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A abordagem atual sobre cultura e interculturalidade nas aulas de PLA

5 ANÁLISE DE DADOS

5.1 OS ALUNOS DO CURSO PRÉ-PEC-G DO ANO DE 2017

5.1.3 A abordagem atual sobre cultura e interculturalidade nas aulas de PLA

Um dos itens perguntados na entrevista foi como os alunos viam a abordagem de aspectos da cultura brasileira dentro das aulas do curso e se achavam que as apresentações e discussões levadas pelos professores para as aulas eram suficientes segundo seus objetivos e

expectativas. Com o fito de propor intervenções e estratégias para o ensino de cultura e o desenvolvimento da CCI deles, deve-se tentar levantar o máximo de dados sobre suas crenças a respeito da importância e o interesse em conteúdos dessa ordem.

Inicialmente foi aventada a hipótese de que, como se trata de um curso preparatório para um exame de proficiência, poderia ser de opinião dos alunos a ideia de que os conteúdos de ordem cultural fossem relegados por eles a um segundo plano, em detrimento de mais aulas específicas versando sobre assuntos de natureza linguística e simulados sobre a prova. Ainda que o exame tenha uma natureza sociocomunicativa (e não se sabe de antemão se os estudantes têm essa informação) (BRASIL, 2013b), pode viger em sua mente a necessidade de uma abordagem mais estruturalista – o próprio material didático reforçaria esta noção (LIMA; ISHIHARA; BERGWEILER, 2013; LIMA et al., 2008; 2013). Nesse caso, dever-se-ia idealizar formas de expor a eles a necessidade do desenvolvimento da competência intercultural para que possam ser efetivos em suas interações em outra língua.

Os dados coletados, no entanto, levam a crer que todos (exceto a Aluna 12, que não participou da entrevista) percebem essa importância e confirmam a percepção do próprio autor desta pesquisa em sua experiência docente com eles, pois sempre se portavam bem atentos e perguntavam bastante quando se falava em cultura nas aulas. Todos os alunos responderam positivamente quando perguntados se pensavam ser adequada a abordagem de aspectos culturais em sala de aula, com comentários que ratificavam essa opinião de forma bem clara:

Acho que os aspectos culturais que a gente está vendo nas aulas... as artistas, os artistas, os hábitos, as festas. Eu acho que cada aula/ a cada aula

tem que ter pelo menos um aspecto cultural do Brasil para a gente aproveita... a gente descobre (Aluno 13)

Eu acho que isso ajuda muito pra aprender a língua. Tem algo que tá ajudando a gente bastante... de viver num país. Você está aprendendo uma

língua... você está no país com a língua mesmo. Você... todo dia você pratica a língua. Na qualquer coisa que você vai querer fazer, você vai usar a língua. Isso ajuda bastante. Eu... isso me ajudou bastante. Comprar, pegar o ônibus,

perguntar uma informação, conversar com as pessoas... (Aluno 14)

Os alunos, vivendo em um contexto de imersão, percebem a necessidade de se discutir aspectos não só da Cultura do Brasil, mas dos hábitos, costumes, comportamentos dos falantes nativos. Uma observação importante a respeito desses dados é que essa indagação foi realizada depois de cinco a seis meses do início das aulas. Portanto, não se pode dizer que, num primeiro momento, os alunos encaravam os conteúdos não estruturais nas aulas de língua com toda essa motivação e expectativa. Eles podem ter mudado suas crenças acerca do ensino de LE por já

terem percebido a necessidade desse tipo de informação e conhecimento que observavam em seu dia a dia; por influência dos professores, que já teriam falado sobre os benefícios de se aprender a cultura (ainda que alguns tenham-na abordado apenas no sentido de Cultura ou apenas reativamente a perguntas dos alunos); ou por já terem tido acesso e explicações sobre a natureza e formato do Celpe-Bras.

Na outra parte da pergunta sobre a abordagem de cultura em sala de aula, perguntou- se a eles se estavam satisfeitos com o conteúdo de cultura que era ministrado nas aulas, se achavam que era insuficiente ou se era demasiado (nenhum deles optou por esta última): quase metade (8; 42,10%) respondeu positivamente, ou seja, que consideravam satisfatória a abordagem pelos professores. No entanto, ao se isolar as respostas dos alunos que apresentavam, à época da entrevista, um nível de proficiência e aproveitamento nos simulados e nas tarefas de sala muito baixo, observou-se um certo padrão de resposta que pode direcionar a um raciocínio que contribui para a associação entre o conhecimento sobre a cultura local e o desenvolvimento da consciência e da competência interculturais, o seu comportamento nas relações interpessoais e junto à comunidade-alvo, e a aprendizagem da língua-alvo no contexto de imersão.

No momento da entrevista, em um período que consistia no início da reta final de preparação para o Celpe-Bras, oito alunos (Alunos 4, 5, 7, 9, 10, 12, 16 e 19) eram tidos como preocupantes pelo corpo docente e coordenação e havia, em relação a eles, uma atenção especial no sentido de tentar melhorar, nesses últimos meses, seu desempenho nas habilidades comunicativas e na interpretação dos comandos das tarefas do exame. Tanto nas aulas como nos simulados, suas produções linguísticas eram insuficientes para atingir o nível intermediário exigido pelo PEC-G e as opiniões eram de que eles deveriam redobrar seus esforços e ter um atendimento mais próximo e individualizado para tentar fazer com que obtivessem sucesso no exame.

No Quadro 2 abaixo, pode-se notar as diferentes opiniões entre eles, prevalecendo uma opinião de necessidade de maior abordagem de cultura nas aulas. É importante complementar que, dos oito alunos apontados, apenas um obteve a certificação no exame, o que, de certa forma, contribui para validar a percepção de pouca proficiência partilhada pelos professores naquele momento.

Quadro 2 – Alunos considerados com nível de proficiência muito baixo e sua opinião sobre a

abordagem de cultura nas aulas do pré-PEC-G Alunos Opinião sobre a abordagem de cultura

em sala de aula Resultado obtido no Celpe-Bras Aluno 4 Satisfeito (sotaques e vocabulário) Não obteve certificação

Aluno 5 Insuficiente Não obteve certificação

Aluno 7 Insuficiente Não obteve certificação

Aluno 9 Satisfeito Não obteve certificação

Aluno 10 “Normal” Aprovado

Aluno 16 Insuficiente Não obteve certificação

Aluna 19 Insuficiente Não obteve certificação

Fonte: Dados coletados na entrevista

Nota: A Aluna 15 também não obteve certificação, mas não estava no grupo dos alunos preocupantes, pois apresentava bom desempenho nas aulas. Após a prova, em depoimento pessoal, justificou sua reprovação por não ter passado a limpo uma questão, deixando-a em branco. A Aluna 12 não respondeu à entrevista.

Como se pode ver, dos oito alunos considerados preocupantes na reta final da preparação para o Celpe-Bras e responderam à entrevista, apenas dois (Alunos 4 e 9) declararam ser adequada a quantidade de cultura que era abordada nas aulas de português, sendo que o Aluno 4, em sua justificativa, se referiu às menções sobre sotaques e vocabulário na aula, suscitando dúvidas sobre uma perfeita compreensão da dimensão de cultura por ele.

Eu acho que é bom. É muito também porque brasileiros têm é... muitas cidade

que têm diferentes sotaque. Por exemplo, Belém tem diferente maneira que falar o português. Você vai achar que, quando Belém... pessoas de Belém

falou, você vai não escutar algumas coisas, como São... por exemplo, São Paulo, pessoas de São Paulo fala... você vai escutar “ssss”. Aqui... “chi” é uma diferente maneira aqui. Porque no meu país quando você fala com a língua, por exemplo, Twi, você vai encontrar, você vai entender o mesmo sotaque.

Assim... aulas do PEC-G é muito bom porque... de acordo com a gramática, eles ensinam bem como você vai usar os bom gramáticas porque a língua de português é muito difícil, é muito ... pode falar que é complicado porque tem muitas maneira ou muitas... é.... todo dia você vai encontrar diferente palavra

que é... que é interessante. Também tem... você tem que conjugar os palavras

também que é relacionamento da cultura... (Aluno 4)

Um aluno (Aluno 10, que foi aprovado) definiu como “normal” quando perguntado a respeito e, apesar de instigado a explicar sua posição com reformulações da pergunta, não conseguiu expressar uma justificativa para a resposta (não ficou claro se não tinha em mente uma opinião formada sobre o assunto, se enfrentou uma barreira linguística na compreensão da pergunta ou para se manifestar, ou se não estava querendo expor o curso com o que poderia ser entendido como uma crítica). A Aluna 12 não participou da entrevista, por isso não compõe o Quadro 2.

Os outros alunos disseram ser favoráveis a mais oportunidades de se aprender sobre a cultura brasileira nas aulas, como atestam os depoimentos abaixo:

Dentro da aula do PEC-G, eu aprendi muito sobre o Brasil, sobre a cultura brasileira. Eu acho que... sobre tudo que eles ensinar a gente é bom... muito,

mas é melhor de... aumentar também outro coisas sobre a cultura brasileira para saber... porque como a gente estamos vivendo aqui, temos direito de saber tudo sobre Brasil, sobre Estado Pará, Belém para se acostumar a viver

bem com os brasileiros (Aluno 7)

A cultura no Brasil... eu acho que as aula, nós fizemos só teoreticamente, mas quando a gente sair muito, encontrar pessoas... é... vai no festas, diferente lugares... eu acho que eles vão provar nossas... relações com os brasileiros...

mas apresentação no... é... culturas do Brasil no aula, eu acho que é muito melhor... eu acho que é muito melhor. [Perguntado se deveria haver mais

cultura nas aulas] Sim... sim... porque nós... nós queremos saber... nós

queremos saber mais sobre a cultura no Brasil, mas Celpe-Bras... eu acho que Celpe-Bras é só no cultura do Brasil. Acho que sim. (Aluno 16)

Fala pouco [de cultura] porque eu vou ficar aqui sete anos... então eu preciso

saber muita coisa about/sobre Brasil. Então, eu quero minha professora

falar sobre... cultura do Brasil... é... mais... aula, sim. (Aluno 5)

Não fala muito de cultura brasileira. Mas tem um outro aula também agora que fala de cultura, aula que eu participo. [...] Aqui no ILC, com outro professora. [nas aulas de PEC-G, da língua, você acha que deveria ter mais ou

você acha que tá bom ou você acha que não...?] Normalmente, eu acho que

deveria..., mas o... contenu? [conteúdo] o conteúdo do tempo que nós temos. A professora dá essencial para fazermos nosso prova de Celpe. Então não tem muitas tempo pra fazer isso. (Aluna 19)

A interpretação desses relatos deve ser realizada com certa cautela. Ainda que possam ser considerados indícios de uma relação idealizada pelos alunos entre a pouca compreensão de aspectos culturais locais e a pouca ênfase nesses assuntos em tópicos abordados em sala de aula, são dados que necessitam de confirmação por retratarem percepções que podem ser refutadas pelos próprios depoimentos dos colegas (a maioria). No entanto, a coincidência de opiniões

negativas provenientes daqueles com aproveitamento muito aquém do que se esperava para o momento e que, por fim, acabaram não obtendo sua certificação ao fim do curso, no mínimo acende um sinal de alerta para a possibilidade de convalidação dessa percepção.

Uma forma de validar as impressões de que há uma possível lacuna, percebida por alunos em relação à abordagem de cultura em sala de aula, seria o levantamento de dados por meio de observações de aulas ministradas pelos professores estagiários entrevistados durante aquele período (2017). No entanto, como explicado no Capítulo 4, àquele momento, alguns inconvenientes foram levados em consideração: a possível interpretação daqueles sujeitos de que a presença do pesquisador, que era também um colega no curso, como observador, fosse um pouco invasiva e os inibisse nas reuniões pedagógicas e a indisponibilidade de tempo do pesquisador, em virtude da natureza do curso de Doutorado (Doutorado Interinstitucional, em que ministrava disciplinas na universidade de origem – UEPA) e do fato de já ministrar aulas no pré-PEC-G uma vez por semana.

Como explicado no Capítulo 4, foram realizadas observações sistemáticas nos dois anos seguintes (2018 e 2019), em que o pesquisador não teve atuação docente no curso. Devido à rotatividade dos estagiários, duas professoras já haviam se desligado do programa, recaindo as observações sobre aulas ministradas apenas pelos Profs 2 e 3 em 2018 e três professoras que viviam sua primeira experiência docente (em 2019). Com base nas aulas desses professores, pôde-se confirmar o que foi notado nas observações assistemáticas das falas em outros momentos do curso (reuniões pedagógicas e conversas informais com eles): a quase inexistência de abordagem de elementos relacionados a cultura e interculturalidade.

Esses dados voltam a ser discutidos nas próximas seções, juntamente com as entrevistas realizadas com os estagiários e a coordenadora do curso. Vale adiantar que, dos sujeitos da pesquisa, apenas uma docente (Prof 4, a mais experiente) discute a abordagem de cultura como sendo algo inerente ao ensino de LE e que a própria coordenadora do curso confirma a falta de preparação dos estagiários para lidar com o ensino de aspectos culturais nas aulas do pré-PEC-G. Essas informações levam a uma direção condizente com a necessidade apontada pelos alunos que apresentavam um comportamento mais fechado em relação à exposição aos insumos linguísticos e culturais que provê o ambiente de imersão.

Por último, não se pode descartar a possibilidade de que os estudantes estrangeiros cheguem no Brasil com a perspectiva de um ensino mais estruturalista e, devido à percepção de suas dificuldades de adaptação e pouco progresso na aquisição do novo idioma, atestado não só pelos resultados obtidos em atividades e simulados, como também na falta de eventos de

interação junto à comunidade-alvo, passem a julgar relevantes e parte necessária das aulas a abordagem de aspectos culturais, tendo sido operada uma mudança em suas crenças. Uma investigação mais aprofundada direcionada à cultura educacional desses alunos certamente traria à luz dados mais esclarecedores a esse respeito.

5.2 OS PROFESSORES EM FORMAÇÃO, SUAS PERCEPÇÕES, CRENÇAS E