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CAPÍTULO 2: DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

3.2. AS RAÍZES DO TERCEIRO SETOR

3.2.1. E VOLUÇÃO DO CONCEITO

Diversos autores assinalam que as raízes históricas que caracterizam as organizações do terceiro setor encontram-se nos países anglo-saxões e associam este setor às entidades filantrópicas e de caridade (Defourny e Mertens, 1999; Ferreira, 2000; Almeida, 2010). Por primeiro, na sociedade inglesa do século XIX, surgiram as instituições de caridade “charities inglesas”. Esse modelo de organização se estendeu aos países de influência anglo-saxão, tendo maior expressividade no século XX com as entidades filantrópicas dos Estados Unidos da América. Essas organizações, na sua essência, são privadas e não distribuem lucros, existem basicamente por meio de doações e voluntariado (Anheier e Seibels, 1990).

O terceiro setor, para Salamon e Anheier (1992) nomeadamente – nonprofit sector –, é formado por um conjunto alargado de organizações autónomas e privadas, caracterizadas por não distribuir lucros para os seus membros. Possui carácter de voluntariado, i.e., os indivíduos possuem livre escolha para participar, ou não, do seu objetivo, missão social e económica. Constituído por iniciativas coletivas, o terceiro setor mobiliza recursos económicos e vínculos de solidariedade dando sentido plural e ativo à cidadania local (Delors e Gaudin, 1979; Defourny e Monzón, 1992). Essas iniciativas, criadas pelo ator social, conduzem mudanças no modo de agir e de pensar as relações entre o Estado e o mercado (Ferreira, 2000; Delors, 2004). São, ainda, organizações que, em contexto do desenvolvimento tecnológico, estão preocupadas com a melhoria da qualidade de vida e com o bem-estar económico e social da população local, aliada à conservação do meio ambiente (Salamon e Anheier, 1998b, Defourny e Pestoff, 2008).

Neste contexto, entende-se que o termo terceiro setor designa formas particulares de organizações, e.g., cooperativas, associações, organizações sem fins lucrativos, sociedades mútuas, i.e., um conjunto de iniciativas privadas de interesse público (Defourny e Monzón, 1992). São organizações que, possuindo enraizamento local praticam atividade produtiva e distribuição de bens e serviços em contexto de

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cooperação e solidariedade mútua (Desroche, 1983). Essas organizações operam sob um certo número de valores, princípios e regras que caracterizam seus processos de decisão, os seus objetivos, a distribuição de excedentes (Defourny e Develtere, 2000). Assim, esse conjunto de organizações reinvestem o excedente dentro de um princípio altruísta com pressupostos de criatividade e inovação, orientados para mudar uma situação social local insatisfeita (Laville et al., 2006). Ademais, esse conjunto de organizações tem em seu âmago uma forte caracterização híbrida de processo social que estabelece um elo entre o desenvolvimento económico, o desenvolvimento social e o desenvolvimento ambiental (Dimaggio e Anheier, 1990, Evers e Laville, 2004). Portanto, por sua natureza, origem e missão, essas organizações estão inclinadas a inovação social e ao compromisso com o DLS (Amaro, 2011).

Para Salamon e Anheier (1998c) o terceiro setor é uma das grandes inovações do século XX. Porquanto o terceiro setor equilibra aspetos organizacionais positivos que estão presentes tanto na burocracia do setor público, como a equidade e a previsibilidade, quanto no setor privado, como a eficiência e a flexibilidade. Desta forma, o terceiro setor difere tanto do setor público quanto do setor privado; do primeiro por inoperância e do segundo por ser dirigido pela obtenção de lucros máximos sem a preocupação da equidade. No entanto, a inovação social pela qual deveria ser reconhecido é, no entendimento desses autores, uma realidade obscurecida por todo um conjunto de conceitos que escondem a sua existência e indicadores estatísticos. Diante disso, apesar da sua relevância, este setor não tem uma definição clara com apoio unanime, é, pois, um setor pouco explorado no contexto social da sociedade moderna o que torna difícil acompanhar a sua evolução.

Amitai Etzioni (1972: 314), quando cunhou o termo terceiro setor, definiu-o como um setor que se localiza na esfera social. Um setor alternativo entre o Estado e o mercado que é preenchido por organizações que são capazes de combinar o espírito empresarial e a eficácia organizacional da empresa de negócios com a orientação do bem comum como da administração pública do Estado. Devido a este entendimento sobre essas organizações, o autor se refere ao terceiro setor como o espaço constituído por “organizações para o futuro” (Etzioni, 1973: 318).

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As primeiras pesquisas de Amitai Etzioni e de Theodore Levitt que abordam o terceiro setor foram realizadas nos domínios dos estudos organizacionais94. Etzioni publicou, em 1972, – The Untapped Potencial of The Third Sector, em que defende uma mudança de orientação da política social do governo americano da época95. Por conseguinte, em 1973, Levitt publicou – The third sector: new tactics for a responsive society, e propugnou as OTS como meios de ação utilizáveis para obter os melhores resultados tanto em empreendimento económico e social, bem como, político.

As primeiras instigações de Etzioni96 e de Levitt em torno terceiro setor são levantadas para saber o que fomentava os indivíduos a associarem-se em forma de organizações não mercantis, e sobre as causas pelas quais tais organizações deveriam formar um setor. Mas também o que conduzia essas organizações em torno da sua eficácia, eficiência e efetividade na oferta de bens e serviços à sociedade civil. Observa- se que Etzioni chegou mesmo a discutir as OTS como uma alternativa negligenciada pelo setor público. Por conseguinte, o autor descreveu iniciativas de bens e serviços executadas por OTS, experiências intermediárias entre o Estado e o mercado, e que, em parceria com o Estado, poderiam garantir a prestação do serviço público com a redução da máquina pública. No argumento de Etzioni (1972:42) isso ainda poderia conduzir a um maior elo e comprometimento por parte dos envolvidos nessas organizações com a qualidade dos serviços prestados. Aduz Lorentzen (2010) que Etzioni e Levitt compartilhavam da mesma inquietação com a fraca legitimidade do mercado, bem como do Estado, como sistemas institucionais de promoção do Welfare State97. Todavia, o principal interesse de Levitt era o aparecimento do terceiro setor como algo inusitado,

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No campo das ciências sociais, a origem das pesquisas sobre as OTS, apesar de surgirem nos domínios dos estudos organizacionais, como é apontado por autores anglo-saxões e francófonos, elas possuem um viés inclinado para a sociologia económica e das organizações (Laville, 2000). Esse viés, também pode ser percebível nos primeiros estudos do sociólogo Waldemar Nielsen, publicados em 1979, The

Endangered Sector, e logo a seguir, em 1980, The Third Sector: keystone of a caring society (Corry,

2010; Lorentzen, 2010; Taylor,2010).

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Cf. http://www.gwu.edu/~ccps/etzioni/A84.html

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Observamos que Amitai Etzioni, muito antes de cunhar o termo Terceiro Setor, em 1961, publicou o livro A Comparative Analysis of Complex Organizations: On Power, Involvement and their Correlates, no qual expressa suas ideias sobre os motivos pelos quais as pessoas se envolvem com associações.

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Explica Sílvia Ferreira (2000: 25), ao fazer referência a Leal (1998: 89), que o termo Welfare State foi usado pela primeira vez em 1941, por William Temple, contrapondo o termo Power State da Alemanha nazi. No entanto, foi Willian Beveridge que, no seu relatório de 1942, Report on Social Insurance and

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uma espécie de contracultura, um desprazer geral com as coisas e valores, como elas são.

Voltando-se à observar as Figuras 6 e 8, no Capítulo 2, percebe-se que a sociedade civil na década de 1970 se deparava em um ambiente de relevantes discussões e transformações ecossocioeconómicas. Ainda nesse cenário, outra linha de pensamento deu relevo ao terceiro setor como um conjunto de organizações ativistas de mudança social e/ou do movimento ecológico cujos procedimentos administrativos internos dessas organizações são também baseados na solidariedade mútua. Na perspetivação de Levitt (1973), incluso de Santos (2002b) o momento propiciava um maior ativismo social incitado pela sociedade civil na formação de organizações e movimentos sociais. Em similaridade, Levitt (1973) e Santos (2002b) anotam que o homo faber buscava por uma sociedade mais justa, e por isso promovia movimentos que açulavam o comportamento do governo, das empresas e das burocracias educacionais para um grau mais elevado. O que Levitt sublinha: “as burocracias são rígidas e não respondem a problemas ordinários humanos e sociais” (Levitt, 1973: 15).