• Nenhum resultado encontrado

Educação

No documento Download/Open (páginas 107-111)

Capítulo III – “ALDEIA UNIDA MOSTRA A CARA” NO HIP HOP

6. Educação

Pimentel (1999, p. 112) acredita que, ao contrário do que muitas vezes parece ao espectador da grande mídia, a ética e as ideologias relacionadas ao hip hop oferecem bons ganchos aos professores para abrirem diálogos com os alunos. E com os indígenas, o que lhes reserva?

Os professores entrevistados relevam o quadro dos jovens na educação de hoje na reserva: afastam-se da escola por necessidades, às vezes, bem mais cedo, com 13 anos, na busca de sonhos e para ter sua própria renda. Principalmente com a proximidade do centro urbano, das influências, como no fator tecnológico, procuram outras alternativas que os afastam do ensino. A vulnerabilidade também se dá, de acordo com E119, pela questão familiar. Algumas famílias, segundo relata, perderam “essa coisa de estar juntos”, e completa dizendo que “a escola, eu acho que teria um papel muito importante também acaba falhando nesse momento”. Para E220, há pouca opção de trabalho, há resistência à escola, mas, por isso, aos poucos, um bom número dos jovens adquirem consciência e estão conseguindo estudar. Esse despertar foi gerado, segundo ele, devido à realidade indígena na reserva de Dourados. Ele também acredita que a proximidade da cidade,e o uso de tecnologias, a mídia, influenciam, porém que se formar, atualmente, é um tipo de

status.

Hoje prioriza-se mais na questão da educação, que é uma luta, né, para ser ocupada pelos indígenas que são formados, né. Então, de uma certa maneira, os indígenas formados tanto na educação quanto na saúde, mais na educação, então de uma certa maneira, assim, eles tem uma posição ai mais de destaque e influência dentro da aldeia, né. Então isso ai também tem influenciado, eu acredito, tem sido influencia para eles, e, então, eles também querem sair algum dia ai e ocupar uma posição de destaque entre aspas e também para poder contribuir aqui, para o bem da aldeia.

A política atual tem permitido uma melhora e uma facilidade na vida dos trabalhadores, de acordo com E2, para terem seus veículos, moradias, o que conquista os

19 Em entrevista concedida à autora no dia 01 de março de 2015. Lembramos que os entrevistados não são identificados pelo nome, para conservar o anonimato. Repetimos as siglas adotadas para facilitar a leitura. 20 Em entrevista concedida à autora no dia 01 de março de 2015. Lembramos que os entrevistados não são identificados pelo nome, para conservar o anonimato. Repetimos as siglas adotadas para facilitar a leitura.

jovens. A evasão escolar se dá por não atender à realidade do indígena, o que tem sido discutido dentro do ambiente educacional. Os professores debatem em como atender à demanda, às especificidades dos jovens indígenas:

ai entra um conjunto de coisas, tanto a parte didática, a parte do conteúdo, a parte administrativa tudo, então às vezes o jovem se sente assim não...a escola para ele não atende a realidade dele, então torna se ai aquela coisa obrigatória que não atrai ele, né. Que não tem um curso profissionalizante. Depois ele pode até terminar, mas não tem um encaminhamento para frente. Então, ai essas coisas acaba também tendo, vamos dizer uma certa influência negativa que às vezes ele prefere sair, né, de casa, da escola, para ir trabalhar, porque a escola não dá esse suporte ai para ele, 100% para ele ter interesse.

O conceito de capital cultural de Bourdieu (1964), importante para explicar desigualdades diante da escola e da cultura, propõe a se compreender que o pior desempenho desses grupos na escola serve à estrutura de dominação vigente na sociedade (CUNHA, 2007, p. 514). Seria o capital cultural o elemento da herança familiar que tem maior impacto no destino escolar, tornando-se parte integrante da "pessoa", um habitus, ou seja, um conhecimento.

6.1 O hip hop colabora com a educação?

Percebemos que o conhecimento (educação) está muito presente na fala indígena. E1 vê que algo torna-se interessante desde que a pessoa saiba o objetivo daquilo e a importante, nesse caso, avaliar a formação dos jovens. E1 analisa, então, que há uma formação familiar nesses grupos, como podemos citar a conhecida Família Verón, presente no Brô MCs, como uma das mais importantes no cenário de Mato Grosso do Sul. Os conflitos, segundo Brand (2004, p. 142 e 143), “aumentam nos casos nos quais encontram-se envolvidos grupos familiares que já passaram por um longo processo de dispersão e fragmentação e, em diversos casos, com pouca participação na história daquela aldeia em disputa”.

São alguns jovens, eles já tem uma certa convivência com as lutas, né. Com as lutas que teve das suas famílias, que foram representantes, grandes líderes, do movimento da luta indígena, em prol da terra, em prol de outras causas, dos direitos nossos, então eles tem essa bagagem, então eles conseguem fazer essa junção, né. Não deixando aquilo que ele é e sabendo fazer uso de algo assim que o jovem gosta, que é a música, que é esse estilo musical, né. Que atrai e eles conseguiram (E1).

A respeito da identidade regional ou étnica, Bourdieu (1989, p. 112) alerta para as ilusões ou incoerências delas. Não se deve esquecer, por exemplo, que na prática social os critérios da ciência são baseados em representações mentais, em coisas ou atos. Não há, para o autor, sujeito social que possa ignorar as propriedades simbólicas, mesmo que negativas. Na luta a respeito dessas identidades ligadas ao lugar e sinais, como a língua, está em jogo o poder de impor uma visão de mundo (cosmologia) por meio de uma divisão, uma descontinuidade da ordem natural, que reflete a realidade da identidade desse grupo. Ao falar publicamente ou oficialmente sobre determinado assunto, o sujeito o consagra, o sanciona. As regiões são delimitadas por critérios, como já citado pela língua, mas essa fronteira no sistema escolar pode produzir diferenças culturais ao mesmo tempo em que é produto desta.

O discurso regionalista, para Bourdieu (1989, p. 116), tem em vista impor como legítima uma nova definição das fronteiras e fazer reconhecer a região (até então desconhecida) contra a definição dominante que a ignora. As primeiras vítimas das ideologias reacionárias da terra e sangue, diante do contexto histórico, foram obrigados a criar, segundo o autor (p. 126), a terra e a língua para servirem de justificativa à reinvindicação de identidade, bem como de resposta à estigmatização que produz o território da qual ela é produto. Se não fosse isso –a distância econômica e social, como também a privação de capital –, diante da diáspora centrípeta, não seria necessário hoje reivindicar sua existência.

Em resumo, o mercado dos bens simbólicos tem as suas leis, que não são as da comunicação universal entre os sujeitos universais: a tendência para a partilha indefinida das nações que impressionou todos os observadores compreende-se se se vir que, na lógica propriamente simbólica da distinção – em que existir não é somente ser diferente mas também ser reconhecido legitimamente diferente e em que, por outras palavras, a existência real da identidade supões a possibilidade real, juridicamente e politicamente garantida, de afirmar oficialmente a diferença – qualquer unificação, que assimile aquilo que é diferente, encerra o princípio da dominação de uma identidade sobre a outra, da negação de uma identidade por outra (BOURDIEU, 1989, p. 129).

E1 enxerga como uma alternativa para “poder gritar” pelo anseio, expor aquilo que ele está sentindo, mas só percebe isso porque eles têm essa “consciência”. Para E1, há uma interculturalidade, uma ponte quando, por exemplo, esses mesmos jovens ainda praticam as danças tradicionais: “a gente valoriza nossa história, aquilo que a gente é. Busca as nossas histórias, as nossas raízes, mas a nossa vida hoje aqui, nesse momento ela tem outras coisas que a gente tem que saber lidar”.

Só há diferença socialmente conhecida e reconhecida quando, segundo Bourdieu (1989, p. 144), o sujeito é capaz de reconhecer como significantes, interessantes, com aptidão, para fazer as diferenças que também são consideradas significativas nesse universo. Assim, o mundo social tem acesso ao simbólico que se organiza na lógica da diferença e o espaço social torna-se, simbolicamente, espaço dos estilos de vida, estilos diferentes.

Ao buscar alternativas diante da vulnerabilidade indígena, ao envolver a família, ao buscar a autoafirmação, não desprezando aquilo que ele é, fazendo uso de coisas boas, são ações que farão com que os jovens nunca deixem de ser quem são, segundo E1. Há nas palavras de E1 um sujeito negociador: “ele pode colocar os anseios para fora em uma linguagem fazendo uso dessas tecnologias [...] Tem letra, né. Tem uma coisa tipo consciência. [...] Juntou o estilo com a letra e ainda mantém sua identidade própria, né”.

Questionada sobre a escola na reserva ser bilíngue (português e guarani), E1 explica que a reserva de Dourados é muito complexa e por causa das influências externas (proximidade com a cidade), os indígenas tendem a não valorizar a própria língua, mas existe uma tentativa de discutir um ensino de língua, de forma que ele funcione, fazendo a junção de tudo o que os indígenas têm, mas não deixando de lado quem são.

E2 lembra que a música começou dentro da própria escola, que tem valorizado as apresentações dos grupos, como convidando os grupos para eventos. A transformação, para ele, está na educação:

Então o estudo ele traz, assim, ele traz essa mudança a princípio de consciência e comportamento de que há um jeito, um outro jeito também de, na minha opinião, um jeito também de lutar. Contra a desigualdade, discriminação, o preconceito, é o jeito de lutar pelo direito da terra, utilizar a língua.

Sobre a mistura dentro da reserva, Guarani, Kaiowá, Terena e “branco”, E2 afirma que a língua quase se perdeu, nesse sentido: “então, o hip hop ele também canta em guarani e em português né. Então, na letra fala que para vocês que não entende, vou cantar em guarani”. O estilo do hip hop é enxergado por E2 em outras crianças, portanto, de certa maneira, o hip hop influencia não só no comportamento, mas também na valorização da luta pela língua e pela terra.

No documento Download/Open (páginas 107-111)