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E para as lideranças, qual resultado?

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Capítulo III – “ALDEIA UNIDA MOSTRA A CARA” NO HIP HOP

3. Perfil dos Jovens que participam do movimento

3.5. E para as lideranças, qual resultado?

L1 acredita que o hip hop está “parado” na reserva, mas percebe que expandiu o que ele chama de “evolução”. Ele diz que muitos jovens gostam do hip hop e que, inclusive, escuta as músicas dos grupos indígenas: “eles cantam a realidade da aldeia, sobre invasão de terra, o branco que discrimina”. Ele frisa a necessidade de não deixar a cultura de lado, como no caso da língua guarani. Pelos adolescentes, o hip hop é bem aceito, segundo ele, mas pelos mais velhos a fala é contrária: “muitas vezes os mais amadurecidos já falam, isso ai não é para nós, isso ai não é índio”. Como liderança, ele acredita que o jovem precisa mesmo é de apoio, mas quando ouve a comunidade acerca da aceitação, a resposta é “meio a meio”.

Sobre a concordância ou rejeição, Bourdieu (1989, p. 141) afirma que as características do mundo social são produto de estruturas objetivas de espaço social. A consequência disso é a dos sujeitos aceitarem o mundo como ele é, natural, mais do que

rebelarem: implica na aceitação no sentido de limites, como isso não é para nós, no sentido de distâncias, de marcar, respeitar e fazer respeitar, por isso pode parecer conservador. Está, portanto, no campo político, na luta para conservar ou transformar o mundo social, conservando ou transformando também sua percepção.

Esse tornar público essas opiniões sobre aquilo que permanecia em experiência individual e coletiva na reserva ou considerado por alguns como “tensão”, mal estar, representa, nesse campo político, um poder social na constituição de um grupo e de um senso comum desse grupo baseado nos conceitos de Bourdieu (1989, p. 142). A posição por meio das formas de dizer, bem ou mal, elogios ou insultos, críticas ou congratulações, etc. Há ainda uma linguagem jurídica na forma em que o entrevistado L1 se impõe, baseada em dois efeitos, conforme Bourdieu (1989, p.215), no de neutralização por frases passivas e intrapessoais, bem como de universalização ao enunciar generalidades e um consenso ético.

Brand (2001, p. 71) apresenta o poder das chefias guarani entendido como prestígio, fundamentado na capacidade de falar, convencer, construir consensos internos, tamanho de sua família (extensa de parentes) e sua generosidade.

Para o entrevistado, L2, o hip hop foi um problema, mas acredita na educação como cerne, com a presença do professor na reserva e o ensino sobre o hip hop, explicando para que serve, qual o trabalho, resultando em alunos com notas boas, o hip hop “incluiu [..] de modo muito direto”. Mas o resultado, para ele, é negativo. Há mudanças, pela falta de conhecimento, para o uso da violência. Questionado sobre dados a respeito dessa opinião, ele acredita que não tenha, mas que a maioria da violência é “desses rapaz que usa o estilo hip hop”. Os grupos Brô MCs e Jovens Conscientes não fazem parte desse contexto, segundo ele, mas diz que faltou explicação de como os indígenas poderiam “seguir o hip hop”.

Houve mudanças, de acordo com L2. Ele, vestido de calça jeans e camiseta branca, afirma que o estilo dos mais velhos é o mesmo estilo dele, mas o dos jovens não. L2 justifica a violência na moda:

Então os velhos veem esse tipo de vestes, vejo um rapaz vestido de hip hop e logo vem a minha cabeça que ele é um malandro. Então, na cabeça dos mais velhos é assim, exatamente assim. Ás vezes a pessoa é 100% de bom, mas na nossa cabeça não, porque ele está vestido daquela foram, calçado daquela forma, boné daquela forma.

Uma liderança entrevistada, a L3, destaca que o hip hop não tem dado resultados e que precisa estar longe da reserva: “esses que entrar aqui na aldeia, nós queremos até pegar uma vassoura e varrer e mandar para outro canto, porque não vai”. Nessa batalha por suas posições, na luta simbólica pela produção do senso comum, como por uma posição explícita, os agentes, como as lideranças indígenas, vão investir em seus capitais simbólicos, de lutas anteriores ou poderes propriamente ditos por seus títulos, por sua nomeação. São táticas para impor uma posição em uma estrutura como a da reserva.

Todas as estratégias simbólicas de imposições de visões do mundo podem situar- se entre extremos, conforme ressalta Bourdieu (1989, p, 146), pelo insulto, que expõe sua fala podendo ter reciprocidade e a nomeação oficial, imposição simbólica que tem a favor da força do coletivo, operada pelo Estado, monopólio da violência simbólica legítima. Os discursos são carregados de política e, para Bourdieu (1989, p. 159), a política é o lugar da eficácia simbólica. Em todo enunciado há um sujeito coletivo, conforme o autor, por isso seria necessária uma crítica à razão política, dado o abuso de linguagens, logo o abuso de poder.

L4 enxerga mudanças. A começar pela mistura das raças: “É os brancos, tem filhos com brancos, talvez guarani, talvez Kaiowá”. Ela diz que parece que alguns indígenas

não querem ouvir que ajudou sim, e com o lançamento do CD vai ajudar, mas não é como seus costumes: “esse hip hop que a gente vê até agora está indo bem, mas ele não igual é que trabalha na cultura com a reza [...] como cacique, Ñande Su e Ñande Ru, é o pai de todo mundo, a mãe de todo mundo”. O que a liderança percebe é que o hip hop tirou muitos jovens do caminho “ruim”, mas o Ñande Ru (Nosso Pai) também está a livrar indígenas da bebida alcoólica, da rua, por meio da reza.

L5 disse em entrevista que não conhece a droga, mas que tudo começou com a entrada do “branco” na reserva: “desde que entra essa branco, agora fala evangélico, desde que entrar, entra essa droga também, né”. A liderança afirma achar boa a entrada do hip hop, no entanto é necessário conversar com os jovens, saber quem gosta e quem não gosta.

L6, por sua vez, espera que o hip hop seja uma das alternativas, já que existem vários outros tipos de ensinamentos e várias formas de viver que evitam a entrada no mundo da criminalidade, mas destaca que é necessário o preparo, seja por meio de autoridades ou de quem cuida do índio, como no caso da Funai. A falta de oportunidades é o que o preocupa, é o que leva os jovens a outras situações, como o da bebida, quando na reserva o ensinamento sempre foi o próprio da cultura, da caça, do rio, entre outros.

Se o jovem fica desocupado, na visão da liderança, é mais fácil ir atrás de bebidas, e os jovens mais próximos seguirem o mesmo caminho.

A proximidade com a cidade é algo que interfere. O entrevistado L6 revela que os jovens estão se aproximando de uma cultura que não é a deles, e que há falta de apoio dentro da reserva para que eles possam traduzir (ensinar, passar o conhecimento adquirido), o que interfere até mesmo na vontade de falar o próprio guarani ou ter vergonha de suas origens. É nesse momento que, no pensamento de L6, o jovem se perde, quando há essa mistura. Isso poderia ser evitado se o conhecimento fosse passado dentro da própria reserva:

Porque ele pode ter os rezador, Ñande Ru, os lideranças, os caciques, pode traduzir aquele que ele aprendeu lá fora, lá ele se formou na faculdade, sempre ele anota pessoas. Hoje é pouco que faz faculdade, mas aquele que saiu, passou, para ele voltar, para trabalhar aqui dentro, ou seja, para traduzir, para viver como indígena mesmo, ele tem vergonha. Então, é isso que faz falta.

L1 também lembra esse fato quando afirma que, além de não ter projetos para ocupar os jovens, muitas vezes eles estudam e, pela falta de apoio, “vão saindo”, vão trabalhar na cidade, fazendo serviços pesados, como pedreiro e servente, como no exemplo do jovem J3, ao invés de ter investido na reserva:

Porque hoje já temos pessoas formados, né. Pessoal na área da saúde, da educação, indígena mesmo, falante da língua. Né. Então, eu praticamente, sempre incentivo os jovens. Vamos estudar, a gente quer vocês aqui na escola, a gente quer vocês no Crás, a gente quer vocês aqui. Trabalhando para a comunidade, porque nós sabemos da realidade nossa, aqui da aldeia. Tem pessoas que vem, mas eles não sabe. Vem muitas vezes lá de fora e quer jogar em cima da comunidade, como se fosse lá fora, né, um branco. Então é isso que preocupa nós. Então, eles tem que ouvir nós. O que nós queremos dentro da nossa aldeia. Junto com os jovens, com as mães, com os pais, o que a gente quer para os jovens hoje em dia.

Podemos entender que esse “traduzir” também é uma troca de culturas.

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