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A suspensão da pretensão punitiva em face do parcelamento do débito tributário.

CAPÍTULO IV O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO 1 Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade.

1.7 A suspensão da pretensão punitiva em face do parcelamento do débito tributário.

Conforme demonstrado no item anterior, o tema da extinção da punibilidade, bem como da suspensão da pretensão punitiva nos crimes contra a ordem tributária, diante da instabilidade legislativa, sempre causou inúmeras controversas.

Esta instabilidade, segundo Hugo de Brito Machado, “explica-se pela disputa entre duas correntes de pensamento jurídico penal em nosso País. Uma, a sustentar que a pena há de ter sempre um fundamento ético, e que admitir a extinção da punibilidade pelo pagamento dos tributos devidos seria criar um inadmissível privilégio em favor dos abastados, os quais poderiam sempre escapar da punição e diante dessa possibilidade apostariam na hipótese de não serem apanhados. A outra, a sua sustentar o caráter utilitarista da pena, que teria por finalidade coagir o contribuinte ao pagamento.”249

Assim, ressalvado este entendimento, a suspensão da pretensão punitiva, com a edição da Lei nº 9.964/2000, que instituiu o chamado “REFIS I”, surgiu pela primeira vez esta possibilidade, o que até então não era possível, tendo em vista que a legislação pátria previa apenas, nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.245/90, a extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo.

No entanto, este parcelamento, que deveria ocorrer antes do recebimento da denúncia, causou a primeira divergência jurisprudencial acerca do tema, pois a jurisprudência inclinou-se pela ausência de justa causa para a ação penal em casos de deferimento do pagamento parcelado, conforme acórdãos a seguir citados:

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL – REJEIÇÃO DA DENÚNCIA – OPÇÃO AO REFIS – ART. 15 DA LEI Nº 9.964/2000 – SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO – ART. 34 DA LEI Nº 9.249/95.

I – A suspensão da pretensão punitiva do Estado, instituto previsto no art. 15 da Lei nº 9.964/2000, impede a instauração da ação penal, desde que o devedor de contribuições previdenciárias adira ao REFIS antes do recebimento da denúncia; II – O pagamento da dívida previdenciária, nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95, implica a extinção da punibilidade, efeito distinto do que ocorre com a mera opção ao REFIS (art. 15 da Lei nº 9.964/2000) que suspende a ação penal, caso o devedor saia do Programa de Recuperação Fiscal, em razão da inadimplência, III – Recurso desprovido.250

O segundo ponto polêmico sobre a suspensão da pretensão punitiva dos crimes contra a ordem tributária foi acerca da possibilidade do parcelamento do débito tributário realizado antes do recebimento da denúncia, extinguir a punibilidade destes delitos.

A questão dividiu a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, tribunal competente pela uniformização da legislação infraconstitucional, onde uma corrente, manifestada expressamente no voto proferido pelo Ministro Vicente Cernichiaro no RHC nº 3.973/RS,251 entendia que o parcelamento do débito tributário não seria meio

apto para extingui-lo na medida em que a relação jurídica entre o Estado e o contribuinte foi mantida, com alteração apenas das condições de pagamento.

Logo, diante da impossibilidade de extinção do crédito tributário, não haveria, consequentemente, que se falar em extinção da punibilidade do agente.

250 TRF 2ª Região – RCCR 1112 – 4ª Turma – Rel. Valmir Peçanha. 251

Neste sentido, destacam-se os seguintes julgados:

PROCESSUAL PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO DA DÍVIDA – EXTNÇÃO DA PUNIBILIDADE – LEI Nº 8.137, DE 27/12/90. LEI Nº 8.383, DE 30/12/91 – EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (CTN, ART. 156) – A INFRAÇÃO PENAL, COMO CAUSA, GERA RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE O ESTADO (SUJEITO ATIVVO) E AGENTE ( SUJEITO PASSIVO). No crime tributário a sonegação fiscal atua como causa. O parcelamento do débito, quando permitido, repercute na relação jurídica, especificamente, no conteúdo, dado modificar o direito de recebimento do credor. Em havendo parcelamento (acordo de vontades), enquanto não vencido, pelo menos em parte, torna-se vincendo. O parcelamento não se confunde com a novação (esta implica substituição da relação jurídica, com mudança do devedor, do credor, ou do objeto da prestação). O parcelamento, ao contrário, mantém a relação jurídica e repercute apenas nas condições de pagamento. O parcelamento não está arrolado entre as causas de extinção do crédito tributário (CTN, art, 156). Impõe-se também aqui, interpretação lógico- sistemática; invoquem-se, ademais, os princípios gerais das obrigações. O parcelamento não é causa extintiva da obrigação tributária. Todavia, em sendo honrado, implica pagamento. Assim, obtido o parcelamento, na vigência e condições da Lei nº 8.137/90, mantém-se a relação jurídica constituída. Não é afetada (decorrência do direito adquirido) pela Lei nº 8.383/91.252

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SONEGAÇÃO FISCAL. PARCELAMENTO SERÔDIO.

O parcelamento do débito tributário e dos acessórios ocorridos após o oferecimento da denúncia não enseja a pretendida extinção da punibilidade e nem evidencia por si, a inexistência de dolo. Writ denegado.253

252 HC nº 7231/DF, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 17/02/99, pág. 00166. 253

Já a segunda corrente entendia que o acordo celebrado entre o fisco e o contribuinte, formalizado por meio do parcelamento antes do recebimento da denúncia, teria o condão de extinguir a punibilidade nos termos do artigo 34, da Lei nº 9.249/95, tendo em vista que a expressão “promover o pagamento”, contida no caput deste artigo, devia ser interpretada como todo ato concreto dirigido ao pagamento do tributo.

PENAL. DÉBITO TRIBUTÁRIO. PARECLAMENTO ANTERIOR AO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

1. O acordo de parcelamento do débito tributário, efetivado antes do recebimento da denúncia, enseja a extinção da punibilidade prevista na Lei nº 9.249/95, art. 34, porquanto a expressão “promover o pagamento” deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo devido.

2. “Habeas Corpus” conhecido: pedido deferido.”254

PROCESSUAL PENAL. ‘HABEAS CORPUS’, CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. REPRESENTAÇÃO FISCAL (LEI Nº 9.430/96, ART. 83). IRRELEVÂNCIA PARA AÇÃO PENAL.

- A jurisprudência uniforme deste tribunal tem proclamado o entendimento de que a concessão de pagamento parcelado de débito fiscal, deferido ante do oferecimento a denúncia, enseja extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/95;

- Em sede de crimes contra a ordem tributária, a representação fiscal a que se refere o art. 83 da Lei nº 9.430/96 não é condição de procedibilidade para a promoção da ação penal, podendo o Ministério Público, no exercício de sua competência legal, valer-se de quaisquer outros elementos informativos da ocorrência do delito para oferecer a denúncia.

- “Habeas Corpus” parcialmente concedido.255

254

Ainda dentro da segunda corrente, afirmava-se que a simples concessão do parcelamento do débito tributário, ocorrida antes do recebimento da denúncia, ensejaria a extinção da punibilidade do agente. Este entendimento baseava-se no fato de que, no momento em que o Fisco formalizava um parcelamento com o contribuinte, ocorria uma da novação da dívida, extinguindo-se a primeira obrigação e fazendo surgir outra em seu lugar, sendo tal operação teria o efeito análogo ao do pagamento.

Além disso, com base neste entendimento, seria irrelevante, para efeitos penais, a adimplência ou não do aludido parcelamento. Logo, “em razão desse fato, foi grande a inadimplência por parte dos agentes que tiveram sua punibilidade extinta como decorrência da simples adesão ao parcelamento, já que na esfera penal nada mais poderia ser feito contra eles.”256

Essa discussão sobre os efeitos do parcelamento do débito tributário perdurou até a entrada em vigor da Lei nº 10.684/2008, que reiterou o disposto na Lei nº 9.964/00 acerca do fato do referido parcelamento suspender a pretensão punitiva do Estado, conforme o julgado abaixo transcrito:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PARCELAMENTO DE DÉBITO. SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE. ART. 9º DA LEI 10.684/03. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO PUNITIVA.

I – O simples parcelamento de débito tributário não é procedimento apto a extinguir a punibilidade por crimes decorrentes de ofensa à Lei nº 8.137/90. II – Necessidade de quitação integral perante as autoridades fazendárias. III – Ordem concedida de ofício para suspender a punibilidade do agente, bem como da prescrição punitiva.257

255 HC nº 6409/MA, STJ, 6ª Turma, Rel. Min. Vicente Leal, DJ de 09/11/98, pág. 00171. 256 PRADO. Luiz Regis, Direito Penal Econômico, p. 284

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Outro aspecto referente à Lei nº 10.684/2003 foi a ausência do marco temporal limite para a formalização do parcelamento. Assim, os nossos tribunais passaram a entender que o acordo entre o Estado e o contribuinte, visando à suspensão da pretensão punitiva, poderia ocorrer a qualquer e momento, desde que não houvesse o trânsito em julgado da ação penal.

Neste sentido:

AÇÃO PENAL. CRIME TRIBUTÁRIO. NÃO RECOLHIMENTO DE

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DESCONTADAS AOS

EMPREGADOS. CONDENAÇÃO POR INFRAÇÃO AO ART. 168-a, C.C. ART. 71, DO CP. DÉBITO INCLUÍDO NO PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL – REFIS. PARCELAMENTO DEFERIDO, NA ESFERA ADMINISTRATIVA PELA AUTORIDADE COMPETENTE. FATO INCONTRATÁVEL NO JUÍZO CRIMINAL. ADESÃO AO PROGRAMA APÓS O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. TRÂNSITO EM JULGADO ULTERIOR DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 9º DA LEI Nº 10.684/03. NORMA GERAL E MAIS BENÉFICA AO RÉU. APLICAÇÃO DO ART. 2º, § ÚNICO, DO CP, E ART. 5º, XL, DA CF. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E DA PRESCRIÇÃO. HC DEFERIDO PARA ESSE FIM. PRECEDENTES.

No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.258

Por fim, o instituto a suspensão da pretensão punitiva do Estado nos termos acima expostos, o foi mantido na vigência da Lei nº 11.941/2009.

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