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1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

1.2 O EXAME DE PROFICIÊNCIA CELPE-BRAS

1.2.2 Natureza e escopo do exame

Em que pese o fato de o alcance do Celpe-Bras já ter ultrapassado os programas de mobilidade estudantil e, na edição de maio de 2019, por exemplo, ter sido aplicado em 39 países de todos os continentes, pode-se dizer que, historicamente, o surgimento do Celpe-Bras está intimamente ligado à experiência brasileira com o PEC-G. Segundo Mendel e Schoffen (2017), o programa fez surgir a necessidade da criação de um exame de proficiência padronizado de língua portuguesa, pois essa certificação, requisito para a inscrição e participação dos candidatos, era realizada de forma independente por cada IES. Outros motivos relevantes para a implementação da Comissão para Elaboração do Exame, criada pelo MEC, em 1993, foram a afirmação da língua portuguesa (em especial a variedade brasileira) como um “idioma de interesse estratégico para a comunicação internacional” (DELL’ISOLA et al., 2003, p. 154) e o direcionamento das aulas de língua portuguesa, com a aferição da proficiência do candidato focalizando na capacidade de seu uso em contextos comunicativos e para desempenhar ações no mundo.

Sem desconsiderar a importância dos primeiros fatores motivadores, de cunho eminentemente administrativo e político, atemo-nos ao último, intimamente relacionado ao tema desta pesquisa e de consequências didático-pedagógicas bem interessantes. Como bem expressa Scaramucci (2004, p. 215), o Celpe-Bras tem por escopo exercer “um efeito positivo redirecionador do ensino, o que tem sido denominado de ‘washback by design’”. Com base nesses efeitos retroativos pretendidos (DELL’ISOLA et al., 2003; SCARAMUCCI, 2004), os seus criadores e, posteriormente, seus formuladores e avaliadores visam a exercer uma influência na preparação dos cursos, na elaboração do material didático e até mesmo na formação do professor de PLA.

Há, portanto, uma intenção clara de atuar, de maneira direta, no ensino formal de língua portuguesa no Brasil e no exterior, fornecendo aos candidatos, instituições e professores

elementos e informações sobre o conteúdo e objetivos que devem ser priorizados nesse ensino, ressaltando, principalmente, a necessidade de reverem sua abordagem, sua visão de linguagem e de aprender línguas, ou, em outras palavras, seu conceito de proficiência. (DELL’ISOLA et al., 2003, p. 162)

O que se objetiva é um distanciamento das aulas de PLA de abordagens eminentemente estruturalistas e descontextualizadas do lócus social de uso da língua (sociedade e culturas brasileiras). Nos esclarecimentos sobre a avaliação da parte escrita do exame, o último Guia do Participante publicado preconiza que ele “não busca aferir conhecimentos sobre gramática ou vocabulário, mas sim avaliar a capacidade de uso da língua, a partir da seleção de recursos lexicais e gramaticais adequados ao gênero do texto produzido” (BRASIL, 2013b, p. 9).

Segundo Scaramucci, essa intenção é reforçada pela própria explicitação dos conceitos norteadores do exame e de sua fundamentação teórica nos documentos oficiais de divulgação e inscrição (Edital, Manual do Examinando, Guia do Participante, Cartilha do Participante,

website oficial do Celpe-Bras), “sugerindo subsídios teórico-didáticos para que os professores

possam não apenas preparar bem seus alunos para o exame, mas redirecionarem sua forma de ensinar Português LE” (SCARAMUCCI, 2004, p. 221).

A visão de que o examinando precisa, tanto nas atividades escritas quanto na interação face a face, apresentar domínio de gêneros textuais distintos (para atuar em situações sociais diversas) e saber responder a estímulos (textos e elementos provocadores) demonstrando familiaridade com aspectos socioculturais da sociedade brasileira, assim como navegar entre as diferenças culturais vivenciadas, no caso de aprendizagem em ambiente de imersão, ou aprendidas, em ambientes de instrução formal no exterior, traz como consequência a imprescindibilidade de se abordar questões envolvendo concepções de cultura, interculturalidade e o desenvolvimento da CCI dos alunos nas aulas preparatórias.

Além disso, seu desempenho na interação face a face é avaliado de acordo com sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento da conversa, apresentando noções de tomada de turno, organização do tópico – competências estas que, para o seu desenvolvimento, pressupõem “práticas situadas em contexto social específico”, e não “habilidades linguísticas independentes de contexto” (NIEDERAUER, 2014, p. 411).

Percebe-se, portanto, uma necessidade de verificar se a atuação docente condiz com o desenvolvimento das habilidades e competências dos alunos e que são descritas como o foco da avaliação do Celpe-Bras. Caso negativo, deve-se proceder aos ajustes necessários para direcionar o ensino e maximizar o potencial preparatório do curso, aumentando as chances de êxito no desempenho daqueles aprendizes, sem contar os ganhos nas possibilidades de uso da língua-alvo em contextos reais.

Há outras razões pelas quais pode-se dizer que a abordagem de cultura e interculturalidade são indispensáveis no ensino de uma LE (e elas serão abordadas adiante, no Capítulo 3), entretanto essa relação com a proposta do Celpe-Bras torna-se importante, uma vez que se reconhece, como um dos limitadores dos efeitos retroativos de exames no ensino, as crenças dos professores ou características de sua formação (SCARAMUCCI, 2004). Assim, estabelece-se um liame entre a necessidade de alteração de eventuais crenças dissonantes da abordagem comunicativa intercultural – ou até oponíveis a ela – e os resultados pretendidos nas aulas em si. Uma intervenção que inclua em sua base argumentativa as especificidades do exame tende a ter um potencial de convencimento maior, resultando em maiores chances de sucesso na mudança daquelas crenças.

No caso do pré-PEC-G e na proposta de intervenção elaborada, essa é uma realidade observada tanto nos comentários da coordenadora do programa, como nos depoimentos dos professores em formação entrevistados. Percebe-se a dificuldade dos estagiários em abordar os conteúdos a serem ministrados sem uma ênfase exagerada (e, às vezes, durante todo o tempo da aula) em aspectos estruturais da língua. As observações realizadas nas turmas de 2018 e 2019 também confirmam essa percepção. Na seção seguinte, é apresentado um panorama geral do curso e das circunstâncias que compõem o contexto de ensino e aprendizagem de português no caso estudado.

1.3 O CURSO PREPARATÓRIO DE PORTUGUÊS PARA O INGRESSO NO PEC-