• Nenhum resultado encontrado

O término do processo administrativo como condição para o oferecimento da denúncia criminal.

CAPÍTULO IV O PROCESSO PENAL TRIBUTÁRIO 1 Procedibilidade e condição objetiva de punibilidade.

1.1. O término do processo administrativo como condição para o oferecimento da denúncia criminal.

A atual legislação brasileira que trata dos crimes tributários, qual seja, a Lei nº 8.137/90, é omissa quanto ao fato do término do processo administrativo ser uma condição de procedibilidade ou objetiva de punibilidade para o oferecimento da denúncia criminal.

Assim, tendo em vista que estes institutos não se presumem, pois eles reclamam expressa determinação legal, o presente tema gerou, e ainda gera divergências no campo doutrinário e jurisprudencial.

Primeiramente, a questão do término do processo administrativo esteve ligada a questão da procedibilidade, quando se debateu a necessidade do Ministério Público aguardar o término do processo administrativo tendente a apurar a existência do tributo, para oferecer a denúncia criminal em face dos agentes acusados pela prática de sonegação fiscal.

Para tanto, utilizava-se o artigo 83 da Lei nº 9.430/96237, cuja redação original

determinava que a representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária somente seria encaminhada ao parquet após o término do processo administrativo instaurado para a discussão da exigibilidade do tributo.

No âmbito do Estado de São Paulo foi promulgada a Lei Complementar nº 970/05, que deu nova redação aos dispositivos da Lei Complementar nº 939/2003 (Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte do Estado de São Paulo), ao determinar que:

Art. 5º - São garantias do contribuinte: ....

IX – o não encaminhamento ao Ministério Público, por parte da administração tributária, de representação para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária enquanto não proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência do crédito tributário correspondente.

Logo, a ausência de julgamento definitivo na esfera administrativa tributária, conforme já estudado anteriormente, seria uma condição de procedibilidade, ou seja, um fator externo que impediria a propositura, bem como o recebimento da ação penal.

No entanto, na contramão deste entendimento defendia-se, além da independência entre as esferas administrativa e judicial, que a legislação acerca do tema “nada mais era que uma norma de cunho administrativo, não estabelecendo ela nenhuma condição de procedibilidade, sendo que a pretensão de condicioná-la ao esgotamento da esfera administrativa significaria uma ofensa ao Judiciário como se ele tivesse de acatar a decisão administrativa.”238

237 “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

238

Neste sentido, posicionava-se o STJ (REsp. nº 45861/SP – Rel. Ministro Gilson Dipp – DJU 22/09/2003 – p. 353) (RHC nº 11735/MG – Rel. Ministro Fernandes Gonçalves – DJU 17/03/2003 – p. 287).

Ainda em termos de legislação, o § 1º do artigo 34 da Lei nº 9.249/95, previa que:

Art. 34...

§ 1º - Caberá a representação penal após julgamento do processo administrativo fiscal, quando neste forem apurados elementos caracterizadores do cometimento de crime em tese.

Contudo, este dispositivo foi objeto de veto do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos para o veto foram:

Esse dispositivo é contrário ao interesse público por impedir atuação rápida do Ministério Público visando à instauração do processo penal, pois prevê que os órgãos fazendários só podem comunicar-lhe ocorrência de crime fiscal após o término do correspondente processo administrativo, o que, pelo espaço de tempo demandado em sua tramitação, terminaria por constituir elemento altamente estimulador do inadimplemento de obrigações tributárias e da prática de delitos da espécie.

Além disso, alegava-se que a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 129, I, conferiu ao Ministério Público o direito de intentar, em nome do Estado, a ação penal pública, sendo conferido ao mesmo “o juízo sobre a existência ou não do crime, em tese a legitimar o oferecimento da denúncia.”239

239 SOARES. Antonio Carlos Martins, A Extinção da Punibilidade nos Crimes Contra a Ordem Tributária, p. 117.

Desta forma, somente o Poder Judiciário poderia determinar a existência ou não do elemento caracterizador dos crimes contra a ordem tributária, qual seja, a fraude, sendo que a atuação do órgão acusador, protegido constitucionalmente, não poderia sofrer qualquer restrição de pessoas ou órgãos públicos.

Logo, sendo os crimes contra a ordem tributária processados mediante ação publica incondicionada, nos termos da Súmula 609 do STF240, a atuação da

acusação não estaria subordinada ao artigo 83 da Lei nº 9.430/96.

Além disso, seguindo este entendimento, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ação direta de inconstitucionalidade nº 1.571 (DF), de autoria do Procurador- Geral da República, em sede de liminar, declarou que o artigo 83 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, não atingia e nem se aplicava ao exercício da função

institucional do Ministério Público para promover a ação penal pública pela prática de crimes contra a ordem tributária.

Ainda sobre esta ADIN, é oportuno frisar que no julgamento do seu mérito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou constitucional o artigo 83 da Lei nº 9.430 de 1996, para declarar a norma em questão tem como destinatários os agentes fiscais, não afetando assim a atuação do Ministério Público, na medida em que este órgão, após o término do processo administrativo tributário, poderia independentemente da representação fiscal, oferecer denúncia, se obtivesse por outros meios, notícia do lançamento definitivo do débito tributário.

Desta forma, pacificado o entendimento de que o Ministério Público não estava atrelado ao envio de representação fiscal para finais pela autoridade fiscal para oferecer denúncia pela prática de crime contra a ordem tributária, o Supremo Tribunal Federal, em momento posterior, passou a entender que a existência de um

240

processo administrativo tributário, ao invés de uma condição de procedibilidade, seria, na verdade, uma condição objetiva de punibilidade.

Esta posição foi consolidada no STF com o julgamento HC n° 81.611-8241,

onde se passou a entender que a acusação somente poderia oferecer denúncia referente aos crimes tributários, após a decisão final do processo administrativo em que se discutia a exigibilidade do tributo.

Conforme já mencionado neste trabalho, as figuras típicas previstas no artigo 1º da Lei nº 8.137/90, são crimes materiais, sendo que para que ocorra sua consumação é necessária a ocorrência da efetiva supressão ou redução do tributo.

Todavia, a existência do tributo, somente pode ser confirmada com a constituição definitiva do crédito tributário realizada, pela autoridade fiscal mediante o lançamento, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional. É neste ato, que ocorre após a tramitação do processo administrativo, queserão definidos, dentre outras coisas, a ocorrência do fato gerador, o montante do tributo devido e o sujeito passivo da obrigação tributária.

Assim, se a existência do tributo é essencial para a configuração dos crimes contra a ordem tributária, e se este surge apenas após o término do processo administrativo fiscal, no julgamento ora citado, concluiu-se que antes deste ato não haveria que se falar na sua redução ou supressão, figuras típicas do delito em comento, em virtude da ausência de tributo ou do elemento normativo do tipo.

Para melhor elucidar a questão, em seu voto vista no julgamento do HC nº 81.611-8/SP, o Min. Sepúlveda Pertence afirmou que:

...

241

73. De tudo resulta que, enquanto pendente o processo administrativo, essa

incerteza objetiva sobre a existência e o conteúdo da obrigação

remanescerá.

74. Ora – dadas, de um lado, a competência privativa da Administração fiscal para ‘constituir o crédito tributário’ e, de outro, que o crime definido no art. 1º da L. 8.137 pressupõe a existência de tributo – rectius, do crédito tributário – que, mediante uma das condutas prescritas, o agente antes houvesse logrado ‘suprimir ou reduzir’ -, não se pode afirmar, sequer para a denúncia, a ocorrência desse pressuposto, enquanto, a respeito, não opere, pelo menos, o efeito preclusivo da decisão final do processo administrativo.

...

Diante deste raciocínio, conclui-se que a consumação dos crimes contra a ordem tributária, ou seja, a supressão ou redução de tributos, somente ocorre após a constituição definitiva do crédito tributário, sendo que antes disso qualquer conduta vinculada ao artigo 1º da Lei n. 8.137/90 seria atípica acarretando assim na falta de justa causa para a ação penal e até mesmo para a instauração de um inquérito policial.

Percebe-se ainda que com este julgamento, o que antes era uma questão de procedibilidade, processual, passou a ser uma questão de mérito da questão, mas especificamente sobre a existência do delito, que por sua vez, incidia diretamente na configuração do tipo penal.

Este entendimento foi no seguido pelo STJ (REsp nº 771667, HC nº 60324 e HC nº 56799-3).

Logo, a presença da decisão definitiva no processo administrativo tributário, tendente a apurar o quantum a debeatur, tornou-se uma condição objetiva de punibilidade, sendo que antes desta, faltaria justa causa para a ação penal ou até mesmo para a instauração de inquérito policial.

Portanto, qualquer denúncia oferecida pelo Ministério Público antes da constituição definitiva do crédito tributário seria inepta e deveria assim ser rejeitada pela autoridade judicial.