• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2: DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL

2.1. SÍNTESE INTRODUTÓRIA

2.2.2. D EFINIÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O conceito de desenvolvimento sustentável evoluiu significativamente em todo o mundo. Parte da perceção preservadora e orientada à proteção da natureza para uma perspetiva crítica relacionada a várias formas e apropriações dos recursos naturais. Neste sentido, pondera as inter-relações decorrentes dos processos económicos, sociais, ambientais e locais no sentido de sua historicidade e cultura; o que Sachs (2007) percebe como inter-relações decorrentes dos processos ecossocioeconómicos.

Recorda-se que a expressão desenvolvimento sustentável se difundiu na década de oitenta, através de diversos estudos de especialistas amparados pelos trabalhos da International Union for Conservation of Nature (IUCN)20, entre outros. O termo desenvolvimento sustentável é de origem anglo-saxão – Sustainable Development – que no espaço francófono se denomina – Développment Durable. O conceito de desenvolvimento sustentável tem sua definição concretizada com a publicação do relatório Nosso Futuro Comum, no original – Our Commons Future21 –, elaborado no período de 1983 a 1987 pela Comissão Brundtland que o define como …

o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (WCED, 1987: 43).

Pode-se inferir, com base no que foi analisado no item anterior, que o conceito de desenvolvimento sustentável concebe o desenvolvimento sem restringi-lo a um

20

A IUCN já foi anotada na referência 11 deste trabalho. Para mais informações e detalhes sobre a organização e publicações a respeito do assunto em lide, ver: http://www.iucn.org/

21

52 Tese de Doutoramento – Bernadete Bittencourt

singular crescimento quantitativo. Muito mais do que isto, intervém à qualidade das interrelações do homo faber com o ambiente em que vive e que estrutura o tecido societal local, desse modo, com projeção global, de bem-estar e qualidade de vida. Por este motivo, provoca a necessidade de harmonizar a evolução dos valores sociais e culturais repulsando todo processo que conduz à destruição dos valores ecossocioeconómico local. A conceção deste desenvolvimento é sustentável porque prevê responder às necessidades da população presente, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de replicar as suas.

A base do conceito fundamenta o desenvolvimento sustentável na conceção de respeito as diferentes formas de vida, assegura a responsabilidade individual e coletiva na preservação do ecossistema, em contexto local e global. Mas, as transformações a essa conceção estão submetidas a compreensão coletiva da natureza sistémica da crise mundial. Portanto, depende do tecido societal, quando ciente desta realidade, planear e sugerir suas próprias alternativas de desenvolvimento local sustentável às políticas vigentes e seus efeitos sobre a sociedade e o ambiente local.

A CMMA alicerça o conceito de desenvolvimento sustentável em quatro pontos cruciais relacionados a degradação do meio ambiente e aos problemas sociais e económicos que afligem o mundo. O primeiro, foi o de submeter a apreciação mundial estratégias ambientais de longo prazo para obter um desenvolvimento sustentável a partir de quinze anos, após a publicação do Relatório Nosso Futuro Comum, i.e., a partir do ano de dois mil. Diante de tal propósito estabelecido, há um quarto de século, percebe-se o quanto é complexo a implementação de tais estratégias, visto que os anos decorreram, e os problemas ainda existem e, alguns casos, em maior tenacidade, e.g., a poluição que incide no ar, clima, solo e águas.

O segundo ponto que a CMMA estabelece com relação ao conceito de desenvolvimento sustentável refere-se a cooperação entre países. A CMMA elabora sugestões de atividades e ações relacionadas a preocupação com o meio ambiente e a cooperação entre países em desenvolvimento e países em fase diferentes de desenvolvimento económico e social. Esta cooperação deveria levar à consecução de objetivos comuns e interligados em que se deve considerar as inter-relações de pessoas,

Tese de Doutoramento – Bernadete Bittencourt 53

recursos, meio ambiente e desenvolvimento (WCED, 1987). Pode-se, assim inferir, que é justamente esta cooperação internacional, entre nações e comunidades, que fortalece a rede de sociabilidade entre o setor público, privado e o terceiro setor. Em especial com o terceiro setor, as OTS expandem-se e adquirem maior relevância global, principalmente a OTS com maior criatividade e inovação social dirigidas para a sustentabilidade local.

O terceiro fundamento no sentido de contextualizar o conceito de desenvolvimento sustentável pondera as circunstâncias e os meios pelos quais a sociedade internacional pode atuar de modo eficiente com as preocupações de carácter ambiental. Todo procedimento da sociedade internacional só se concretiza a partir do DLS, i.e., a partir de ações locais de desenvolvimento e compromisso com o meio ambiente. Porquanto, a preocupação de carácter ambiental principia na produção industrial de bens, e em atribuir, de maneira eficaz, os recursos necessários para que não haja a sua exaustão no futuro.

Com efeito, o desenvolvimento sustentável é de grande importância para o tecido societal como um todo. A supremacia do desenvolvimento sustentável no comportamento da sociedade revela a preocupação com os recursos naturais para as gerações futuras. Mas também incide na apreensão com a qualidade de vida do momento, gerenciando e direcionando os processos produtivos para que sigam o que o modelo de desenvolvimento sustentável propõe.

Neste sentido, o terceiro fundamento que contextualiza o conceito de desenvolvimento sustentável sugere a implementação de ações e políticas de desenvolvimento sustentável local com propulsão global. Estas políticas podem ser implementadas como, e.g., tecnologias limpas, fomentação de escolhas sustentáveis para a produção e consumo, racionalização dos recursos naturais, incentivo a redes de sociabilidade entre todos os segmentos da sociedade e estímulo à investigação nesse campo. Desse modo, parece impreterível que a sociedade internacional recorra à investigação científica e tecnológica para assistir o almejado desenvolvimento sustentável.

54 Tese de Doutoramento – Bernadete Bittencourt

O quarto ponto que contextualiza o conceito de desenvolvimento sustentável, a partir da publicação do Relatório Nosso Futuro Comum, incide em auxiliar o tecido societal a definir noções comuns relativas a questões ambientais de longo prazo. Recai em apoiar o tecido societal nos esforços necessários para tratar com êxito os problemas da proteção e da melhoria do meio ambiente. Além disso, ajudar o tecido societal a definir uma agenda de longo prazo e os objetivos a que aspira a comunidade mundial. (WCED, 1987).

Para entender o que é desenvolvimento sustentável, na expressão de Hulse (2008), é necessário antes fazer uma análise sistemática dos fatores e recursos envolvidos neste processo que interagem de forma diferente, em contextos desiguais. O autor ainda ressalva que o desenvolvimento sustentável não é um objetivo que é conseguido através de um caminho linear, não pode ser explicado por uma fórmula conjunto. No sentido de estratégia a longo prazo, analisa-se cada ação à luz de sua função social, económica, física, e às vezes política respeitando a historicidade e a cultura do tecido societal local.

O conceito de desenvolvimento sustentável assume a forma de compromisso internacional na Cimeira da Terra (RIO-92)22. A RIO-92 foi considerada por diversos especialistas como uma das repostas internacionais mais marcantes no século passado. Teve por objetivo central buscar meios de conciliar o desenvolvimento socioeconómico com a conservação e proteção do ecossistema da terra. Neste sentido o objetivo da RIO- 92 primou pela consolidação do conceito de desenvolvimento sustentável. Além disso, buscou saídas, estratégias pré-estabelecidas de longo prazo, para que o desenvolvimento socioeconómico fosse tão importante quanto a conservação e proteção do meio ambiente (Strange & Bayley, 2008).

Na Cimeira da Terra ficou constatado que a agressão ao meio ambiente ultrapassa os limites de ações isoladas e localizadas, constituindo-se numa preocupação

22

Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (UNCED, sigla em inglês), também intitulada: Cimeira da Terra usando a sigla de RIO-92 porque foi sediada na cidade do Rio de Janeiro. A Cimeira é também conhecida pela expressão de ECO-92. Foi realizada de 3 a 14 de Junho de 1992.

Tese de Doutoramento – Bernadete Bittencourt 55

de toda a humanidade. Neste contexto a RIO-92 foi fundamental para o reconhecimento da comunidade internacional de que os maiores causadores dos danos ao meio ambiente eram, e são, os países desenvolvidos. A RIO-92 promoveu uma conscientização global da necessidade do estabelecimento de uma verdadeira política de desenvolvimento sustentável (Santos et al., 2005:9).

No âmago da RIO-92 concomitante ocorreram outros eventos, e.g., a Convenção sobre Mudanças Climáticas, a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Fórum Global. Imbuídas de avaliar e discutir soluções plausíveis, em proporção global, para o desenvolvimento sustentável, diversas OTS manifestaram-se na elaboração de documentos. Neste contexto se pode dizer que a RIO-92 não foi somente um ato institucional onde se reuniram 173 dos 178 países membros da ONU, mas um grande movimento ambiental que contou com mais de 1.100 OTS credenciadas que influenciaram nos acordos decorrentes da Conferência. O trabalho das OTS e dos especialistas foi, principalmente, o de asseverar que o que se faz em abrangência local repercute em dimensão global, assim “para ser universal, basta [trabalhar a partir] de sua aldeia” (Liev Tostói, 1828-1910). Resulta da lida daqueles que deram organicismo a RIO-92, além da Agenda 21, outros acordos internacionais ajustados às políticas de desenvolvimento sustentável e a sua implementação global e local, e.g.:

 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento23;

 Declaração de Princípios sobre o Uso das Florestas;

 Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica;

 Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UN, 1992).

Outro fato importante como resultado da RIO-92 foi a constituição da Comissão de Desenvolvimento Sustentável, uma nova Comissão do Conselho Económico e Social

23

A Declaração do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento estabelece que a proteção ambiental deverá constituir-se em parte integrante do processo de desenvolvimento e se recomenda a cooperação entre os Estados aliados a participação de todo tecido societal. Essa Declaração contém 27 itens que definem as linhas principais da Agenda 21 e de todos os demais acordos adotados pela RIO-92. Daquele documento, também se deduz os princípios que se deve seguir no planeamento das políticas públicas no nível mundial.

56 Tese de Doutoramento – Bernadete Bittencourt

da ONU. Essa Comissão emerge com a missão de avaliar o progresso da implementação da Agenda 21 conforme descreve o Capítulo 28 de tal Agenda.

O Capítulo 28, Iniciativas das Autoridades Locais, é talvez o mais importante por conter as indicações de como transformar a Agenda 21 Global em um instrumento primordial a participação do maior número possível de agentes de uma determinada comunidade na elaboração de uma agenda que atenda aos interesses da maioria, construída segundo as especificidades locais, porém respeitando os princípios acordados globalmente (Ultramari, 2005:135).

Subentende-se que a Comissão sobre Desenvolvimento Sustentável (CDS) adquire um papel central em ampla dimensão; desde as atividades desenvolvidas pelos órgãos intergovernamentais para a implementação da Agenda 21 até a comunidade local. Nesse sentido, a implementação do desenvolvimento sustentável – Agenda 21 é o próximo tópico a ser dissertado conforme transcorre na Figura 6 – Cronologia do desenvolvimento sustentável, exposta anteriormente na página 37.