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2 CRENÇAS DE PROFESSORES DE LE EM FORMAÇÃO

2.4 O PROCESSO DE MUDANÇA DE CRENÇAS E A ELABORAÇÃO DA

2.4.2 A elaboração da proposta de intervenção

De acordo com a breve revisão teórica exposta na seção anterior, uma proposta de intervenção teria que levar em consideração fatores constitutivos e norteadores de um processo de ressignificação e mudança de crenças. Em que pese um maior detalhamento de seus procedimentos em capítulo específico (Capítulo 6), os passos referentes ao trabalho com as crenças dos estagiários serão expostos a seguir.

O primeiro passo constitui a conscientização dos professores em formação a respeito de suas próprias crenças acerca de interculturalidade e desenvolvimento da CCI dos alunos de LE. Como afirma Pajares (1993), os indivíduos não podem ser agentes da mudança de crenças que não sabem que têm. Os dados levantados neste estudo de caso podem ser utilizados como ponto de partida para a antecipação de alguns possíveis resultados. Como, a cada ano, parte do corpo docente muda, é mister que se façam novos levantamentos antes ou durante cada intervenção. Com as informações ano a ano, pode-se buscar a definição de um padrão nas crenças de acordo com os perfis dos estagiários ou, na falta dele, constituir um repertório que abranja boa parte das possibilidades de crenças em turmas futuras.

Após o levantamento das crenças, proceder-se-ia à realização de atividades que visem à tomada de consciência de suas próprias crenças pelos professores em formação. Paralelamente, pode-se atuar junto a eles estimulando-os a refletirem a respeito das origens dessas crenças – se as atribuem a algum conhecimento empírico, se é decorrente de alguma experiência prévia docente, experiência de vida ou intuição. É importante relembrar que, dependendo da origem atribuída a determinadas crenças, elas podem ser mais difíceis de serem alteradas (centrais) e a abordagem do professor formador pode ser mais desafiadora a partir do que observar ou do que for reportado.

Neste ponto, deve-se também tomar cuidado para não os levar a interpretar esses procedimentos introdutórios como voltados exclusivamente ao ensino de novos conteúdos,

como se fosse um curso ou uma palestra, pois isso poderia inibi-los ao explicitar suas concepções e opiniões acerca da abordagem de cultura em aulas de LE. Como o objetivo principal é trazer ao nível da consciência seus próprios saberes, a expressão deles é bastante relevante, devendo ser estimulada. Ademais, a oposição entre o “conteúdo a ser ministrado” e as crenças originadas de sua experiência discente (calcadas em sua experiência exitosa na aprendizagem da LE), por exemplo, pode levar a uma diminuição do convencimento a mudar e, consequentemente, a uma maior resistência.

Após a explicitação e tomada de consciência de suas crenças, o professor formador deve promover a reflexão do aluno sobre a necessidade de constituição de novas crenças, alteração ou ressignificação das existentes. Neste ponto, as crenças porventura levantadas são desafiadas (BARCELOS, 2007) e contrastadas com novas alternativas, de modo a gerar instabilidade naqueles sistemas de crenças e dar continuidade ao processo tendente a sua reestabilização após a assimilação ou acomodação.

Assim, novos conhecimentos são apresentados, tanto de natureza teórica como prática (caso não tenham experiência, o professor formador pode trazer exemplos vivenciados ou extraídos da literatura). As trocas entre as crenças e experiências dos próprios estagiários adquirem grande importância nesta hora, em especial os que já tenham algum tempo como professores em outras LE ou mesmo no pré-PEC-G. Ao professor formador, cabe o papel de mediador entre essas trocas e, por vezes, instigador de questionamentos e desafios às opiniões externadas pelos alunos

É importante abordar também os fatores contextuais que, como já explicado, desempenham papel essencial para a necessidade da intervenção: a imersão sem que alguns alunos consigam uma efetiva adaptação e exposição a insumos linguísticos e culturais da comunidade-alvo, a prova no final do curso, o material didático de cunho estruturalista, a falta de experiência docente, a necessidade de manter o fluxo das unidades de instrução previamente desenhadas. Alguns exemplos de crenças que podem ser objeto de reflexão pelos alunos podem ser: o ambiente de imersão, por si só (sem a necessidade de contribuição do elemento volitivo do aluno), leva a uma aquisição “automática” de insumos linguísticos e culturais; o estudo gramatical da língua-alvo é suficiente para um mínimo de desempenho aceitável em provas de proficiência; o material didático é suficiente como recurso didático, bastando o professor preparar a aula com base nos conteúdos desenhados previamente que conseguirá lidar com a heterogeneidade de sala de aula; a intuição e o bom senso são recursos preferenciais para lidar com as diferenças culturais em sala de aula, sem necessidade de uma preparação específica para

a solução de conflitos ou antagonismos emergentes das relações entre os alunos e entre alunos e professores.

Imprescindível também trabalhar os benefícios do desenvolvimento da CCI nos alunos em tarefas do exame Celpe-Bras. Desse modo, os argumentos que sedimentam a adoção de concepções acerca da necessidade de se abordar cultura distante das generalizações e estereótipos, distinta de apenas datas comemorativas e artefatos culturais considerados como representativos de determinadas nações lusófonas, e de forma mais profunda e reflexiva, ganham em peso na comparação entre as crenças já trazidas das experiências discentes dos estagiários, levando a uma maior possibilidade de convencimento e transformação.

Neste passo, deve-se ter em mente que o que se almeja, na constatação de crenças oponíveis entre as dos professores em formação e as do professor formador (foco da intervenção), é não só a criação de um ambiente de instabilidade nos sistemas de crenças daqueles, mas também de insatisfação com aquelas que seriam objeto de mudança (PAJARES, 1993). Assim, é estimulada sua atuação em favor de uma ressignificação e consequente alteração de crenças, para que possam ser consideradas pelos professores em formação como passíveis de serem incorporadas ao seu sistema, ligando-se a outras em um processo de acomodação ou substituindo as que a elas se opuserem (BARCELOS, 2007).

Por outro lado, no caso de posições conformes às mais atuais práticas de acolhimento e ensino de aspectos culturais em LE/L2, esse momento serve para seu reforço e validação e, na hipótese de serem periféricas, sua reacomodação no bojo das crenças centrais dos professores em formação. Em ambos os casos, diferentemente do que se imaginaria em um curso em que lhes seriam ministrados conceitos e exemplos de cultura e interculturalidade, nos moldes de mera apresentação de informações, eles desenvolvem um papel ativo nas mudanças em seus sistemas de crenças (PAJARES, 1993). O professor formador atua com o foco no auxílio à compreensão dos estagiários acerca de suas próprias crenças, das inconsistências perceptíveis e dos conflitos que possam existir dentro de seus sistemas de crenças, direcionando-os à formação, alteração ou substituição por novas e adequadas para um melhor aproveitamento no curto espaço de tempo em que estão vinculados ao curso.

Como último momento, após a implementação da intervenção, faz-se necessária uma aferição da efetiva mudança nas concepções dos estagiários, que requer uma checagem tanto de suas crenças por meio da aplicação de instrumentos qualitativos de coleta de dados, como questionários abertos, entrevistas, diários (ABRAHÃO, 2006), da observação das suas práticas

em sala de aula, bem como dos comportamentos dos alunos, tendo em vista sua adaptação e eventual integração na comunidade-alvo, e a aquisição da língua-alvo em ambiente de imersão.

A aferição se faz necessária, pois, como defende Pajares (1992, p. 321), mesmo após serem incorporadas à estrutura, as novas crenças “passam por testes e, se não forem eficientes, correm o risco de serem descartadas”6,7. Assim, o acompanhamento do acolhimento dos alunos pelos professores estagiários nos primeiros dias e as primeiras aulas ministradas já podem apontar sinais de compreensão da importância de se colocar em prática uma abordagem intercultural. Com o decorrer do tempo, deve-se investigar também as crenças e atitudes dos alunos (especialmente os que parecerem pouco produtivos e com desempenho mais fraco nas aulas) no tocante a suas relações no ambiente de sala de aula e com a comunidade-alvo: suas interações dentro e fora de sala de aula com alunos de origem e línguas distintas; suas interações com membros da comunidade universitária; sua busca por insumos linguísticos e culturais nas mais diversas mídias; sua motivação para estudar a língua e se adaptar (ou se integrar) à nova cultura.

Com os resultados desses levantamentos, pode-se adequar e aperfeiçoar as abordagens, exemplos e conteúdos ministrados na intervenção, visando a uma melhor conscientização dos professores em formação a respeito da imprescindibilidade do ensino de aspectos culturais e interculturalidade dos alunos estrangeiros no curso do pré-PEC-G. A despeito da variação de estagiários e alunos ano a ano, deve-se objetivar também a criação de padrões de crenças geralmente partilhadas por eles, de modo a antecipar a preparação dos materiais didáticos a serem utilizados e criar novos, mais condizentes com o seu perfil.

No próximo capítulo, é apresentada uma discussão acerca dos conceitos de interculturalidade e o desenvolvimento da CCI no contexto específico de ensino e aprendizagem de línguas em imersão, assim como sua relação com o seu entorno (comunidades universitária e local). Assim, aborda-se o contraste entre as expectativas geradas pelo ambiente de imersão no que se refere à aprendizagem da língua-alvo e a realidade de muitos alunos, que, pelos motivos expostos, nem sempre são correspondentes.

6 Todas as citações de autores ou depoimentos de alunos em língua estrangeira foram livremente traduzidas por

este pesquisador. Os originais constarão em notas de rodapé, em itálico.

7 […] if and when conceptual change takes place, newly acquired beliefs must be tested and found effective, or

3 A COMPETÊNCIA COMUNICATIVA INTERCULTURAL DE ALUNOS E