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A situação dos jovens

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Capítulo II – CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIOLÓGICA, ANTROPOLÓGICA E

2. Cotidiano Indígena

2.1. A situação dos jovens

No contexto entre problemas e mudanças culturais, os jovens indígenas enfrentam muitas dificuldades, seja no emprego, na educação e na sociabilidade. Apesar dos esforços da comunidade escolar, mesmo diante da precariedade e da péssima infraestrutura, poucos jovens têm acesso à educação universitária. As perspectivas são limitadas no trabalho, por vezes, braçal, como no caso das oportunidades em Usinas da região ou como lixeiros e varredores de ruas para homens e trabalhos domésticos para mulheres. Somado a isso, ainda existem problemas com a discriminação, a desconfiança, e fatores sociais, como a criminalidade.

Através das gangues os jovens participam em delitos – pequenos furtos, enfrentamento com outras gangues etc. – que são freqüentes na RD. São muitos os que se vêem envolvidos no consumo de álcool, que conseguem facilmente, ou de drogas (geralmente maconha misturada com pasta de cocaína), que entram na reserva a partir da cidade de Dourados ou do Paraguai. Sob o efeito do álcool ou das drogas estes jovens carentes de horizontes na vida, chegam a cometer todo tipo e violência, incluindo agressões e homicídios – utilizando muitas vezes para isso armas brancas– com finalidades diversas, como roubo de dinheiro ou de bens menores (bicicletas) ou vingança. A falta de perspectivas leva-os também ao suicídio, muitas vezes

sob efeito do álcool ou de drogas. De fato, como foi apontado, o segmento etário em que os suicídios são mais freqüentes na RD é o de 15 a 19 anos. Nos últimos anos, contudo, são cada vez mais comuns os suicídios entre 10 e 14 anos. Na opinião de Beldi de Alcântara (2007), através do álcool os jovens seriam transportados a um mundo em que não existe dor e onde criam coragem para tomar tal decisão (AYLWIN, 2009, p. 56).

Spensy Pimentel, jornalista e antropólogo, realizou, em 2013, uma pesquisa de campo na Terra Indígena de Dourados, justamente na reserva Guarani-Kaiowá, e afirma, em entrevista quea violência está atribuída “como um dos fatos mais gritantes a demonstrar que o Estado brasileiro errou” (PIMENTEL apud KAIOWÁ..., 2014) e fala sobre o conflito entre indígenas e “fazendeiros”:

Nem nas reservas, nem nos acampamentos os Kaiowá e Guarani têm tido sossego nas últimas décadas. Nas reservas, enfrentam a falta de perspectivas, em função da crônica falta de espaço e da incompetência e negligência dos governos locais e federal. Nos acampamentos, aonde vão quando sua paciência se esgota, ficam sujeitos à truculência dos fazendeiros, que têm agido de forma intransigente: querem resolver na base da violência ou nos tribunais um grave problema social, que não vai se extinguir na bala, nem com a canetada de um juiz (PIMENTEL apud KAIOWÁ..., 2014).

Questionado a respeito dos dados do Distrito Sanitário Especial Indígena - DSEI de Mato Grosso do Sul, entre 2007 e 2013, que registrou 487 mortes violentas de índios, sendo 137 por homicídio, Pimentel (KAIOWÁ..., 2014) afirma que isso revela “uma população marginalizada, extremamente vulnerável”, não só em relação à segurança, como negligência nas políticas públicas, no caso, por exemplo, da falta de água.

Existe todo um conjunto de fatores que faz com a vida em lugares como a TI Dourados seja terrível para boa parte das famílias indígenas. Os jovens se revoltam com essa falta de condições de vida. Estão perto da cidade, os brancos lhes esfregam no nariz a riqueza que acumulam a partir das terras que tomaram de seu povo. E, como tem acontecido com jovens das periferias nos shoppings em São Paulo e no Rio, se eles vão tentar consumir, um pouco que seja, frequentemente são discriminados. A escola ajuda a disseminar padrões de comportamento e consumo que são incompatíveis com a vida rural e a cultura indígena. Muitas igrejas evangélicas, em vez de pregar o amor de Cristo, pregam o ódio e o medo, incentivam os próprios indígenas a desprezar suas práticas ancestrais. A revolta é tão grande que muitos jovens têm se inspirado no rap feito na periferia de São Paulo para expressar o que sentem. Em suma, essa é a tragédia coletiva dos Kaiowá e Guarani que nós, brasileiros, ajudamos a construir, voluntária ou involuntariamente (PIMENTEL apud KAIOWÁ..., 2014).

Pimentel (KAIOWÁ..., 2014) acredita ainda que a maior contribuição para aumentar conflitos é, principalmente, a não política indígena, ou seja, a omissão dos

governos, seja federal, seja estadual ou municipal. Diante desse cotidiano e da realidade local, “invisível” de indígenas, o jovem torna-se um protagonista desse processo histórico exercendo sua emancipação social:

Desse contexto de invisibilidade construída e de exclusão socioeconômica, a partir do início da década de 1990 surgiram novos atores sociais – jovens, principalmente negros, moradores da favela – que começaram a organizar novas respostas à pobreza, à violência e à segregação. Entrando na esfera pública por meio de organizações próprias, eles desafiaram radicalmente e transformaram o modelo tradicional de organizações não governamentais. Utilizando vozes e experiências de vida em sua maioria ausentes dos movimentos sociais tradicionais, e sem medo de parcerias e de ações não convencionais, essas organizações começaram a mudar a posição e a importância política das populações das favelas (JOVCHELOVITCH, 2013, p. 23).

Para resistirem às pressões sociais, culturais, por causa da proximidade da Reserva com o município, segundo Limbert (2009, p. 172), os indígenas mais velhos transmitem os ensinamentos aos mais jovens que têm como responsabilidade a manutenção da sua cultura e têm como projeto de vida chegar ao “Teko Marangatu” (jeito de ser sagrado), “onde nenhuma esfera do cotidiano está desvinculada” a esse sentido. E, enquanto sofrem com o preconceito racial, “a língua é sua trincheira cultural. É por meio dela que mantêm sua unidade e, por que não dizer, sua identidade” (LIMBERT, 2009, p. 173).

Para os indígenas falarem sobre seu cotidiano e para que os nãos índios possam entender a realidade das Reservas é, no entanto, necessário falar o português. Além, por exemplo, nas questões de sobrevivência, como no fato de buscarem trabalho ou terem de comprar alimentos ou vender (no caso do milho e da mandioca) fora da Reserva, o que torna o segundo idioma uma necessidade para serem compreendidos. Os Guarani- Kaiowá, além de serem a segunda maior etnia do país (43,4 mil), ficando apenas atrás dos Tikúnas (46 mil), é também o segundo tronco linguístico, mas pelo Censo Demográfico de 2010, elaborado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pelo menos 70% dos indígenas no país falam o português. Também, segundo o Censo (BRASIL, 2012), os indígenas nas áreas rurais e em terras indígenas são predominantemente jovens.

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