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O ESTUDO DE CRENÇAS NA ÁREA DE ENSINO E APRENDIZAGEM

2 CRENÇAS DE PROFESSORES DE LE EM FORMAÇÃO

2.1 O ESTUDO DE CRENÇAS NA ÁREA DE ENSINO E APRENDIZAGEM

As pesquisas sobre as crenças dos atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de línguas são relevantes para uma maior compreensão de algumas características de seu contexto e do ecossistema de sala de aula, tais como as experiências de vida e acadêmica/escolar de alunos e professores e a bagagem que trazem e utilizam consciente ou inconscientemente; a seleção e as opiniões sobre os conteúdos a serem ministrados, os materiais utilizados e as abordagens e técnicas desenvolvidas; a relação entre suas crenças, ações e atitudes docentes.

Barcelos (2004), em um breve apanhado histórico acerca da evolução das investigações sobre as crenças, afirma que elas, no início, visavam apenas a sua identificação, a atribuição causal a alguma “incorreção” em relação às atitudes do professor ou do aluno, a sua influência na prática do professor e na aprendizagem dos alunos e se representavam obstáculo na implementação de ensino autônomo (BARCELOS, 2004). Posteriormente, outros aspectos passaram a ser o foco de pesquisas na área da Linguística Aplicada. Foram desenvolvidos, por exemplo, estudos sobre crenças mais específicas (como correção de erros, as imagens de bom professor e bom aprendiz, uso de tradução na aprendizagem de LE e avaliação); sua relação com o contexto e experiências, bem como com as ações de professores e alunos; sua relação com o processo de reflexão e como, dentro do processo de formação de docentes, elas mudam e afetam suas práticas; a relação entre as crenças de professores e alunos; e sua relação com a identidade e aspectos afetivos dos professores (KALAJA et al., 2015).

Na evolução dos estudos sobre crenças, elas passam de uma caracterização geralmente aceita como percepções estáticas, individualmente identificáveis e separáveis das outras que compõem o sistema de crenças dos indivíduos para uma visão de dinamicidade, por terem íntima ligação com determinados contextos sociais e serem formadas a partir de práticas interacionais. Outro aspecto que emerge desta concepção socioconstrutivista mais hodierna é o de que as crenças do indivíduo são interligadas e formam uma estrutura bastante complexa, denominada sistema de crenças. Por último, elas são integradas em um modelo dinâmico de

pensamentos e ações e, ligadas que são a outros aspectos dos processos cognitivos do aprendiz, compõem uma estrutura central que serve de base para a ocorrência da aprendizagem (WOODS, 2007).

Barcelos (2006, p. 18) define crenças como sendo

uma forma de pensamento, como construções da realidade, maneiras de ver e perceber o mundo e seus fenômenos, coconstruídas em nossas experiências resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação. Como tal, crenças são sociais (mas individuais), dinâmicas, contextuais e paradoxais.

Com base nesta definição, pode-se depreender algumas das principais características desse construto: são resultados da experiência humana, das interações entre as pessoas e seu meio; são emergentes, socialmente construídas e situadas contextualmente, pois à medida que interagimos e modificamos nossas experiências, nossas crenças mudam e se desenvolvem – ao mesmo tempo, somos modificados por elas e as ressignificamos; são meios de mediação usados para regular a aprendizagem e a solução de problemas; são dinâmicas, paradoxais e contraditórias (BARCELOS, 2007).

A já mencionada dinamicidade, isto é, sua propensão a mudanças à medida que o indivíduo se depara com eventos ou informações que podem levar a transformações em sua forma de pensar e agir em face de situações no ambiente docente, é bastante relevante para uma melhor compreensão sobre a sua natureza e o grau de persistência de seus diferentes tipos, assim como sobre que fatores podem levar a essas alterações dentro do processo de formação de novos professores. No início, acreditava-se que as crenças eram estruturas mentais estáveis e fixas, localizadas dentro das mentes das pessoas e distintas do conhecimento. Estabelecia-se uma estreita relação de causa e efeito entre crença e ação que visava à justificação das ações dos alunos ou professores pelos tipos de crenças que nutriam (BARCELOS, 2004). Atualmente, sabe-se que o sistema de crenças do indivíduo é bastante complexo e comporta mudanças constantes, de acordo com novas experiências e, no caso dos docentes, mediante reflexões sobre suas práticas, sobre as práticas dos colegas e o contato com conhecimento técnico e prático.

Outra característica que merece atenção é a possibilidade de serem paradoxais e contraditórias dentro de um mesmo sistema. Richardson cita Green (1971 apud RICHARDSON, 1996) e sua abordagem filosófica ao afirmar que as pessoas podem ter crenças incompatíveis ou inconsistentes. As crenças, como não precisam de uma “sensação de verdade objetiva” pelo sujeito, podem ser relativizadas em determinados contextos, quando forem colocadas em oposição com outras aparentemente contraditórias. Além disso, fatores

contextuais e emocionais podem interferir na percepção do indivíduo acerca de suas próprias crenças, refletindo, assim, na sua manutenção ou resultando em alterações conforme a situação e as influências a que se submete.

Por último, mas não menos importante, pode-se ressaltar que as crenças são relacionadas à ação de uma maneira indireta e complexa: elas exercem grande influência nas ações do indivíduo, mas também são influenciadas por elas. Em estudos voltados à formação de professores, essa relação é fundamental para que se consiga entender seus processos mentais, suas práticas, suas mudanças e a aprendizagem técnica sobre o ensinar. Na verdade, como ensina Richardson (1996), ainda que crenças e atitudes possam ser analisadas separadamente para fins de pesquisa, na prática ambas operam juntas, em uma relação interativa: as crenças norteiam ações docentes; ao mesmo tempo, as experiências e a reflexão acerca das ações levam a mudanças e/ou acréscimos àquele mesmo sistema de crenças.

De fato, pode-se dizer que compreender que a complexidade entre componentes intrínsecos ao indivíduo (por exemplo, suas concepções, vontade e carga motivacional), fatores externos a ele (fatores contextuais e/ou circunstanciais) e a exteriorização de seu comportamento, seja ela positiva (ação) ou negativa (inação), constitui um desafio para o pesquisador ou formador de professores. Além disso, deve-se levar em consideração os impactos dessa exteriorização sobre o seu próprio sistema de crenças, pois ele pode vir a ser alterado pela sua própria conduta.

Historicamente, os estudos sobre a relação entre crenças e ações dos sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem de línguas passaram por três fases distintas: a primeira é denominada de abordagem normativa, em que esta relação não é investigada, apenas sugerida; a segunda é a chamada abordagem metacognitiva, em que ela é sugerida e analisada visando-se a investigação das estratégias de aprendizagem adotadas; por último, há a abordagem contextual, quando esta relação passa a ser investigada por meio de métodos qualitativos de coleta de dados (inclusive com o uso de estudos de caso). As crenças, então, passam a ser vistas como representações de aprendizagem em uma determinada sociedade: dinâmicas, culturais, sociais e emergentes (ABRAHÃO, 2006; BARCELOS, 2004).

No presente estudo, a pesquisa sobre as crenças dos professores em formação tem por objetivo levantar suas expectativas, anseios e opiniões a respeito da abordagem da cultura e do desenvolvimento da competência intercultural dos alunos no contexto estudado. A partir dessas informações, e levando-se em consideração uma relação interativa entre as crenças e as atitudes dos professores, consegue-se operar mudanças sobre conceitos e, espera-se, comportamentos e

abordagens em sala de aula, mesmo com a pouca ou nenhuma experiência docente daqueles estagiários.

Pajares (1992), em uma tentativa de sistematizar os conhecimentos que, na opinião do autor, encontravam-se bastante dispersos em áreas científicas e acadêmicas distintas, apresenta dezesseis premissas a respeito das percepções sobre crenças na área da educação em geral e que devem ser levadas em consideração ao se iniciar qualquer estudo sobre esse tema. Algumas delas servem de referência e embasam parte das reflexões apresentadas no momento da análise dos dados levantados neste trabalho:

a) As crenças são formadas cedo e tendem a se perpetuar, mesmo diante de contradições causadas pela razão, tempo, instrução formal ou experiência;

b) Quanto mais cedo determinada crença for incorporada à estrutura de crenças do indivíduo, mais difícil de ser alterada, sendo o contrário também observável;

c) O sistema de crenças dos indivíduos é adaptativo, o que facilita para eles compreenderem o mundo a sua volta e a si mesmos;

d) As ideias de conhecimento e crenças são intimamente interligadas, porém as crenças funcionam como uma espécie de filtro na interpretação e compreensão de novos fatos e fenômenos, bem como nos novos processos cognitivos por que o indivíduo passa;

e) A mudança de crenças durante a vida adulta constitui-se um fenômeno relativamente raro; os indivíduos tendem a se apegar a suas crenças mesmo diante de explanações cientificamente corretas;

f) As crenças influenciam fortemente as percepções das pessoas, bem como seus comportamentos;

g) As crenças devem ser inferidas com base nas congruências entre as afirmações dos indivíduos, sua predisposição em se comportar de uma maneira pré-estabelecida e suas atitudes em relação àquelas crenças analisadas.

O outro aspecto que se observa é o de que as crenças não seriam apenas um conceito cognitivo, “mas também social, porque nascem de nossas experiências e problemas, de nossa interação com o contexto e da nossa capacidade de refletir e pensar sobre o que nos cerca”. (BARCELOS, 2004, p. 132)

Com base nessas noções iniciais, passa-se a dissertar mais especificamente sobre as crenças de professores em formação (pre-service teachers), por sua relevância para as pesquisas sobre ensino e aprendizagem em geral, mas também para a elaboração de programas e materiais para a preparação de profissionais que apliquem práticas docentes cada vez mais eficientes,

além da adoção de políticas públicas mais adequadas para a criação de cursos e o desenho da infraestrutura necessária para a sua realização. Ademais, um apanhado teórico sobre esse assunto configura-se um importante passo para a interpretação dos dados coletados dos sujeitos desta pesquisa: professores estagiários de PLA.