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A segunda turma e o estudo de caso – o ano de 2017

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

1.3 O CURSO PREPARATÓRIO DE PORTUGUÊS PARA O INGRESSO NO

1.3.3 A segunda turma e o estudo de caso – o ano de 2017

No segundo ano de atuação, o quadro se repetiu. Com uma experiência maior em relação às particularidades do contexto de ensino e à gestão de sala de aula, foi possível uma observação mais atenta e a relação entre o comportamento dos aprendizes e o seu aproveitamento mais lento ou rápido pôde ser feita de forma mais clara e segura. Vale ressaltar que o que se problematiza não é o progresso mais lento de alguns alunos em comparação a outros, pois sabe-se que a aquisição de uma língua não se dá de forma linear e depende de fatores externos e internos a cada um deles: a questão é o baixíssimo nível de proficiência (escrita e oral) de alguns discentes mesmo após vários meses vivendo no país em que se fala a língua-alvo, o que, para este pesquisador, ensejava uma análise mais acurada.

A observação dos comportamentos de alunos menos participativos se confirmava em conversas sobre as (poucas) estratégias de aprendizagem que empregavam, quando informavam que tinham pouco ou nenhum contato com os estudantes da universidade, não assistiam a programas de televisão ou rádio nacionais, não liam revistas ou jornais e que pouco saíam de casa. Os motivos alegados eram sempre relacionados a uma aparente falta de interesse nessas atividades (com exceção do último caso, cujas justificativas também incluíam a falta de dinheiro e insegurança na cidade ou em seu bairro).

As atitudes desses alunos referentes à falta de contato com a cultura local (e mesmo à falta de interação com colegas de outras culturas em sala) levaram ao levantamento da hipótese de que as aulas do pré-PEC-G e as atividades ligadas a elas poderiam ser praticamente os únicos momentos em que eram expostos a insumos linguísticos e culturais no ambiente de imersão em que se encontravam. Nessas circunstâncias, o que se imaginava ser um fator facilitador da aprendizagem e uso da língua-alvo, o ambiente de imersão, não surtia este efeito, em virtude da não integração daqueles sujeitos ao ambiente e das raras situações em que se colocavam em contextos casuais de uso da língua e convivência junto aos falantes nativos e outros membros daquela comunidade.

Como agravante, os avanços da tecnologia operam uma relativização da própria ideia de contexto de imersão, uma vez que, o que antes tinha por base uma dimensão geográfica, com o distanciamento físico necessariamente redundando em um isolamento do aprendiz em relação aos seus contatos com familiares, amigos, mídia e outros insumos culturais de seu país, hoje tem uma dimensão temporal: ainda que esteja fisicamente num país falante da língua-alvo, o aprendiz não necessariamente se encontra imerso em sua cultura, pois disso depende seu tempo de contato e exposição àquela língua. Não era raro encontrar nos corredores alunos assistindo a filmes, ouvindo música ou falando nos celulares em seu(s) idioma(s) natal(is). Ao serem questionados (às vezes, os argumentos dos professores até mencionavam as tarefas do Celpe- Bras), muitos diziam que sabiam que deveriam buscar mídias em português, mas não o faziam.

Freed (1998) afirma que os efeitos benéficos do contexto de imersão na aprendizagem da língua-alvo não ocorrem automaticamente. Há algumas variáveis em jogo, tais como características pessoais dos aprendizes (seus estilos e estratégias de aprendizagem, sua motivação e aptidão), características da língua a ser aprendida (em comparação com sua língua materna), o grau de imersão do aluno na comunidade falante e, por último, a interação dessas variáveis com o ambiente formal de instrução.

O ambiente de imersão é tido como altamente produtivo porque pressupõe uma interação muito maior com falantes nativos e uma maior exposição a insumos linguísticos espontâneos em situações reais de contato pelo aluno (KINGINGER, 2017; PINAR, 2016). No entanto, caso essas situações de contato com a língua-alvo não se verifiquem, por motivos que podem abranger uma aversão à cultura local, o aluno passa a não contar com esses efeitos positivos, assemelhando-se sua condição à do aluno que aprende o idioma por meio de instrução formal como LE (apenas na sala de aula e em atividades orientadas pelo professor).

Ao se levar em conta as informações colhidas no questionário da turma anterior, pôde- se pensar em uma possibilidade mais negativa ainda: o contexto em que estavam inseridos os alunos poderia ter impactos negativos no processo de aprendizagem em si, pois, em virtude das experiências negativas que estariam vivenciando decorrentes do choque cultural e da forma como lidavam com as diferenças de atitudes, crenças, valores e comportamentos entre as culturas, sua resultante motivacional para o engajamento em práticas de uso da língua, tanto na sala de aula como fora dela, poderia estar bastante baixa. Assim, em vez de o ambiente de imersão ser propício a uma aprendizagem mais rápida e produtiva, por fatores relacionados às especificidades do processo de ensino e aprendizagem, ele pode ser considerado um elemento inibidor dessa progressão.

A abordagem de assuntos relacionados a cultura e interculturalidade, então, passou a ser cogitada como essencial não só para a preparação dos alunos para o Celpe-Bras, mas também para que sua adaptação e possível integração à comunidade local ocorra de forma menos estressante. Por não passarem por qualquer preparação antes de chegarem ao Brasil e pelo fato de a aquisição da língua-alvo ser, para alguns, um processo desgastante, pois privados de referências socioculturais nas interações e tendentes a estranhar os ambientes sociais que passam a frequentar, seus primeiros meses, que poderiam ser de ganho linguístico substancial, acabam por se tornar muito pouco frutíferos em termos linguísticos.

Como se trata de um curso curto, de menos de um ano, é importante que os primeiros meses sejam de intensa aquisição de insumos linguísticos e culturais para que se consiga alcançar a proficiência exigida pelo Celpe-Bras. Desse modo, o desenvolvimento da CCI dos alunos deve estar no norte dos idealizadores do curso e seus professores desde o início, como uma forma de potencializar os efeitos positivos da exposição constante e da formação de redes sociais, resultantes de sua inserção social.

Parte-se da premissa, portanto, de que a preparação dos professores para lidar com essas especificidades é capital para atenuar os obstáculos inerentes a tal formato de curso: intensivo; com uma turma cultural e linguisticamente heterogênea e com aprendizes com pouquíssimo conhecimento sobre a língua e cultura locais; preparatório para uma prova de proficiência externa e que tem um caráter determinante na definição de seu futuro acadêmico e pessoal. Consequentemente, deve-se investigar a atuação dos professores, levantando suas crenças e práticas no que diz respeito à abordagem de cultura e interculturalidade em contexto plurilíngue e pluricultural, como é o pré-PEC-G.

Nos próximos capítulos, são apresentados conceitos e discussões acerca das crenças de professores em formação, mais especificamente na área de ensino de línguas, de modo a embasar o delineamento de estratégias e abordagens que visem à operacionalização de suas mudanças em contexto de instrução por meio de uma proposta interventiva. Ademais, discute- se o desenvolvimento da CCI de alunos e o papel do professor de línguas nesse processo, bem como suas particularidades e sua necessidade primária especialmente em curso de intercâmbio estudantil nos moldes do pré-PEC-G.