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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

1.3 O CURSO PREPARATÓRIO DE PORTUGUÊS PARA O INGRESSO NO

1.3.1 O curso pré-PEC-G no contexto de estudo (UFPA)

As aulas do pré-PEC-G contam com a atuação, como professores, de membros do corpo docente da IES e/ou discentes vinculados ao curso de Letras, sob a coordenação de um professor. Na UFPA, que constituiu o contexto de estudo e atuação deste pesquisador, durante o período da pesquisa, esse corpo docente era composto exclusivamente por professores em formação (estagiários), com exceção deste pesquisador, uma colega também doutoranda e uma professora doutoranda que desenvolvia algumas atividades de preparação para a parte escrita do exame em momento mais próximo do Celpe-Bras.

O curso preparatório é oferecido na modalidade presencial, com uma duração de oito a nove meses (cerca de 36 semanas). Institucionalmente, ele tem a configuração de um projeto de extensão e conta com uma coordenadora (professora efetiva) e professores estagiários, discentes vinculados à graduação em Letras (língua portuguesa ou alguma LE) ou pós- graduação (Mestrado ou Doutorado).

Para ingresso no programa, os estagiários passam por um processo de seleção interno que consiste em:

[...] avaliação do Curriculum Lattes, desempenho acadêmico (histórico escolar) e carta de motivação. Posteriormente, é feita uma entrevista. Após ter sido escolhido, o estagiário passa por um treinamento que consiste na observação de aulas, discussão e preparação de curso com outros professores mais experientes. (SANTOS; BATISTA; SILVA, 2012, p. 4)

Como não há a exigência de experiência prévia em docência em LE, a seleção de discentes que não têm nenhuma prática em ensino e aprendizagem de LE é comum em cada ano. Em depoimento, a coordenadora do curso, responsável pela seleção, informou que tem sido cada vez mais frequente a escolha de alunos nos períodos iniciais da Licenciatura, pois a falta de bolsas nos anúncios de vagas diminui o interesse de alunos veteranos, que geralmente

já trabalham ou procuram outros programas que as oferecem. O período de preparação do professor-estagiário varia de acordo com a necessidade do curso e de seu perfil.

Assim que é realizado o Celpe-Bras, iniciam-se os preparativos para as aulas da turma do ano seguinte. É feita, então, nova seleção para substituir os estagiários cujos contratos estão terminando. A partir daí, são realizados alguns encontros e minicursos com informações sobre o programa e o curso pré-PEC-G em si. Além disso, são realizadas oficinas sobre ensino e aprendizagem e especificidades do ensino de português como língua estrangeira/segunda língua (LE/L2). Após conversas com este pesquisador nos anos de observação e pesquisa, a coordenação do curso passou a convidá-lo para ministrar encontros sobre tópicos relacionados a diferenças culturais, interculturalidade e cultura e ensino de LE/L2 neste período de preparação.

Segundo a coordenadora do programa, após dois ou três meses de observação, o estagiário já pode começar a atuar auxiliando algum outro colega mais experiente para, com o tempo, adquirir confiança e experiência para conduzir sozinho as aulas no caso de ausência de sua dupla. No entanto, algumas vezes as limitações a ela impostas se sobrepõem e, no caso de eventual carência no corpo docente (desistência/abandono do programa, adoecimento de algum estagiário ou mesmo algum imprevisto), esse período pode ser abreviado e um estagiário assume a turma antes do prazo estipulado.

Os estudantes-convênio têm aulas diárias pelo turno da tarde (das 14h30 às 18h), que são baseadas nos três volumes do livro didático Novo Avenida Brasil (LIMA; ISHIHARA; BERGWEILER, 2013; LIMA et al., 2008; 2013). Os planos de aula são preparados pela coordenadora e por uma das professoras estagiárias (neste trabalho identificada como Prof Info – ver subseção 4.2.1) (SANTOS, BATISTA e SILVA, 2012) e são disponibilizados em forma de slides em um drive virtual (plataforma Google Drive) com uma semana de antecedência, de forma que todos os professores tenham acesso previamente e possam se preparar para o conteúdo a ser ministrado.

A lotação dos professores obedece a uma escala em que, de acordo com sua disponibilidade, trabalham em duplas, um ou dois dias por semana. Com exceção do dia em que a aula era ministrada por este pesquisador e uma colega doutoranda, todas as outras eram ministradas pelos estagiários vinculados ao programa, sendo vedada a participação de pessoas estranhas, salvo se expressa e previamente autorizada pela coordenadora. Assim, os alunos têm aulas com todos os professores pelo menos uma vez na semana.

Para acompanhamento dos trabalhos realizados pelo corpo docente, há um planejamento inicial de reuniões semanais de aproximadamente duas horas, que às vezes não ocorre por motivos diversos, como outras atividades administrativas da coordenadora e feriados. Esses momentos são utilizados para a discussão de assuntos de ordem administrativa e de formação, a partir de ocorrências reportadas pelos estagiários em suas experiências em sala de aula. Nas reuniões de que este pesquisador participou, os assuntos eram majoritariamente administrativos (substituição de professores, acompanhamento dos planos de aula, atrasos ou faltas de alunos etc.), com poucas ocorrências de ordem didático-pedagógica. As aulas são realizadas em sala localizada no campus da universidade, que dispõe de computador, projetor e caixa de som.

As turmas são compostas por estudantes provenientes principalmente do continente africano (em 2017, era apenas uma jamaicana e dezoito africanos em sala). Diferentemente do que se possa pensar pelo fato de quase todos virem do mesmo continente, a heterogeneidade (linguística e cultural) se faz notar de maneira bastante forte, uma vez que, como pode ser visto na descrição dos sujeitos da pesquisa, mesmo quando provêm de um mesmo país, é comum pertencerem a etnias diferentes, com costumes e até línguas distintas.

Os estudantes têm frequência obrigatória e controlada pela coordenação, o que resulta em um pequeno número de faltas durante o período letivo. Na verdade, como se pôde observar nos anos da participação deste pesquisador, nos meses iniciais essas aulas tornam-se, para alguns deles, quase que o único contato com a língua e a cultura brasileiras e seu processo de adaptação e integração por vezes ocorre de forma lenta e desmotivada.

Quase todos os sujeitos entrevistados para esta pesquisa informaram ter chegado no Brasil sem qualquer conhecimento da língua e portando, de informações sobre o país e sua cultura, apenas estereótipos e generalizações imprecisas (todas as mulheres são bonitas, todos gostam de futebol, brasileiro adora festas etc.). O curso é desenhado, portanto, para alunos iniciantes e aborda desde conteúdos básicos nos primeiros encontros (como cumprimentar, apresentar-se, agradecer, por exemplo), prosseguindo gradualmente para estruturas linguísticas e gêneros textuais mais complexos, finalizando com simulados e correções de provas anteriores do Celpe-Bras.

Como já referido, eles não têm uma preparação prévia específica para o que enfrentarão no Brasil em termos de diferenças culturais. Em alguns casos, eles participam de um encontro em São Paulo, em que lhes são passadas algumas informações culturais (provavelmente generalizadas, pois eles se reúnem todos no mesmo lugar e as informações são

as mesmas, independentemente da cidade ou região a que se destinarão), as normas do programa e seguem em viagem para a cidade de destino. Há casos em que alunos não participam desses encontros e viajam diretamente para a cidade em que cursarão o pré-PEC-G – e chegam sem saber uma palavra de português! A falta da língua para comunicação, a completa ausência de pistas culturais para nortear suas interações, as saudades de casa, a dependência de compatriotas ou brasileiros que pouco conhecem para realizar tarefas simples e complexas do dia a dia, como ir ao supermercado e alugar um apartamento para morar, e a já mencionada falta de recursos fazem com que a adaptação dos aprendizes deva ser uma preocupação a mais para os professores e demais profissionais envolvidos na concepção do curso preparatório.

Dependendo do perfil do aluno, a tendência é não saber lidar com essas mudanças e sofrer as consequências negativas do choque cultural vivenciado (ansiedade, medo, sensação de desorientação, baixa autoestima e até mesmo depressão) (ANDRADE; TEIXEIRA, 2009; WEAVER, 1993). Nessas condições, ele não se sente motivado a participar de interações sociais com a comunidade local, nem aberto à percepção de diferenças como algo natural na comunicação entre pessoas e povos de arcabouços culturais e linguísticos diferentes.

No primeiro período de atuação junto à turma de pré-PEC-G, no ano de 2016, algumas impressões foram emergindo tanto no período de observação inicial quanto nas intervenções como professor; junto a elas, algumas inquietações mais intimamente relacionadas ao desenvolvimento das habilidades linguísticas de alguns alunos, que se mostravam muito aquém da maioria e bem mais lento do que se poderia esperar de aprendizes de línguas em ambiente de imersão.