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CAPÍTULO 2: DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

3.2. AS RAÍZES DO TERCEIRO SETOR

3.2.3. A SSENTE CIENTÍFICO SOBRE O TERCEIRO SETOR

A partir dos anos oitenta o conceito do terceiro setor tornou-se cada vez mais assente por cientistas políticos e sociólogos que buscaram conhecer quais as funções dessas organizações democráticas e como elas poderiam cumprir seu papel nas economias de mercado (Lévesque et al., 2001). Neste sentido, a sociologia percebe o terceiro setor como veículo para a integração, participação e estratificação social, enfocando especialmente o engajamento cívico e, portanto, no nível micro da atividade individual (Laville, 2003). Assim os sociólogos estão interessados no potencial das OTS porque percebem-nas como alicerces de meios sociais por fornecerem ferramentas para a integração social, portanto, como transmissores de valores e normas a sociedade Carvalho Ferreira, 2007d).

[…] a sociologia económica, enquanto objeto científico dotado de conteúdos singulares e de fronteiras próprias, pode ser definida como a ciência que estuda as atividades económicas de produção, distribuição, troca e consumo de bens e serviços incrustados em estruturas sociais e relações sociais. […] o terceiro setor é um campo de atividade económica que procura adaptar-se e reagir às pressões da concorrência e da competição, geradas pela regulação do Estado, do mercado, da economia informal e da economia doméstica. De outro, é um setor que procurou, historicamente, constituir-se como uma alternativa ao Estado e ao mercado e que, hoje, procura novamente reconstruir essa missão, impulsionado que é pelas mudanças profundas em nível da organização do trabalho, da produção, da distribuição, da troca e do consumo de bens e serviços com características imateriais (Carvalho Ferreira, 2007d:1-4).

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O terceiro setor é uma esfera intermediária entre o mercado e o Estado, segundo os estudos do anglo-saxão James Douglas que, em 1983, publicou Why Charity? the case for a Third Sector. No raciocínio deste autor as instituições, como universidades, instituições de caridade, sindicatos, e as missões religiosas são um resultado lógico das limitações da economia de mercado e da política democrática. Completa Douglas (1983): a ligação entre um programa utópico e o mundo real das organizações. Este setor é exatamente a interação entre uma ideia progressista e o setor privado envolvidos nos diversos domínios políticos que se traduz na capacidade de atração da sociedade civil. Porquanto, apreende Douglas (1987) que, as OTS agem para amenizar os desequilíbrios causados pelo setor público e pelo setor privado, mas não na condição de substituir a participação das organizações capitalistas, tão pouco o papel do Estado. Esse autor baseou os seus estudos na lei da caridade, na economia do bem-estar, na filosofia moral, na teoria política e na história da caridade para criar uma lógica original para o terceiro setor.

Nesta ágora corroboram as investigações desenvolvidas por Salamon (1987) para a linha que propende em defesa do terceiro setor como o fiel da balança entre o Estado e o mercado, respondendo rapidamente as necessidades específicas da sociedade civil. Para Salamon et al. (2000b) as OTS quando comparadas ao Estado se sobressaem com a capacidade de operar bens e serviços na esfera local, ajustando-se as necessidades do tecido social. Por outro lado, segundo os autores, relativo ao setor público e ao privado, o setor da sociedade civil pende pela falta de profissionalismo, insuficiência financeira e pela tendência à filantropia. Explicam Salamon e Dewees (2001) que o terceiro setor não é público, mas tem como objetivo gerar bens e serviços de carácter público, social, económico e cultural no meio em que atua. Ademais, completa Salamon et al. (2000a), as OTS inserem-se em áreas e.g., da saúde, da educação, do trabalho e emprego, dos direitos humanos, do meio ambiente, do desenvolvimento local, etc. Essas áreas são assistidas por organizações não-governamentais, associações e cooperativas sociais, instituições sociais e fundações.

Por conseguinte, anota Defourny et al. (2000), que esta conceção anglo-saxão se volta mais para a denominação de organizações da sociedade civil não lucrativas, i.e., non-profit organisation, nonprofit setor ou independent sector, o que corresponde ao

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que os ingleses denominam como voluntary organizations. Todavia, na noção de outros estudiosos europeus, essas organizações, inclusive as cooperativas e as mutualidades, pertencem, principalmente, a um terceiro sistema, ou a economia social e/ou economia solidária (Laville et al., 2000; CIRIEC, 2000b). Destarte, os estudos sobre o terceiro setor envolvem, de certo modo, uma dificuldade maior quanto à definição do objeto de pesquisa dada a profusão de termos e nomenclaturas empregadas para definir as organizações que diferem do sistema capitalista, i.e., “um espaço de vida social e de trabalho intermediário entre as esferas do Estado e do mercado” (França Filho, 2002:9).

No campo académico, o terceiro setor adquire maior notoriedade através dos diversos estudos publicados pela equipa de especialistas do Comparative Nonprofit Sector Project (CNSP) que firmam, cada vez mais, a expressão nonprofit sector (Anheier e Salamon, 1998; Salamon, et al., 2000a). Estas pesquisas, além de importantes, são influentes e assentam-se nos trabalhos empíricos realizados em abrangência transnacional, através da investigação gerada pelo grupo internacional do CNSP (Salamon e Dewees, 2001, Franco et al., 2006). Nesse contexto, o setor não lucrativo tem os seus elementos analisados sob o prisma histórico, político e filosófico (Salamon e Anheier, 1997, 1998a). Os diversos trabalhos da equipa do CNSP intersetaram informações e listaram algumas teorias económicas que até hoje contribuem para explicar e sistematizar a ideia de organizações do terceiro setor, ou mesmo responder por que surgem as organizações não lucrativas (Salamon e Anheier, 1998b; Salamon et al., 2000b).

Focado sobre as teorias explicativas da emergência das organizações não lucrativas, os estudos do CNSP apontam algumas correntes teóricas que são fundamentais e também são passíveis de serem validadas. Neste âmbito elabora-se uma síntese da proposta das correntes teóricas no campo do nonprofit sector a partir de diversos estudos publicados pela equipe do CNSP cf. Tabela 6, a seguir.

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TEORIA EPÍTOME CORRELAÇÃO ÁREA DE ATUAÇÃO

Heterogeneidade

O nonprofit sector surge para satisfazer uma procura residual não coberta pela provisão governamental nem pelo mercado.

Quanto maior for o grau de heterogeneidade da população, mais importante é o nonprofit

sector.

Educação Saúde Serviços sociais Oferta

O nonprofit sector surge em virtude de empreendedores imbuídos de valores ideológicos, e não capitalista.

A dimensão e a importância do

nonprofit sector depende da

heterogeneidade social, cultural , étnica da população local.

Educação Saúde Serviços socais Teoria da confiança

Em favor de maior e melhor prestação de serviço, o nonprofit sector ganha mais credibilidade no seio da sociedade por não ter como objetivo principal o lucro.

Quanto maior a confiança da sociedade civil nas empresas lucrativas menor o tamanho do

nonprofit sector.

Saúde Serviços sociais

Estado-Providência

A globalização e o progresso industrial aliado a TIC estimulou o movimento para o moderno Estado-Providência. Esse movimento fomentou um novo campo na economia: nonprofit sector .

A dimensão do nonprofit sector é inversamente proporcional a dimensão rendimento per capita.

Saúde Serviços sociais

Interdependência

Pode se estabelecer entre o Estado e o nonprofit

sector, em determinadas circunstâncias, relações

de cooperação. Em princípio, isso ocorre devido aos baixos custos de transação e as OTS antecedem os governos na prestação de bens públicos.

A dimensão das transferências públicas no total dos rendimentos do nonprofit sector tende a ser mais elevado quanto maior for o nível de despesa pública.

Educação Saúde Serviços sociais

Origens sociais

A base que sustenta o nonprofit sector centra-se no regime político de Estado e na estrutura da rede de sociabilidade local . Fundamenta-se no grau em que o tecido societal está

comprometido com o regime político local, bem como, na autonomia da rede de sociabilidade.

A relação entre o volume de despesas governamentais e a dimensão do nonprofit sector sujeita-se ao regime político de Estado.

Educação Serviços sociais Cultura e recreio

Tabela 6. Correntes teóricas no campo do nonprofit setor

Fonte: Elaboração própria a partir de Salamon et al. (2000b) e Salamon e Sokolowski (2004).

Para os autores, a partir deste trabalho, pode-se delinear uma noção clara que suporta as teorias, em especial da heterogeneidade, da confiança, da interdependência e das origens sociais. Por outro lado, Almeida (2004:6) observa que a maioria dessas teorias se originou em contexto americano, portanto, inaplicáveis à realidade europeia. O facto é que as OTS comportam-se de maneira única, e trazem em seu seio características do local onde são geradas, nesse caso, o contexto americano possui diferenças acentuadas e as suas organizações não lucrativas revelam especificidades próprias, díspar do espaço europeu.

O terceiro setor, para Salamon e Anheier (1998c) é, contraditoriamente, uma realidade obscurecida por todo um conjunto de conceitos que escondem a sua existência e indicadores socioeconómicos. Dito de outro modo, uma abordagem ontológica para o terceiro setor eleva-se a partir da necessidade crescente de informações básicas sobre este setor como resultado de um manifesto associativo, uma forma particular de comunicação entre a sociedade e seus diferentes atores. Para Salamon e Dewees (2001)

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trata-se de uma reavaliação da atribuição do Estado e do mercado que está por detrás desse movimento e chama a atenção sobre o papel das OTS. Segundo Salamon et al. (2003), apesar da importância do terceiro setor, no entanto, essas organizações continuam sendo mal entendidas em quase toda parte, tornando-se difícil determinar, por falta de informação oficial, o que são realmente as suas capacidades e quais são os desafios que enfrentam. No entendimento desses autores, esta circunstância deu-se por negligência e/ou a pouca importância dada ao setor. Portanto, as questões substantivas solaparam informações e distorceram dados sobre a estrutura da vida económica das OTS enquanto compreensão mais profunda dos fatores que contribuem para o seu crescimento e/ou declínio. Entre outras razões, os autores anotam, ainda, que em função da diversidade conceptual que sempre caracterizou as OTS, os estudos tenderam mais em sobressair as diferenças do que as características comuns das organizações neste setor. Como consequência desta situação, o setor da sociedade civil, ainda hoje, vê-se prejudicado perante a sua condição em participar de importantes debates políticos. Além disso, é muita vez desafiado e/ou ignorado perante o seu potencial para contribuir para a solução de problemas prementes da sociedade moderna (Salamon et al. 2003: 1).

A premência desta área de pesquisa para a delimitação do conceito do setor da sociedade civil começou a despontar a partir do “Projeto Comparativo do Setor Não Lucrativo da Universidade John Hopkins (CNSP)”102

iniciado em 1980 e dirigido por Lester M. Salamon até os dias de hoje. Com o avanço desta investigação, a partir de

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A realização desse projeto desde o princípio contou com uma equipa multidisciplinar. Foicomposta por especialistas internacionais que ambicionavam conhecer o carácter das OTS e a sua dinâmica socioeconómica em contexto local. Esse projeto, a partir dos anos noventa ganhou maior amplitude e buscou, além de conhecer a dimensão do setor da sociedade civil, também encontrar respostas para a compreensão do como e do porquê dos seus diferentes perímetros. Mais detalhes sobre este projeto –

Johns Hopkins Comparative Nonprofit Sector Project (CNSP) – http://ccss.jhu.edu/ – Mas além do projeto de investigação internacional, essa equipa deu início a um significativo volume de informação científica através da criação de instituições específicas na área, a exemplo da Revista Voluntas:

International Journal of Voluntary and Nonprofit Organizations em 1990 –

http://www.istr.org/pubs/voluntas/index.htm – a seguir, em 1992, a sociedade internacional para a pesquisa na área do terceiro setor – (International Society for Third Sector Research - ISTR) – nasceu com o propósito de tornar público a investigação científica, doravante a educação nos campos da sociedade civil, filantropia, e do setor sem fins lucrativos. A ISTR vem, desde então, empenhada na construção de uma comunidade global de estudiosos e outros interessados dedicada à criação, discussão e o avanço do conhecimento relacionado ao terceiro setor e o seu impacto na sociedade civil local com projeção desse bem-estar e desenvolvimento em âmbito global. A ISTR é constituída por investigadores de todas as partes do mundo e em todas as disciplinas. Mais informações: http://www.istr.org/