralização axiológica perante o fantástico aumento de carcerização;

h) Defesa doutrinal de um ilegítimo, mas já difuso entre vozes autorizadíssimas, “direito penal do inimigo”;

i) Afirmação de soberba ética;

j) Contração insustentável de espaços livres de direito”;106 (grifo nosso)

105 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 91

106

Diante deste rol apresentado, bem como o objeto do estudo ora realizado, percebe-se que um dos efeitos, senão o principal, da criminalidade moderna decorrente da globalização na ordem jurídica, é a diminuição das garantias individuais, que “é um dos aspectos que mais rapidamente se manifestam enquanto característica do Estado Punitivo. Não por acaso é o direito processual penal visto como mais sensível das sensitivas às variações mínimas das estruturas do poder.”107

Nunca é demais lembrar que as garantias individuais, dentro do Estado Democrático de Direito, nada mais são, que “o conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.”108

2. A Sociedade Globalizada e o Direito Penal.

Após o término do mundo bipolarizado, composto pelos blocos capitalista e socialista, a sociedade passou a conviver em todos os seus sentidos com um fenômeno denominado globalização. Este, consequentemente, por estar presente em diversos seguimentos sociais, dentre eles a economia, gerou uma modernização da criminalidade, o que levou a transformações no direito penal.

Conforme já mencionado no corpo deste trabalho, assim como a sociedade, a criminalidade também evoluiu, passando a abranger delitos decorrentes de um mundo globalizado, mas precisamente voltada para o âmbito econômico.

Esta criminalidade é decorrente de uma “causalidade que independe da vontade humana, mas vem aliada ao avanço tecnológico, de consequências

107 COSTA. José de Faria, Direito Penal e Globalização, p. 62. 108

desconhecidas.”109 “É uma criminalidade organizada, ou seja, nela intervém

estruturas coletivas de pessoas que, a semelhança das organizações empresariais, tem uma estrutura hierárquica.”110

Assim, “no âmbito do direito penal o problema da dogmática está em encontrar uma fórmula adequada para administrar os riscos decorrentes desta globalização, não vislumbrando um instrumento eficaz para, pelo menos, prevenir-se os efeitos danosos do desenvolvimento tecnológico, científico e dos demais meios de comunicação, nestes se incluindo os negócios econômicos.”111

Além disso, para alguns doutrinadores, esta criminalidade decorrente da globalização, moderna, organizada institucionalmente e que atinge a economia de países, criou a necessidade um Direito Penal que “seja eficiente e alcance seus resultados programados, mesmo que com alto custo em termos de corte de direitos e garantias fundamentais.“112

Marco Antonio Marques da Silva preconiza que “partindo-se da anterior constatação de que o paradigma do direito penal globalizado é o delito econômico organizado, em um sentido de política criminal, a tendência será acenar aos imputados com menos garantias pelo enorme potencial perigoso que contém.”113

Portanto, percebe-se que pensamento doutrinário acerca da solução para a criminalidade moderna, que tem como foco principal o Direito Penal Econômico, está na aplicação de um direito penal com o cerceamento dos direitos e garantias individuais.

109 COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.), op. cit.,, p. 403. 110

SILVA. Marco Antonio Marques da,Acesso à Justiça Penal e Estado Democrático de Direito, p. 137. 111COSTA. José de Faria; SILVA. Marco Antonio Marques da (coord.),Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, p. 402.

112 Ibid.,p. 56. 113

3. O Direito Penal Econômico.