• Nenhum resultado encontrado

OS ESTUDOS SOBRE CRENÇAS DE PROFESSORES DE LE EM

2 CRENÇAS DE PROFESSORES DE LE EM FORMAÇÃO

2.2 OS ESTUDOS SOBRE CRENÇAS DE PROFESSORES DE LE EM

Os estudos sobre as crenças de professores são relevantes na área da Linguística Aplicada para que se possa compreender os seus processos cognitivos, suas práticas e os aspectos envolvidos em sua formação (RICHARDSON, 1996). Grijalva e Barajas (2012), parafraseando Johnson (1999 apud GRIJALVA; BARAJAS, 2012), entendem terem as crenças uma influência tão forte sobre as práticas docentes que impactam os trabalhos do professor em todos os seus aspectos, uma vez que elas, como lentes, filtram cada uma das suas interpretações e decisões a serem tomadas dentro e fora do contexto de sala de aula.

Richardson (1996) afirma serem duas as razões para os estudos sobre crenças dos professores em formação serem o foco da atenção de pesquisadores das áreas de ensino e aprendizagem de LE: o primeiro seria porque, ao lidar com conteúdos diversos, que abrangem desde disciplinas da área da linguística, pedagogia, metodologia de pesquisa, até política educacional e uso de ferramentas de tecnologia da informação e comunicação, esses estudantes mobilizam um sistema de crenças que trazem consigo, oriundo de experiências no contexto educacional por que passaram e das concepções formuladas a partir de suas experiências de vida. Esse sistema de crenças irá influenciar fortemente aquilo que aprendem e como o fazem. Sobre esse aspecto, Pajares (1992) argumenta que essas crenças que os alunos trazem para os programas de formação de professores são resultado de um primeiro momento em que desenvolvem sua capacidade de observação no ambiente escolar e abrangem ideias, ainda que empíricas e não sistematizadas, sobre o que precisam para serem professores eficientes e como alunos devem se comportar. O autor cita alguns exemplos, que adjetiva de desconfortantes (unsettling), como o pensamento otimista de que as características necessárias para ser um bom professor são exatamente as que eles próprios possuem enquanto alunos, a crença de que os problemas enfrentados pelos outros professores não ocorrerão com eles e a ideia de que serão professores melhores do que seus colegas.

O segundo fator relevante apontado por Richardson (1996) seria o fato de as crenças serem também objeto do curso de formação. A autora novamente cita Green (1971 apud

RICHARDSON, 1996) ao afirmar que a preparação para a docência também versa sobre a constituição e transformação de crenças dos futuros professores, assim como a sua preparação para lidar com as percepções dos alunos e ajudá-los a formar seus próprios sistemas de crenças, os quais consistem, em grande proporção, naquelas baseadas em evidências e na razão.

Em relação às crenças que devem ser objeto de transformação durante a formação dos professores, Pajares (1992) observa que há, inclusive, uma dificuldade de atuação nessa mudança, uma vez que, diferentemente do que ocorre em outros cursos universitários, como medicina, direito e engenharia, nos cursos de Licenciatura, os estudantes já iniciam com uma familiaridade grande com o ambiente e contexto de atuação profissional. Como tiveram o contato com a atividade docente durante toda a sua vida acadêmica (geralmente mais de dez anos), quando iniciam o curso, não experimentam mudanças drásticas nos discursos praticados, nas abordagens utilizadas e nem mesmo no contexto de sala de aula em si. Isso faz com que a adaptação, a adoção de novos conteúdos e novas perspectivas e as mudanças de crenças demandem um maior esforço para serem efetivadas, se comparado com as profissões em que há uma alteração gradual, mas significativa, no contexto de prática profissional e de estudo. Em outras palavras, o discente sempre vivenciou aquela realidade (é bem verdade que sob a perspectiva de aluno, apenas); portanto, o ambiente nem sempre é encarado inicialmente como propício a mudanças das crenças que traz consigo.

Além disso, como geralmente os alunos que escolhem os cursos de Licenciatura o fazem por terem, no mínimo, uma identificação positiva com a atividade docente, eles tendem a persistir nos moldes tradicionais em que foram ensinados (a imagem daquela praxe é positiva: por que mudá-la?) e reforçar aquelas práticas, mesmo quando se deparem com outros conceitos ou mudanças de atitudes.

A presente pesquisa sobre as crenças dos professores em formação tem por objetivo levantar suas expectativas, anseios e opiniões a respeito da abordagem da cultura e do desenvolvimento da competência intercultural dos alunos no contexto estudado. Como afirmado por André e Hobold (2009), é importante que se investiguem elementos subjetivos da prática docente de futuros professores para que se possa, com mais subsídios, realizar um planejamento mais sólido e mais eficiente diante da programação do curso e dos resultados pretendidos.

Além disso, é importante que se levantem informações sobre a própria atuação dos professores em formação, de modo a nortear a percepção de que têm atuado no sentido de trabalhar com os alunos o desenvolvimento de uma consciência intercultural ou se há lacunas

na abordagem de conteúdos extralinguísticos dentro do curso em questão. Essa atuação não consiste em uma mera transposição de conceitos teóricos que viram durante sua formação, como se fosse algo mecânico, irrefletido. Como afirmam Gimenez e Furtoso (2002, p. 43),

A prática de sala de aula não é simplesmente a transposição de instruções e/ou técnicas apregoadas pelos acadêmicos. Reconhece-se que o professor atua segundo suas crenças e seus valores e que estes, na verdade, funcionam como filtro do conhecimento teórico gerado por outros.

Richardson (1996) atribui a origem das crenças de futuros professores a três fontes principais, a que ela chama de três categorias de experiências dentro do trajeto de sua formação: experiências pessoais, experiências relacionadas à escolarização e experiências provenientes do contato com o conhecimento técnico e formal. No primeiro caso, incluem-se aspectos da vida que compõem a constituição de sua visão de mundo, crenças sobre sua própria identidade (self) em relação ao outro, sua compreensão da relação da escolarização com a sociedade, bem como outros conhecimentos culturais, familiares e pessoais.

No segundo caso, a autora refere-se à forma de pensar do professor em formação que se assenta em ideias sobre a natureza da atividade docente baseadas em sua própria experiência como aluno. Ela observa que muitas vezes essas crenças são fortes o suficiente para se sobressair sobre os ensinamentos proferidos nos cursos de preparação ou de Licenciatura. As posturas e práticas relacionadas à experiência com o que observou da atividade docente ficam muitas vezes fortemente enraizadas em sua mente, como modelos a serem seguidos dentro de seu repertório de atitudes; desse modo, elas acabam influenciando suas crenças sobremaneira e tornam difíceis mudanças de concepção e comportamento mesmo em ambientes formais de instrução.

Em relação a esta segunda categoria, é importante frisar que há diferenças significativas entre o contexto de aprendizagem formal dos professores estagiários e o pré-PEC- G: via de regra, eles aprendem a LE em cursos particulares ou dentro do curso de Licenciatura, em salas monolíngues, com colegas e professores que partilham de substrato cultural muito similar. Lidar com a heterogeneidade nas aulas neste contexto configura-se geralmente bem menos complexo do que ocorre no ambiente plurilíngue e pluricultural – e com estrangeiros, que têm pouca ou nenhuma informação sobre o país e a cultura-alvo – do curso ora analisado, o que gera uma lacuna nas suas experiências prévias como alunos. Essa lacuna pode ser preenchida pelo contato com conhecimento técnico e formal (como será colocado em seguida) ou pela experiência em sala de aula. Como a maioria deles é composta de iniciantes, com pouca

ou nenhuma experiência docente, suas crenças sobre aspectos culturais e interculturalidade ainda não são formadas ou tendem a pensar cultura apenas da forma como a viram em suas aulas de LE.

Por último, mas em um grau menor de efetividade do que os dois anteriores, Richardson (1996) cita a experiência com conhecimento técnico e formal, referindo-se à relação do professor em formação com a disciplina; o conteúdo que irá ensinar; suas concepções e crenças a respeito daqueles conteúdos e como ocorre sua aprendizagem pelos alunos; e seu conhecimento pedagógico, que envolve a prática docente e suas particularidades, como o gerenciamento dos atores em suas aulas, metodologias pedagógicas e sua aplicação em sala de aula.

Silva (2007), por sua vez, aponta algumas implicações dos estudos sobre crenças para a formação de professores, sendo a primeira delas o processo de permitir/incentivar a tomada de consciência de suas próprias crenças e das crenças em geral (sobre o papel do professor, sobre ensino e aprendizagem e outras) de uma maneira reflexiva. A segunda implicação seria referente à preparação do futuro docente para lidar com a multiplicidade de crenças, assim como com prováveis conflitos que emerjam de suas próprias crenças contraditórias ou que coloquem em lados opostos professor e aluno.

Na análise dos dados deste estudo, a descrição e as caracterizações das crenças observadas (especialmente sua origem, suas implicações) são de extrema importância para a interpretação de sua natureza e das especificidades do contexto sob estudo. A partir de um melhor conhecimento a respeito delas, especialmente sobre a prática docente e sobre a abordagem de cultura e aspectos relacionados à interculturalidade dos aprendizes de LE, será possível a idealização da proposta de intervenção que contribua para uma maior efetividade da atuação dos professores de PLA nos cursos do pré-PEC-G.