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A TERCEIRA FASE DO MASTER: O INÍCIO DA REPRESSÃO

Entre 1963 e 1964, apesar da perda do apoio do governo estadual, o Master continuou bastante ativo, com a organização de novos acampamentos e melhorias no aspecto organizativo, dando ênfase à criação de sindicatos de assalariados rurais e sindicatos de pequenos produtores. As principais mudanças no contexto político referem-se à violência que, nesse período, foi extrema e ao apoio governamental, que passou a ser dado pela Supe- rintendência da Reforma Agrária (SUPRA), órgão vinculado diretamente ao presidente da República, cujo delegado regional no Rio Grande do Sul era Eliseu Torres, advogado e liderança do PTB.

Também se observa, nesse período, um entrelaçamento maior com entidades urbanas e estudantis, talvez resultado do fato de o PCB deter a hegemonia da diretoria da entidade em nível estadual após o I Congresso dos Agricultores do Rio Grande do Sul, e da violência enfrentada pelo movimento no governo Meneghetti.

O governador Meneghetti assumiu o governo no dia 31 de janeiro de 1963 e, já no dia 4 de fevereiro, surgiu mais um acampamento de agricul- tores sem-terra no Rio Grande do Sul. Eram 935 colonos que não haviam recebido terras na Fazenda Sarandi e que acamparam na Reserva Florestal do Estado, de 20 mil hectares, no lugar denominado Passo Feio, município de Iraí e divisa com o município de Nonoai.15

No dia 14 de fevereiro, a Brigada Militar sitiou o acampamento de Passo Feio, onde ainda se encontravam cerca de 60 famílias, e as estradas foram bloqueadas. A repressão também atingiu líderes sindicais urbanos e a diretoria do Master que se dirigiam para o acampamento, sendo presos no dia 17 e liberados no dia seguinte. Também os agricultores acampados sofreram novas violências, pois o acampamento de Passo Feio foi arrasado e incendiado, e a cidade de Nonoai virtualmente ocupada pelas forças da Brigada Militar. Jair Calixto, prefeito de Nonoai, e o pretor de Nonoai, re- presentante do Poder Judiciário naquele município, foram barrados ao se aproximar do acampamento.

Dirigindo a operação de repressão em Passo Feio estavam o cel. Gon- çalino de Carvalho e o chefe de polícia do governo Meneghetti, Armando Prates Dias. Enquanto isso, o governador dizia que nada sabia sobre esses acontecimentos. O secretário de Segurança do estado também declarava desconhecer a repressão. Em conseqüência, foi instaurada na Assembléia Legislativa uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar as responsabilidades.

A política repressiva do governo Meneghetti atingiu outras localidades, onde havia intenções de realização de acampamentos. Em Sapucaia, foi instalado um grande dispositivo policial defronte à sede da Associação para impedir um acampamento de mais de três mil agricultores sem-terra na Fazenda Itapuí e em outras fazendas do município.

A repressão atingiu o próprio IGRA com a exoneração de Euzébio França do cargo que exercia no órgão e de outros funcionários: dos 32 empregados, apenas dois foram mantidos, um motorista e um engenheiro agrônomo. Também o padre Alípio, líder do movimento camponês no Nordeste, foi preso em sua visita ao Rio Grande do Sul por elementos do Exército, que tinham em vista impedir a realização de um comício sobre a reforma agrária, em Santo Ângelo. As difi culdades estenderam-se também

15 As terras visadas pertenciam à Reserva Florestal do Estado (16 mil hectares) e ao Toldo

às atividades organizativas, qual seja, de fundação de sindicatos como em Giruá e São Luiz Gonzaga.

Apesar do clima de repressão, os acampamentos continuaram a surgir, mas todos foram de alguma forma reprimidos, recebendo o apoio da direção estadual do Master, da SUPRA, de estudantes e de sindicalistas urbanos. É importante salientar que a SUPRA, apesar de ser um órgão federal ligado diretamente à Presidência da República, era sistematicamente impedida pela polícia de ter acesso aos acampamentos.

O próximo acampamento que surgiu foi em agosto de 1963, envolvendo sem-terra selecionados para receber lotes na Fazenda Sarandi e que, preteri- dos, formaram novo acampamento na Reserva Florestal de Nonoai. Também essa mobilização foi objeto da ação policial no dia 23 de agosto. Um dos líderes camponeses, José Lagranha, foi preso em Nonoai por policiais a serviço do cel. Gonçalino e levado para o 2o Batalhão de Polícia. O Master,

na ocasião, lançou um manifesto em que denunciou o “recrudescimento em nosso estado das arbitrariedades policiais contra os sem-terra”. Por outro lado, o secretário da Agricultura do governo Meneghetti declarava que “o Estado nada tem a ver com o problema”.

No dia 28 de agosto, mais um acampamento foi formado naquela região, quando mais de 200 famílias de sem-terra invadiram uma fazenda em Ronda Alta, no município de Sarandi.

Em setembro, segundo a direção estadual do Master, a Brigada Militar iniciou a retirada das tropas que cercavam os acampamentos. No entanto, as arbitrariedades continuaram e os agricultores e suas famílias foram vítimas de brutais espancamentos, perseguições, prisões e violações de propriedade.

A ordem do governo estadual era expulsar os camponeses brancos da área indígena denominada Toldo de Nonoai. Por isso, os soldados da Brigada Militar passaram a provocar rivalidades entre os índios e os brancos sem-terra, apresentando-os como grileiros ávidos, criando, dessa forma, condições para o confl ito (Última Hora, 12/10/63). Outro problema enfrentado pelos acampados era a falta de alimento. Segundo um líder do Master, a “fome nos acampamentos de Nonoai é uma triste realidade (...) e até mesmo um prego que seja enviado ao Master para ser entregue aos camponeses é preso”. (Última Hora, 27/09/63)

No mês de setembro, destacaram-se outros dois acampamentos: o de Torres e o de Osório. Em outubro, surgiu um acampamento em Bagé, en- volvendo um grupo de oito famílias de camponeses sem-terra, que também recebeu a visita do cel. Gonçalino, da Casa Militar do governo do estado. Um contingente de brigadianos dissolveu o acampamento, obrigando os camponeses a instalarem-se junto a uma estrada próxima.

Em dezembro, foi formado um acampamento em Guaíba com 80 famí- lias acampadas na Fazenda dos Pires. Um pelotão, formado por 32 praças da Brigada Militar, estava postado nas proximidades do acampamento, impe-

dindo o acesso de alimentos e de material para a cobertura das choupanas. Os acampados contavam com o apoio de sindicatos e dos estudantes, que forneciam a alimentação

Em janeiro de 1964, em Bagé, surgiu a ameaça de formação de mais um acampamento com 40 famílias, que se concretizou em fevereiro. As famílias foram expulsas em março pelo comandante da 3a Divisão de Ca-

valaria, à frente de um pelotão do Exército e acompanhado do presidente da Associação Rural de Bagé.16

Em fevereiro de 1964, surgiu um novo acampamento em Tapes, que tinha por objetivo a Fazenda Santo Antônio, uma área de 50 mil hectares. O acampamento sofreu um cerco total por soldados da Brigada Militar, sob o comando do cel. Gonçalino Cúrio de Carvalho. Repetindo a tática da opressão pela fome, já aplicada no Banhado do Colégio e em Passo Feio, a Brigada impediu a passagem de alimentos e de líderes sindicais, estudan- tis e representantes do Master e da SUPRA, que chegavam para apoiar o movimento. A orientação dada pelo cel. Gonçalino era de que “ninguém entra na Fazenda Santo Antônio. Nem jornalistas, nem deputado, nem ninguém” (Última Hora, 25/02/64). A partir do dia 25, o “cerco de fome”, que passou a ser comandado pessoalmente pelo chefe de polícia, Arman- do Prates Dias, ao lado do cel. Gonçalino, foi ampliado para a “tortura da sede”, pois o curso de uma valeta que fornecia água para os acampados foi desviado. O clima de terrorismo era ainda alimentado pelo matraquear das metralhadoras durante a noite.

Em Canoas, no dia 19 de fevereiro, cerca de 400 famílias de agricul- tores sem-terra dirigiram-se para Encruzilhada do Sul, onde receberam uma propriedade, inclusive com os devidos títulos, mas foram impedidos de seguir viagem pelo Departamento de Ordem Política e Social. Os veí- culos foram apreendidos e os líderes presos. Tratava-se da fazenda Dom Feliciano, doada aos sem-terra. Em protesto contra a violência policial, os agricultores decidiram acampar em frente à sede das entidades a que pertenciam – sitiadas pelos policiais – até que lhes fossem devolvidos seus veículos e permitida a viagem (Última Hora, 20/02/64). No dia 24, o IGRA admitiu que, apesar de os sem-terra terem ganhado de seis herdeiros um pedaço de terra – de 24 hectares, e não 15 mil hectares como havia sido anunciado –, não iria permitir que tomassem posse daquela gleba porque a fazenda era disputada por 140 herdeiros e já estava dividida em glebas individuais. Quanto à repressão, o IGRA disse, inicialmente, que nada sabia da intervenção policial, mas, posteriormente, admitiu que a ordem havia partido do próprio governador do estado (Última Hora, 21/02/64).

Como conseqüência desse fato, surgiu o acampamento em Canoas, em março, com cerca de 200 agricultores sem-terra, mas logo foi demolido pelos

16 O presidente da Associação Rural de Bagé, entidade que reunia médios e grandes produtores,

policiais. Foi o último acampamento do Master, praticamente apenas um mês antes do golpe de 1964. Segundo a Última Hora (07/03/64):

Mulheres e crianças foram postas a correr de suas barracas, abaixo de empurrões e pancadas dos policiais ... A selvageria não poupou nem a Bandeira Nacional que foi arrancada do mastro em que a haviam colocado os camponeses, pisoteada, rasgada e atirada sobre uma das viaturas da Polícia.

Além dos acampamentos que mobilizaram os agricultores sem-terra ocorreram, também, vários despejos de arrendatários, agregados, parceiros e assalariados permanentes, que plantavam às margens da Barragem Bárbara em Uruguaiana, Tapes e Barra do Ribeiro, Santa Bárbara (onde as ameaças de despejo chegaram, inclusive, a resultar no assassinato do líder camponês Lucídio Antunes). Em São José do Ouro, 93 famílias foram despejadas em Espigão Alto.

Outro processo de expulsão, que se destacou pela violência, ocorreu em São Francisco de Paula, atingindo 26 famílias que ocupavam a fazenda particular Mato das Flores. Comandados pelo chefe de nome Negré, jagun- ços armados incendiaram casas, dinamitaram uma escola em construção e passaram a agredir as mulheres que trabalhavam na roça.

Além dos novos acampamentos surgidos no Governo Meneghetti e das várias ações de despejo que mobilizaram agricultores, também ocorreram problemas em áreas desapropriadas no Governo Brizola, referentes a ques- tões como a não entrega dos títulos das áreas distribuídas aos sem-terra, e ameaças quanto à participação política desses agricultores nas Associações de Sem-Terra.

A VIDA ORGANIZATIVA DO MASTER