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Comunicação

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Capítulo III – “ALDEIA UNIDA MOSTRA A CARA” NO HIP HOP

7. Comunicação

E2 relata que a comunicação acontece não só dentro como fora da reserva, como nas viagens feitas pelo Brô para vários estados brasileiros e também em reuniões locais, como nas casas dos integrantes ou parentes. Para E2, na grande mídia e pelo fato de “ser indígena e começando agora eles não têm tanta oportunidade de expressar aquilo que está dentro da aldeia”.

FIGURA 12

A voz indígena é a voz de agora

Fonte: Divulgação / Clip

Sobre a questão da comunicação, E1 pensa que na divulgação das músicas, que retratam os indígenas, falantes da língua tradicional, nas aldeias o que chegou primeiro foram as composições em língua guarani para depois serem transcritas para o português. O que chamou atenção de E1 foi justamente o sentimento da luta pela terra, do preconceito enfrentado retratados nas letras: “que eles gritam, né. Porque me olham e não enxergam a gente desse jeito”. E1 nota que os próprios indígenas, como não se

familiarizam com o estilo, tendem a desprezar ou não querer aquilo na reserva, porém ela vê o hip hop como alternativa.

Nós temos jovens ai que se desbandam da escola. Toda essa questão de que vão para o mundo das drogas. E a gente fica feliz quando muitos deles estão ai tentando fazer outra coisa e que tenha, apesar de ser um estilo que não é próprio nosso, da nossa cultura, mas que eles usam isso como uma forma de poder se expressar. E que fizeram e estão tentando fazer de uma forma como a identidade própria. E é o que me chamou atenção. Eu sei que eles tem vários pontos que a gente pode falar assim que eles podem copiar vários estilos, como ali nas letras que a gente conhece, que a gente ouviu, eu vi esse ponto positivo. E a questão da língua mesmo que eles utilizam, né. O próprio idioma indígena ali. E que fica bem interessante. Acho que é um ponto que ajuda, assim.

7.1 “Você não sabe”: mídia e comunicação

O1 afirma que a música acaba dialogando com os meios de comunicação, tanto os tradicionais como os mais alternativos, que ele chama de “undergrounds”. O principal precursor seria a internet, que “pulveriza” os materiais. O1 lembra também que a comunicação sempre foi o forte da CUFA e esse importante trabalho da organização não mudou a relação dos membros dos grupos, mantendo o equilíbrio das relações, mesmo com a exposição midiática, viagens, etc.

Para J1, a comunicação entre os jovens indígenas não mudou, mas sobre os meios de comunicação, ele afirma ter acesso às informações indígenas pela TV que os próprios indígenas criaram. Na verdade, ele está se referindo a um canal no You Tube, o Canal Guateka, que, segundo a descrição da página no facebook, é Canal Guarani, Terena e Kaiwoá de Mato Grosso do Sul. Trata-se de uma iniciativa dos jovens indígenas das aldeias Jaguapiru e Bororó, Yann Gross, Anne-Cécile Leyvraz e da CUFA Dourados. Fora isso, alguns repórteres fazem visitas à reserva para conhecer o trabalho deles. J2 acredita que o hip hop seja uma forma para se defender:

Quando tem uma informação na internet falando sobre indígena a gente vai lá e põe para assistir, entendeu. Quando passa na televisão, a gente escuta bem o que fala. Se é assim mesmo, entendeu. Tem vez que a mídia, uma vez aconteceu na Bororó, quando a gente morava ainda para lá. Era uma outra história, eles jogaram uma outra conversa em cima disso daí, entendeu.

Dessa história, eles fizeram uma música. A letra, J2, afirma: "você não sabe". Seria referente ao que a mídia não vê, não enxerga dentro da reserva. J3 acredita que em muitas situações, o índio não consegue falar: “então o hip hop pode falar por nós ae,

cantando e mostrando o que o índio guarda há muito tempo. Que é de falar que sofre muito preconceito, essas coisas. Como comunicação, creio que é isso”. Para ele, o acesso às mídias se dá pela internet, como quando ouvem rádio. O jovem acredita, porém, que o acesso é restrito: “a mídia, muito não, dessas mídias ai que é cabulosão não tem, mas dessas mídias pequenas nós tem sim”. J3 também ressalta essa restrição e a imagem negativa:

Não, porque eu acho o seguinte. A mídia só lembra, e olha só se lembra, no dia 19 de abril. Eu creio que é isso, qualquer rádio. A mídia não fala coisas boas de nós. Se vem para filmar qualquer coisa, só vem para filmar o que rolou de tão feio. Não que se vê a mídia filmando nós jogando racha, racha é futebol, o índio dançando ou rezando, eu creio, creio que não, pelo que não vi. Só tem os documentários que ele faz.

Serem lembrados apenas em datas comemorativas significa que estão invisíveis nos demais dias e assim como os problemas que se passam na reserva. O rap, então, torna- se um instrumento para a memória indígena. Já dizia Bhabha (2001, p. 39) que “a violência racial é invocada através de datas históricas”. Com bases na ideia do autor, o intelectual nativo que identifica o povo com a verdadeira cultura “pura” ficaria desapontado, já que o povo é agora é o princípio da “reorganização dialética”, constrói sua cultura inspirado em modernas tecnologias de informações, linguagens e vestimentas, pois “o novo lugar de enunciação político e histórico transforma os significados da herança colonial nos signos libertatórios de um povo livre e do futuro” (2001, p. 68).

O jovem J2, anteriormente, mostrou que o grupo Brô MCs escreveu uma música também falando sobre como os índios são retratados fora da reserva. No entendimento de L1, quem é de fora da reserva e atua dentro dela não sabe a realidade do indígena, assim como a mídia.

Nós que estamos aqui dentro, nós é que vivemos e sentimos na pele o que está faltando para o nosso jovem hoje em dia. Então, o que a gente quer. Que sempre venha aqui na nossa aldeia, que tenha mais comunicação com a liderança. Buscar mais contato, parceria, para gente tá passando isso. Para não sair um anúncio lá fora totalmente distorcido, né. Então, isso é que é a preocupação nossa aqui dentro da aldeia. A gente vê muito hoje em dia a mídia divulgar uma coisa que muitas vezes não é verdade. Então, isso é preocupação nossa muito grande aqui dentro da aldeia.

Para L2, o hip hop pode até servir de comunicação, mas a tentativa não deu muito certo.

Foi até na Xuxa, foi ridicularizado. Você pode analisar, eles estavam indo tão bem que foram até na Xuxa, chegou na Xuxa parou. Tomou aquele choque, veio para sua aldeia e apagou. O papel do Brô, assistindo, nós achemos que ia ser uma saída para os jovens, se comunicar, se integrar, para melhor e se divulgar, mostrar a realidade do indígena através da dança, do modo de vida, mas foi um baque.

Bauman (2005, p. 104) lembra que muitas pessoas tiveram o acesso negado à versão real dos fatos e a mídia oferece uma “extraterritorialidade virtual” substituta ou imaginada. O efeito é a admiração, por exemplo, do heavy metal para o rap, culmina no “mesmo inimigo público (global), temem o mesmo vilão (global) ou aplaudem o mesmo salvador (global)” e, por algum tempo, isso os eleva espiritualmente do chão, em que não lhes é permitido mover-se fisicamente. Quando desligam a televisão, portanto, vão, a partir da música, negociar sentidos.

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