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Atividades de Comunicação na Reserva

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Capítulo III – “ALDEIA UNIDA MOSTRA A CARA” NO HIP HOP

1. Atividades de Comunicação na Reserva

Reconhecer que outros mundos são possíveis dentro da realidade indígena é também enxergar práticas cotidianas que conseguem levar esse olhar a uma reflexão dentro e fora da reserva. A comunicação e as novas possibilidades de ações diante da imagem, por vezes considerada negativa, é uma prática que revela novas experiências dos indígenas, com a propagação do uso da internet e das formas de pensar, principalmente, entre os jovens. Para o pensador das sociedades conectadas em rede, Manuel Castells, quando o processo de comunicação ainda induz uma ação e uma mudança coletiva, prevalece o que ele considera (2013, p. 158) uma emoção positiva: “o entusiasmo”.

Para o autor (2013, p. 14), “os seres humanos criam significado interagindo com seu ambiente natural e social, conectando suas redes neurais com as redes da natureza e com as redes sociais”. E essa constituição de redes é guiada pelo ato da comunicação, que ele afirma ser o processo de compartilhar significado pela troca de informações. O autor lembra ainda que um fator de mudança no domínio da comunicação foi a “autocomunicação – o uso da internet e das redes sem fio como plataformas da comunicação digital” (CASTELLS, 2013, p. 15). O contrapoder, ou seja, alterar relações de poder, nesse caso, romperia interesses e valores ao mesmo tempo que resistências e mudanças sociais. No caso dos sujeitos:

Os atores da mudança social são capazes de exercer influência decisiva utilizando mecanismos de construção do poder que correspondem às formas e aos processos do poder na sociedade em rede. Envolvendo se na produção de mensagens nos meios de comunicação de massa e desenvolvendo redes autônomas de comunicação horizontal, os cidadãos da era da informação tornam-se capazes de inventar novos programas para suas vidas com as matérias primas de seu sofrimento, suas lágrimas, seus sonhos e esperanças. Elaboram seus projetos compartilhando sua experiência. Subvertem a prática da comunicação tal como usualmente se dá ocupando o veículo e criando a mensagem. Superam a impotência de seu desespero solitário colocando em rede seu desejo. Lutam contra os poderes constituídos identificando as redes que os constituem (CASTELLS, 2013, p. 18).

Na Reserva de Dourados, foi justamente um grupo de jovens que, segundo Otre (2008, p.92), acreditou (entusiasmo) em sua capacidade de contribuir com a Reserva,

acreditou no poder da comunicação e devido também ao acesso à internet, criaram a AJI (Associação de Jovens Indígenas), ao iniciarem a produção de jornal, blog, fotografias e documentários. Na reserva, também foi criada uma rádio comunitária, mas logo foi extinta (OTRE, 2008, p. 95). As atividades de comunicação citadas eram impulsionadas pela ONG GAPK (Grupo de Apoio aos Povos Kaiowá), sendo que, antes disso, a comunicação era realizada apenas face a face, já que as informações se limitavam as lideranças.

Pereira (2012, p. 20) afirma que a Reserva de Dourados é marcada, sim, por relações mais ou menos frequentes entre seus moradores, articuladas por relações sociais, matrimoniais, materiais ou simbólicas, dentro de um sistema multiétnico. Nesse sentido, é necessário distingui-las de comunidade, já que, diferente do que foi apontado anteriormente, o autor acredita não se tratar de uma interação face a face devido ao número de habitantes ultrapassar os 12 mil. Já com relação ao entorno, seja local, nacional ou até mesmo internacional, é proporcionado tanto pela circulação de pessoas quanto pelo acesso à mídia ou à internet, tornando possível a “incorporação constante de novos materiais culturais” (PEREIRA, 2012, p. 24). Pereira aponta como exemplos os cantores de rap, grupos religiosos e até mesmo as gangs de usuários de drogas chamadas de “malucos”, sendo, então, um desafio às lideranças e ao poder público desenvolver políticas públicas que deem conta dessa complexidade.

A reserva é, portanto, “muito conhecida na mídia por apresentar graves problemas sociais, falta de espaço físico, superpopulação, índices elevados de violência, falta de acesso à educação de qualidade, água potável, entre outros” (PEREIRA, 2012, p.22), portanto, sendo comum a figura indígena ser representada na forma de espetacularização.

Pouco recurso para esta área também “dificulta o reagrupamento das comunidades e o engajamento dos parentes na luta pela demarcação da terra” (PEREIRA, 2010, p.119). As situações em que não são alcançados resultados positivos pelos capitães, as lideranças costumam buscar apoio em valores religiosos, como em caciques, rezadores ou pajés. A bibliografia guarani seria um traço distinto dos Kaiowá, porque possibilita a comunicação entre os homens e outros seres em planos de existências diferentes em que só os xamãs conseguem situar. É o que diz o autor:

A comunicação xamânica é uma espécie de superlinguagem, permitindo a comunicação dos homens com seres situados em outros planos cósmicos: havendo comunicação há também relação, e esta pressupõe a comunicação. De certa forma, a linguagem xamânica é uma linguagem não humana, seu uso se restringe à comunicação com “os de cima”, ela não serve para veículos de

informações entre as pessoas na convivência diária (PEREIRA apud MOTA, 2011, p. 152).

Passando pela questão religiosa e pela história da extinta rádio comunitária, Otre (2008, p. 102 e 103) destaca, primeiramente, as oficinas de cinema na reserva que resultaram em vídeo denúncia, contrapondo fatos noticiados pela imprensa douradense com a versão dos indígenas, além de uma história de ficção. Depois, as oficinas de fotografia, que têm como destaque o livro “Nossos Olhares”, o qual mostra um ensaio fotográfico produzido por seis indígenas revelando como eles se enxergavam e como enxergavam seu cotidiano. Na internet, a autora destaca o blog da AJI (Associação de Jovens Indígenas) no ar desde 2006, o agindo.blogspot.com, o qual os jovens utilizam para postar comentários, notícias, críticas, mitos e lendas (OTRE, 2008, p. 114) até chegar, então, no Jornal AJIndo (Ação dos Jovens Indígenas de Dourados), visto pelos indígenas como uma alternativa para solucionar problemas emergenciais da reserva (2008, p. 133).

É interessante notar que a pesquisadora aponta uma fala da Maria de Lourdes Alcântara, antropóloga fundadora da AJI, em que relata o entusiasmo indígena sobre o jornal: “Lou, vamos mostrar quem somos” (2008, p. 134), o mesmo encontrado nas letras de rap, como no caso da música do grupo Brô MCs, Eju Orendive, em que cantam: “aldeia unida mostra a cara”. Entre os assuntos mais tratados no jornal, há também uma aproximação com o recorte das músicas do Hip Hop indígena, como preconceito, descaso, violência e lazer, como veremos a seguir. Uma curiosidade é a mistura até mesmo de outras nacionalidades nesses acontecimentos.

As universidades em Dourados têm papel relevante no desenvolvimento de projetos nas reservas Jaguapirú e Bororó. A Unigran (Centro Universitário da Grande Dourados), por exemplo, desenvolveu o “Comunicação popular entre jovens indígenas de Dourados: mobilização pela segurança alimentar e nutricional da comunidade” 5(2011) na Jaguapirú e optou por trabalhar com a produção de uma mostra fotográfica, spots para rádio e carro de som e, por fim, produção audiovisual. Foi entendido que, de acordo com a realidade local e o tempo de duração, não seria possível trabalhar com fanzines, jornais murais, panfletos, folders etc, para divulgar informações sobre segurança alimentar e

5 O projeto foi realizado pela universidade em 2011, no Núcleo de Atividades Múltiplas – NAM- por meio de oficinas de motivação, nutrição, desenho, fotografia, radiojornalismo e telejornalismo, com alunos e professores das Escolas Guateka e Pa´i Chiquito.

nutricional com qualidade para os indígenas. As peças audiovisuais iriam mais ao encontro da característica da oralidade. Talvez tenha sido essa oralidade o motivo também de ser alvo do Programa de Extensão “Vídeo e Comunicação: saberes e fazeres do nosso cotidiano na educação escolar indígena”, desenvolvido em parceria entre a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal Fluminense (UFF) e Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI). A tentativa era de formar e fortalecer coletivos de comunicação indígenas para o desenvolvimento por meio dessas produções.

As problemáticas trazidas a campo pelo uso de tecnologias de comunicação por populações de tradição oral são dadas tanto pelo fato de que as tradições orais não operam como assertivas, como modelo de comunicação pautado pela informação, quando porque se tratam de regime de autoridade – de onde emana a verdade – muito diferenciados. As apropriações dessas tecnologias acontecem em um contexto em que tais regimes de verdade ocorrem (KLEIN, 2013, p. 94 e 95).

Uma conquista ainda para os Guarani e Kaiowá, em 2012, que gerou expectativas para outros projetos e que também foi considerado um marco para a Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) e para os professores indígenas, foi a instalação da Faculdade Intercultural Indígena (FAIND)6, na expectativa de que novos projetos de extensão fossem desenvolvidos no local. Foi, inclusive, dentro de uma universidade, a UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), que os professores indígenas tiveram o conhecimento do que se tratava o hip hop, como veremos a seguir.

É por meio das entrevistas, a partir de agora, que identificaremos as variáveis que interligam os jovens indígenas e o Hip Hop como prática comunicacional na reserva. É importante destacar que o foco deste movimento e estudo são os jovens, não deixando de levar em conta que os adultos sofram consequências de alguns confrontos culturais. Para isso, os entrevistados serão divididos em quatro categorias, diante da confidencialidade que envolve anonimato e alteração dos dados que identificam o participante, ou seja, os entrevistados.

Importa lembrar que, como visto na introdução deste trabalho, a seleção dos participantes das entrevistas foi dirigida com objetivo de ajudar ao entendimento da questão de pesquisa, portanto os sujeitos escolhidos são aqueles que mais poderiam contribuir com o projeto. A escolha das lideranças, que respondem pelos indígenas, foi

6 Foi instalada na UFGD após a Portaria nº 435 de 21 de maio de 2012, publicada no Diário Oficial da União em 29/05/2012. Os cursos oferecidos são de graduação (licenciatura) em Teko Arandu e em Educação do Campo, além da especialização em Educação Intercultural.

baseada no modelo direcionado por meio da Funai (Fundação Nacional do Índio). Segundo a Funai, na reserva existe uma pluralidade de lideranças, sejam elas reconhecidas pelo coletivo maior ou apenas por algumas famílias. Por isso as entrevistas foram realizadas com representantes dos principais seguimentos, totalizando seis indígenas entrevistados, entre lideranças tradicionais, capitães, caciques e rezadores.

Fizeram parte das entrevistas também dois professores, um representante do grupo Brô MCs e um representante dos Jovens Conscientes, além de mais dois jovens da reserva que não fazem parte da formação desses grupos, mas participaram das oficinas de hip hop realizadas pela CUFA (Central Única das Favelas). Todos os entrevistados são Guarani-Kaiowá das reservas Jaguapirú e Bororó. E, por último, foi entrevistado um representante da CUFA em Mato Grosso do Sul. No total, portanto, de 13 entrevistas.

Esses entrevistados foram divididos em: O (Organização), O1 que representa a CUFA; L (Liderança), que representam as lideranças tradicionais, capitães, caciques e rezadores, sendo então, L1, L2, L3, L4, L5 e L6; E (Educação) dos professores, portanto, E1 e E2; e J (Jovens), em que os entrevistados foram os jovens dos grupos de rap e os participantes das oficinas, J1, J2, J3 e J4.

Como a entrevista pode gerar constrangimentos, optamos por não identificar os entrevistados com nome verdadeiro para protegê-los e para evitar possíveis danos atuais e futuros nas relações com as comunidades. Essa confidencialidade envolve anonimato e alteração dos dados que identificam o participante. A confidencialidade garante, ainda, maior aceso à informação.

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