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5. Experiências da Proteção Penal Tributária no direito estrangeiro.

5.1 Direito português.

A proteção à ordem tributária em Portugal existe desde os meados do século XIX, sendo que a Lei nº 12, de 13 de dezembro de 1844, foi a primeira norma a tratar das sanções fiscais, ao prever em seus artigos 18º a 20º punições de caráter administrativos, como pena de multa (art. 19) para aqueles que tinham a finalidade de prejudicar os interesses patrimoniais da Fazenda Nacional.

Já no âmbito proteção penal tributária, apesar do Código Penal Português de 1886 fazer referência aos crimes de contrabando (art. 279) e descaminho (art. 280), a punição para estes delitos era meramente administrativa, como por exemplo, perdimento de mercadorias e multa.

Como assinala Susana Aires de Sousa, “a disciplina jurídica das infracções aduaneiras sofreria importantes alterações, passadas algumas décadas, com a publicação do Decreto-Lei nº 31.664, de 22 de Novembro de 1941, que aprovou um novo “Contencioso Aduaneiro”. Este diploma assumiu grande importância e logo no

nº 2 do Relatório preambular estabelece como objectivo a nítida separação entre responsabilidade fiscais de natureza criminal e civil.”138

Atualmente, após inúmeras legislações acerca do tema, a questão dos crimes fiscais no direito português, encontra-se disciplinada pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho que aprovou o RGIT (Regime Geral de Infrações Tributárias).

Este regulamento é composto pela parte geral (Parte I), uma parte que integra o processo penal tributário (Parte II) e por fim a terceira parte, que versa sobre os delitos tributários. Estes, por sua vez, dividem-se em crimes tributários comuns (arts. 87 a 91 do RGIT), crimes aduaneiros (arts. 92 a 102 do RGIT), crimes fiscais (arts. 103 a 105 do RGIT) e crimes contra a segurança social (arts. 106 e 107).

No entanto, os delitos cujas condutas ilícitas são voltadas para supressão ou redução de tributos, ou seja, que efetivamente causam prejuízo ao erário público, e que se assemelham aos crimes contra a ordem tributária contidos na legislação brasileira, estão os previstos nos artigos 103 a 105 do RGIT, que seriam respectivamente, os crimes de fraude fiscal, fraude fiscal qualificada e abuso de confiança fiscal.

As figuras típicas do artigo 103 do RGIT, que podem ocorrer por ação ou omissão, prevêem que constituem crime de fraude fiscal a prática de condutas que visem “a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.”

Segundo o legislador português, esta diminuição das receitas tributárias seria causada pelas condutas previstas nas alíneas a, b e c do artigo 103 do RGIT.139

138 SOUSA. Susana Aires, op. cit., p. 54.

139 Art. 103... a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

Trata-se de um rol exemplificativo, pois “ao referir o tipo legal, que a fraude fiscal pode ter lugar através da realização das condutas previstas nas alíneas que se seguem, poderíamos ser induzidos pela ideia de que o legislador teria optado por um elenco exemplificativo. Contudo, esta conclusão parece ser infirmada pelo próprio legislador ao estabelecer no primeiro número daquela norma que constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo.”140

A pena pela prática do crime no artigo 103 é três anos de prisão ou multa de 360 dias. Se a fraude por praticada por meio de pessoa jurídica, ainda que constituída irregularmente, a pena de multa é majorada para de 20 a 720 dias, nos termos do §3º do artigo 12, do RGIT. É oportuno salientar que a pena de multa de 120 dias de prisão corresponde a um ano de prisão.

Sobre a consumação referente ao crime de fraude fiscal, a mesma ocorre “quando a ocultação ou alteração de factos ou valores tributários saem do domínio do agente,”141ou seja, quando o contribuinte realiza a entrega dos documentos fiscais com omissão ou informações falsas ao agente tributário. Já a punição, a exemplo do que ocorre nos crimes previstos na Lei nº 8.137/90, só ocorre a título de dolo.

Outro aspecto importante sobre este delito encontra-se previsto no §2º do artigo 103, que prevê que “os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a 15.000 euros.”

Continuando a análise dos crimes de fraude fiscal, no artigo 104 do RGIT há a previsão da forma qualificada deste delito ao dispor que “os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

140 SOUSA. Susana Aires, Os Crimes Fiscais, p. 79. 141

multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias:”

Já nas alíneas ‘a’ a ‘g’, encontram-se as circunstâncias qualificadores da fraude fiscal,142 sendo que a pena, nestas hipóteses, será de prisão de cincos anos

para pessoas físicas e multa de 240 a 1200 dias para pessoas jurídicas, quando forem praticadas mais de uma das condutas previstas nas alíneas citadas.

Para que ocorra a fraude fiscal qualificada, não basta a incidência de apenas uma das hipóteses previstas no artigo 104. É necessário que duas ou mais qualificadoras se unam à figura típica do artigo 103 do RGIT.

Ainda sobre a fraude qualificada, pela leitura do artigo 104, percebe-se que o rol apresentado pelo legislador é taxativo, na medida em que este determina quais são as circunstâncias que agravam o delito e, consequentemente, aumentam a pena do agente.

Por fim, o RGIT traz em seu artigo 105 o crime de abuso de confiança que ocorre quando o agente não entrega “à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar.”

142 Art. 104. 1-....

a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;

b) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;

c) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções; d) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros, programas ou ficheiros informáticos e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei tributária;

e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro;

f) Tiver sido utilizada a interposição de pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável;

Trata-se de um típico delito de apropriação indébita ou de substituição tributária, onde o legislador português procurou “impedir e prevenir o desvio de créditos tributários punindo-se o agente que violar a específica relação de confiança pelo facto de não entregar à Administração Fiscal as quantias que recebeu e deduziu.”143

Outrossim, para a configuração do artigo 105, o legislador português elencou no nº 4º144 duas condições de punibilidade, ou seja, requisitos para que a conduta do

agente torne-se punível na esfera penal.

A primeira delas é que só haverá crime após o decurso do prazo de 90 dias para o recolhimento do tributo aos cofres públicos, ou seja, o crime de abuso de confiança fiscal somente restará consumado após o transcurso deste prazo. Caso o recolhimento ocorra dentro deste lapso temporal, o agente deve responder apenas pela contra-ordenação prevista no artigo 114, nº 1, do RGIT, que prevê que dispõe que “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.”

A outra hipótese de condição de punibilidade elencada no nº 4, alínea b, do artigo 105, é a que determina que o agente, que declarou corretamente ao fisco o valor dos tributos, mas sem contudo proceder o seu recolhimento, somente será punido penalmente após o lapso temporal de 30 dias contados da respectiva notificação da autoridade fazendária.

143 MARQUES. Paulo, Crime de Abuso de Confiança Fiscal, p. 38. 144

Art. 105... 4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:

a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;

b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito.

Segundo Paulo Marques, este dispositivo legal demonstra “que o sistema penal fiscal privilegia e incentiva o cumprimento das obrigações fiscais (principiais e/ou acessórias), recorrendo-se aos instrumentos coactivos penais apenas quando a colaboração dos contribuintes não é conseguida num patamar aceitável (Princípio da subsidiariedade do Direito Penal), sendo então uma espécie de crime de desobediência em face da notificação emitida pela Administração Tributária.”145

Sobre a pena pela prática do crime de abuso de confiança fiscal, o artigo 105 do RGIT prevê uma sanção de prisão de até três anos ou multa de até 360 dias. Caso valor do tributo não entregue aos cofres públicos seja superior a 50000 euros, a pena, nos termos do nº 5 do mesmo artigo 105, será de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias, caso o agente seja pessoa jurídica.