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Informações prévias sobre o país e sua cultura

5 ANÁLISE DE DADOS

5.1 OS ALUNOS DO CURSO PRÉ-PEC-G DO ANO DE 2017

5.1.1 Informações prévias sobre o país e sua cultura

O levantamento das informações que os alunos tinham a respeito do país de destino e sua cultura antes de viajar com o intuito de aprender o seu idioma é relevante, uma vez que o professor, ao ensinar a língua e a cultura, lida com essas crenças e torna-se um ator importante no processo de sua ratificação ou transformação, caso condigam ou não com o observado pelo aprendiz no contexto de imersão.

O aprendiz de uma LE/L2 vivencia situações em que é evidenciado o contraste entre as culturas e o professor deve estar preparado para tornar esse choque cultural menos penoso naquela experiência, trabalhando desde o início com a ideia de relatividade e alteridade nas interações em que este vier a se engajar. No contexto de imersão, essa atuação do professor tende a ser ainda mais significativa, pois ela poderá contribuir de forma relevante no processo de adaptação do aluno e interferir na forma como ele se comportará e exercerá seu papel social na comunidade que o acolheu.

Primeiramente, o que se pode depreender dos depoimentos dos alunos investigados foi o fato de terem poucas informações sobre o Brasil antes de virem participar do programa. Quase todos os alunos alegaram possuir conhecimentos bem superficiais e baseados em estereótipos ou informações sobre a Cultura (DOURADO; POSHAR, 2010; KRAMSCH, 2013) do país. Apenas uma aluna (Aluna 19) afirmou não saber nada a respeito do Brasil quando veio.

Uma parte dos alunos (7; 36,84%) declarou expressamente ter pouquíssimo conhecimento sobre o país-alvo e sua cultura antes de chegar. Dentre eles, dois mencionaram a insegurança ou violência como sendo a única informação que tinham e outros dois alegaram saber, além do fato de ser um país perigoso, que os brasileiros eram amáveis e gostavam de festa.

Os outros alunos afirmaram saber um pouco mais, predominando uma ideia positiva, ora baseada em estereótipos (como a já mencionada fama de gostar de festa, de as pessoas serem amáveis e acessíveis, de ter mulheres bonitas), ora baseada em informações que buscaram ao saber da possibilidade de participar do programa (boas universidades, por exemplo).

No espectro negativo das informações dos alunos antes de conhecer o Brasil, situa-se, com destaque neste grupo também, o fator insegurança/violência, principalmente por terem tido contato prévio com ex-alunos do pré-PEC-G, que os informaram a esse respeito. Nas entrevistas, dois alunos mencionaram, dentre as diferenças que causaram maior surpresa (e impacto), a necessidade de esconder o celular ao utilizar o transporte coletivo na cidade por

causa do risco de assalto. Neste ponto, pode-se resgatar as informações sobre a situação socioeconômica da maioria dos alunos vinculados ao curso (este problema se estende ao PEC- G): há uma precariedade em sua situação financeira e eles vivem distante do centro da cidade e da universidade, geralmente em regiões periféricas e mais perigosas, o que agrava a sensação de perigo e o risco de violência no dia a dia. O presidente da AEE, ao se referir às condições dos alunos ao chegar, reforça esses dados:

Tem a segurança que traumatiza e MUITO... muito, muito, muito... [...] Mas sim, tem isso também da pessoa não ter muita condição, acaba ficando num

local muito vulnerável. Mesmo pegando um Curuçambá [linha de ônibus]

vindo pra cá ou qualquer ônibus, você é... tá no alvo de um assalto. Eu não posso mais contar o número de vezes que eu fui assaltado, mesmo dentro de casa ((risos)). Então, essas coisas são normais que... NORMAL não... normal não, mas são coisas que a gente percebe... (Pres AEE)

Por último, um aluno (Aluno 4) alegou achar que os brasileiros não gostavam de trabalhar:

Sim... eu... antes de cheguei aqui, eu já tá pensando que... que brasileiros... é... De acordo com informações que eu tenho uma irmã aqui no Brasil e ele está no Rio de Janeiro e ele está aqui no Brasil por, eu acho que, cinco anos. Então ele já me falou que... que no Brasil é uma lugar que, é uma país que é... que são... que trabalho muito, que é muito sério pra o que eles fazem, mas eu

não pensar assim antes de chegar aqui no Brasil. E agora eu já... eu já...

acho/achei que brasileiros é muito sério... trabalho. (Aluno 4)

Em outro momento, em depoimento informal (após a gravação da entrevista), o Aluno 2 reclamou com este pesquisador porque havia postado uma foto em uma rede social, em que estava abraçado a uma amiga. Ele informou que, imediatamente à postagem, recebeu uma ligação do pai obrigando-o a apagar a foto, pois todos em seu país natal pensariam que ele estava no Brasil apenas para “fazer festa”. Ao ser questionado se essa era a crença geral, ele foi taxativo: “Todos no meu país acham que no Brasil é só festa!”

Essas informações são relevantes para um planejamento sobre a abordagem de determinados aspectos necessários para a própria adaptação dos alunos nesse novo contexto em que se inserirão ao chegar para fazer parte do PEC-G. Ao saber das crenças, opiniões e conceitos prévios que os estrangeiros trazem consigo ao iniciar o curso, o professor tem melhores condições de procurar meios para lidar com estereótipos, preconceitos ou mesmo generalizações imprecisas desde o primeiro dia de aula, facilitando assim uma adaptação mais rápida e efetiva na nova cultura (e, quem sabe, uma eventual integração do estrangeiro à comunidade-alvo), bem como a atenuação de eventuais choques culturais por eles vivenciados.

Por outro lado, a esta pouca informação adiciona-se a constatação da necessidade de que o programa atue com vistas à preparação dos alunos antes da viagem, bem como de que o professor leve em consideração a possibilidade de lidar com aprendizes que não tenham qualquer conhecimento em relação à cultura local. Assim, ele se prepara tanto para a abordagem de aspectos considerados rotineiros e que possam parecer “invisíveis” para o nativo (como normas interacionais que regem cumprimentos, agradecimentos, despedidas) até conteúdos que carreguem um grau alto de complexidade (como assuntos que podem ser considerados tabus: religião, racismo, relações familiares).

É importante fazer a ressalva de que a origem dos alunos do pré-PEC-G varia ano a ano e, portanto, a probabilidade de os próximos serem provenientes de países diferentes, com outras informações e opiniões sobre o Brasil, é grande. Além disso, como afirmam Byram, Gribkova e Starkey (2002) e já referido no Capítulo 3, as culturas dos povos, assim como as identidades sociais das pessoas, são dinâmicas e a previsibilidade de traços culturais de interlocutores de origens diferentes é sempre falível. Consequentemente, esses dados coletados não se repetirão, não devendo ser antecipados de forma absoluta. No entanto, o mais importante é a conscientização e o exercício de alteridade que essas informações podem impor ao professor de anos posteriores, de modo a fazer-lhe perceber hábitos, comportamentos, opiniões, valores que muitas vezes lhe pareceriam invisíveis ou universais, devido à naturalidade com que trata os aspectos culturais e à dificuldade de percepção dessa visão de estranhamento que o estrangeiro desenvolve a partir da análise da cultura de seu país de origem e de suas experiências prévias.

Ademais, com a visão de que as diferenças podem surgir de aspectos não antecipáveis pelo docente nativo (na seção seguinte, algumas são mencionadas), cria-se um ambiente propício para a observação curiosa e reflexiva acerca de outras a serem reportadas por outros alunos, de outras origens e com outras experiências de vida. Dessa forma, o professor passa de uma conduta eminentemente reativa em sala de aula (percebe as diferenças quando elas emergem do contexto de ensino e, aí sim, age sobre elas) para uma conduta pró-ativa, investigativa do que podem ser inadequações no comportamento e desempenho dos alunos, atribuíveis a alguma diferença de visão de mundo, de normas de natureza pragmática, sociolinguística ou sociointeracional, ou mesmo de valores.

5.1.2 Os fatores de ordem cultural que mais impactaram os alunos em seus primeiros