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D ESMOBILIZAÇÃO E CONFLITO : RELAÇÕES

ENTRE

TRABALHADORES

E

PATRÕES

NA

AGROINDÚSTRIA

PERNAMBUCANA*

Moacir Palmeira

N

este artigo, pretendemos tão-somente documentar a ocor- rência de confl itos num momento de desmobilização política e levantar algumas questões em torno do seu signifi cado.

O que apresentamos ao leitor não é o resultado de uma pesquisa sis- temática de confl itos entre proprietários de terras e trabalhadores rurais. Quando não, porque uma tal pesquisa seria inviável no período que cobri- mos, 1964-74, e particularmente no período em que desenvolvemos nosso trabalho de campo em Pernambuco, voltado para um outro tipo de objeto, que se estendeu do fi nal de 1969 a meados de 1974.1

Os confl itos a que nos referimos se impuseram ao pesquisador que es- perava encontrar na Zona da Mata de Pernambuco, quase seis anos depois

* O presente texto foi originalmente publicado na Revista de Cultura Política, Cedec, ano 1, n.1, p.41-55.

Foi escrito em 1974 para integrar um livro organizado pela dra. Neuma Aguiar para uma editora norte-americana e que, por motivos que fogem ao nosso conhecimento, não foi até hoje publicado. A presente versão com poucas modifi cações aduziu ao conteúdo do trabalho original, com exceção da sua parte introdutória. A questão da data parece-nos importante, porque de 1974 para cá ocorreram mudanças na região. Como a informação que dispomos sobre esses últimos quatro anos não é sufi ciente para uma “atualização” do trabalho, preferimos não tentá-la. Pareceu-nos, apesar disso, que, existindo pouca informação sobre o período 64-74 e não tendo havido nenhuma alteração de fundo nas condições de funcionamento da estrutura social, valeria a pena divulgar o texto.

1 Tratava-se, então, de realizar um estudo sobre as mudanças operadas nos sistemas de

distribuição tradicionais e suas implicações, dentro dos marcos de um projeto mais amplo intitulado “Estudo Comparativo do Desenvolvimento Regional”, dirigido pelos drs. Roberto Cardoso de Oliveira e David Maybury-Lewis, junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional.

do desmantelamento das organizações camponesas e em plena reação aos movimentos urbanos dos anos 68-69, um clima bem diverso do que foi efetivamente encontrado.

Se os confl itos se impuseram ao pesquisador, foi porque eles estavam de tal modo imbricados no cotidiano dos trabalhadores da região que, qualquer conversa mais livre, que não se fechasse nos artifi cialismos dos instrumentos de coleta pré-fabricados, teria que passar necessariamente por eles. Até 1971-72, sobretudo quando a onda repressiva chegou ao campo, com a intervenção em vários sindicatos, era difícil, em algumas partes de Pernambuco, encontrar um trabalhador que não estivesse ou que não hou- vesse estado recentemente às voltas com uma questão na Justiça. Se não era ele diretamente, eram seus familiares, eram seus companheiros de trabalho.

Mas as coisas não se limitavam aos casos efetivos, palpáveis, de des- respeito aos direitos dos trabalhadores. O processo de expropriação dos antigos moradores de engenho, cuja expressão mais acabada era a expulsão em massa das propriedades, tinha ido tão longe que a saída do engenho representava uma probabilidade objetiva sobre a qual nenhum trabalhador podia excusar-se de refl etir.

A impossibilidade da exclusão da mediação representada pelo duplo fato da existência de um processo objetivo, com implicações para o próprio estudo que nos dispúnhamos a fazer, e da existência de uma consciência desse processo entre os trabalhadores rurais foi a primeira razão que nos levou a tentar organizar as informações espontâneas que nos eram dadas.

Mas há uma segunda razão para o nosso interesse. Via de regra, só nos lembramos de refl etir sobre as lutas sociais em seus momentos mais críticos. Os momentos menos espetaculares daquelas lutas tendem a ser esquecidos. A própria existência da luta costuma ser vinculada aos seus momentos de maior intensidade. Fora dali, ela é considerada inexistente. Ora, os inconvenientes dessa abordagem são patentes. Em primeiro lugar, aceitamos um recorte dos fatos que não é outro que não o dos interessados em esconder a existência de confl itos. A conseqüência disso é a exclusão da hierarquia dos objetos de conhecimento de toda uma larga faixa de ex- periências vividas pelas classes trabalhadoras. O estudo dos momentos de “desmobilização”, além de recuperar essas experiências, pode nos ajudar a entender o aparecimento ou o desaparecimento de confl itos mais abertos. E, em situações como a que descrevemos, pode nos dizer alguma coisa sobre as mudanças efetivamente operadas no padrão de atuação de uma classe social pela própria movimentação dessa classe numa conjuntura de mobilização política, como foi a do início dos anos 60 em Pernambuco.

As tentativas de mobilização de camponeses e trabalhadores rurais de Pernambuco parecem ter começado com a Revolução de 1930. Conta-se que nos primeiros dias da revolução houve saques em alguns engenhos, os saqueadores se proclamando revolucionários (Bello, 1938). A presença maior

ou menor nesses acontecimentos dos próprios trabalhadores não está esta- belecida. O que fi ca claro, todavia, é que essa ação não teve continuidade. Com a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), promulgada em 1943, criam-se os sindicatos de trabalhadores industriais em sua forma atual e, entre eles, os sindicatos dos trabalhadores na indústria do açúcar. Esses sindicatos reuniam aqueles trabalhadores que, nos engenhos e usinas de açúcar, participavam do processo de fabricação de açúcar e das ofi cinas de manutenção. Apesar de formalmente representarem também os trabalha- dores agrícolas das usinas, a efi cácia desses sindicatos, se houve alguma para os operários do açúcar, parece ter sido nula para aqueles trabalhadores. Se alguns velhos moradores de engenho2 ainda exibem sua carteira de traba-

lho obtida na época, seja por uma passagem rápida na indústria, seja por outro qualquer expediente, e falam do tempo de Vargas como o início do “fi m do cativeiro”, não há notícia, nem na documentação escrita, nem na própria história oral, de movimentos maiores que tenham contado com sua participação.3

Quando da redemocratização do país, a partir de 1945, surgem formas mais sólidas de organizar os trabalhadores rurais e camponeses ameaçados pelos proprietários de engenhos de açúcar, que se dispõem a retomar suas atividades de organizadores da produção agrícola, após um período de re- cesso em que existiram com simples rentiers. São dessa época as primeiras experiências de criação de “ligas camponesas” em Pernambuco (Camargo, 1973, p.154; Forman, 1968) a partir de cidades e, aparentemente, por ini- ciativa de grupos políticos de esquerda. Esse esforço teria sido cortado pela repressão desencadeada contra a esquerda brasileira a partir de 1948, com a ilegalização do Partido Comunista Brasileiro (idem).

O que não foi conseguido nas tentativas mencionadas o foi pelo movi- mento desencadeado a partir de meados dos anos 50, sobretudo depois do conhecido incidente do engenho Galiléia (Callado, 1960 e 1964). As ligas camponesas surgem (ou ressurgem, pois há quem sustente haver continui- dade entre elas e as ligas do pós-guerra) na área canavieira de Pernambuco

2 Moradores são trabalhadores rurais que residem dentro dos engenhos e que estão ligados

ao trabalho na cana, dispondo muitas vezes de um lote de terra – sítio – onde plantam por conta própria.

O termo engenho designava no passado o conjunto plantação-fábrica e, mais especifi camente,

a fábrica onde era produzido o açúcar. Hoje o termo é utilizado em Pernambuco, onde os últimos engenhos propriamente ditos deixaram de moer na década de 1950, para designar qualquer grande propriedade que plante cana para fornecer a uma usina.

Senhor de engenho: o proprietário de engenho, ofi cialmente designado como fornecedor de cana.

3 A história do Sindicato de Trabalhadores na Indústria do Açúcar e de sua participação

política ainda permanece por ser feita. Até o momento, o que há de mais sistemático sobre o assunto são os depoimentos colhidos por José Sérgio Leite Lopes de líderes sindicais da época e incluídos parcialmente em seu excelente trabalho: O vapor do diabo. O trabalho dos

entre os chamados foreiros,4 que tinham sua autonomia ameaçada pela

“volta ao campo” dos proprietários rurais (Idem). Nessa primeira fase, as ligas recrutam também moradores ameaçados de ser reduzidos à condi- ção de simples assalariados. Sob a liderança de Francisco Julião, as ligas espalham-se, ganham o chamado Agreste (zona de arrendatários e pequenos proprietários), para refl uírem depois sobre a zona canavieira. Encontram então a concorrência dos sindicatos rurais, organizados, sobretudo, pela Igreja Católica e por suas associações confessionais e semiconfessionais. Se, no princípio dos anos 60, as ligas disputam com os sindicatos os tra- balhadores assalariados ou semi-assalariados da cana, a partir de 1962 a tendência é no sentido de uma especialização: arrendatários e pequenos proprietários congregam-se nas ligas; trabalhadores assalariados vão ao sindicato. O próprio Julião faz recomendações nesse sentido, a corrente política que se estrutura junto com as ligas deve procurar também se impor nos sindicatos (Julião, 1962).

Os sindicatos de trabalhadores rurais, de inspiração católica no início, cindidos entre várias correntes político-ideológicas num segundo momento, desenvolvem-se com uma velocidade espantosa. Sua força aumenta com a subida de Miguel Arraes ao governo do estado em 1963. Em julho de 1963 já são muito mais importantes numericamente do que as ligas. Enquanto estas últimas agrupam quarenta mil membros, os sindicatos têm duzentos mil afi liados em Pernambuco (Wilkie, 1964).

O Estatuto do Trabalhador Rural, instrumento legal inocente em outras áreas do país, transformou-se na Zona da Mata de Pernambuco, tais eram as condições sociais aí prevalecentes, em uma poderosíssima arma de luta dos trabalhadores. Uma atividade política quase diária da massa rural obrigava os proprietários a se curvarem às disposições do Estatuto, a cumprirem a “tabela de campo”5 estabelecida pelo Governo Arraes.6

4 Foreiros são pequenos agricultores que dispõem de casa e terra dentro dos engenhos, onde

plantam por conta própria, devendo pagar um foro (renda) anual, tendo ainda algumas obrigações defi nidas para com o proprietário, como aquela de trabalhar alguns dias por ano para a fazenda (cambão).

5 Como a maior parte dos serviços na cana é executada por tarefa, surgiu, para a implantação

do Estatuto do Trabalhador Rural (1963), a necessidade de “estabelecer uma relação entre o trabalho efetivamente executado no campo e o salário mínimo regional”. Isso foi feito a partir de uma discussão entre o governo estadual e os representantes de usineiros, fornece- dores de cana e de trabalhadores rurais e camponeses (ligas camponesas e sindicatos). Cf. Callado, 1964, p.88 e I-V.

6 Uma idéia do que era essa atividade política no “tempo de Arraes” nos é dada por um

trabalhador rural, cujo tom está entre o crítico e o entusiástico, em 1972: “Era mulher, era homem, era menino, tudo agitado, tudo agitado, assim, com aquela danação. Só era aqui no sindicato, aquele fuzuê, aquele fuzuê e os homens (proprietários) tendo raiva ... Vinha um bocado de gente da Flor de Maria. Quando chegou em Potosi, tinha 1.600 homens, entre homem, mulher e tudo. Vinha juntando de grota em grota. Tinha gente trabalhando nos matos, tinha gente trabalhando nos matos cortando madeira que o administrador mandava

Um estudioso da área chamou atenção para o fato de que os direitos trabalhistas que, na cidade, levaram decênios para ser aplicados, e com imperfeição, no campo em Pernambuco foram efetivados quase que simul- taneamente à sua promulgação (Furtado, 1964, p.155). É claro que isso não ocorreu por acaso e que se prendeu a uma conjuntura política específi ca: avanço das chamadas “forças populares” em termos nacionais; eleição de um governo estadual de propósitos reformistas bem defi nidos. No entanto, o reconhecimento dessa conjuntura não pode eliminar o peso que segura- mente teve a movimentação da massa camponesa na implantação da lei e muito menos a repercussão da incorporação da lei sobre a estrutura social da área e, em particular, sobre as relações de poder entre proprietário e tra- balhador. Se, ao contrário dos grandes lances da história regional da época, permanece por ser feita a história da participação camponesa nesse processo em que estava em jogo sua própria redefi nição política, a profundidade dessas transformações pode ser apreendida hoje na área através do estudo

e eles diziam: “Ah, onde está Fulano de Tal? Tá trabalhando?”. O do engenho dizia: “Ele saiu com o machado pro lado da mata”. “Onde é a mata?” “É por ali, pro lado daquele fogo ali”. Ele dizia: “Vamos buscá-lo!” Não ia somente um não. Aquela turma que tava lá, aquele borbotão de gente emburacava pra lá, trazia o camarada. Se o camaradinha não vinha, ele entrava no cacete mesmo. Ele entrava no cacete e vinha nas costas, morto, assim nas costas. Era. O pessoal que não queria assim, vinha. Chegava aqui, se juntava. Em outro canto de novo. O pessoal tava trabalhando, um pouco mais lá vai de novo aquele fuzuê. “Pára! Eu parava também. Quem é que vai entrar num abismo medonho desses? Aí, só sei que foi se juntando gente. Quando chegou em Potosi até o administrador vinha no meio, vinha. E não era montado no burro. Era de pé. Era com aqueles bofenos, puf, puf, puf. Tinha gente que fazia até vir descalços, sem as botas ... O sindicato tinha delegado do sindicato, tinha delegado do sindicato dos engenhos. Tinha delegado aqui na cidade, no sindicato, e tinha o delegado dos engenhos. Todo engenho tinha um delegado para agir com o pessoal quando tivesse uma braçagem de serviço alterada. Aí, o delegado ia reparar. (...) o administrador dizia: “É cem braços, é cem braços para fazer o serviço”. Um serviço até bom: Tinha vez que as mulheres quando começavam no serviço, pegavam de sete horas, quando era nove horas a mulher tava com a enxada nas costas. “Vamos, Fulana!. “Vamos, Maria”. “Vamos, Amara!. “Vamos, Francisca”. “Vamos, Quitéria”. “Vamos embora. Tou já rapando aqui a beirada do caminho”. Aquela cocadinha deste tamanho era conta. Com braças de serviço num cantinho bom, num instante a pessoa tira. Aí, a que pegava uma beiradinha de caminho ou de brejo mais ruim ou ia conversar demais mais as outras amigas se enrascava mais. Aí, pronto, “vamos fazer greve”. Dizia que o cabo tinha roubado ou botado muita braça pra ela. Corriam as mulheres mesmo, corriam. Chegavam aqui no sindicato, davam parte. Davam parte. Pouco mais, lá vai o carro pra lá. Tinha vez que tinha que quando eram nove horas, 10 horas do dia, o mais mais tardar, já tinham acabado, mas vinham dar parte. (...) As mulheres chegavam no trabalho, um pouco mais diziam: “Vamos fazer uma greve?” Se ajuntavam, se ajuntavam as mulheres. Um pouco mais mais ia chegando uma outra, diziam: “A cem braças nós não pegamos, nós só pegamos setenta braças”. “... Tá certo, nós só pegamos setenta. Quando o administrador mandar o cabo dar cem braças, nós só pega- mos setenta. Senão nós paramos”. A outra dizia: “É mesmo, é mesmo”. Quando chegava o cabo, elas perguntavam logo: “Quanto é a braça que vai dar hoje aqui”? Aí, o cabo dizia: Eu vou dar cem braças que é a ordem do administrador”. Aí, elas diziam: “Ah, nós não vamos pegar cem braças não. Nós vamos pegar setenta. Senão nós paramos”.

do próprio “mapa cognitivo” do trabalhador rural (Sigaud, 1971). Arraes, o sindicato e as “leis” marcam para os trabalhadores rurais e camponeses, não apenas da Zona da Mata, mas de todo o estado, o ponto de ruptura entre duas épocas, delimitando eles próprios um período de subversão completa das relações tradicionalmente estabelecidas e sendo elementos de referência obrigatórios das representações e práticas dos trabalhadores nos dias que ocorrem (Sigaud, 1972).7

A Zona da Mata de Pernambuco, com seus 11.583 km² e seus 1.076.263 habitantes (11% da superfície do estado, concentrando 20% da população), é uma das áreas de colonização mais antigas do país. Voltada sempre para a produção da cana-de-açúcar, conheceu seus dias de apogeu nos fi ns do século XVI, início do século XVII. A partir daí, tendo que enfrentar a concorrência internacional (os capitais holandeses, franceses e ingleses investidos nas Antilhas), só em raras circunstâncias conseguiu aproximar-se do que fora nos primeiros anos de colonização. Reassumindo uma posição de força no mercado internacional com a revolução haitiana na passagem do século XVIII ao século XIX, conhece altos e baixos ao longo desse último século. Nos primeiros anos do século XX, quando sofria um processo de moderni- zação técnica que lhe poderia assegurar melhores condições de competição no mercado internacional, é atingida pela crise geral que então abala toda a agricultura de exportação do Brasil (Prado Jr., 1962, p.231-61). No caso do açúcar, a crise ligava-se especifi camente à ausência de mercados exteriores. Graças, todavia, ao desenvolvimento da agricultura cafeeira, consegue so- breviver, orientando-se cada vez mais para o mercado interno. Depois da Primeira Grande Guerra praticamente cessam suas vendas para o exterior, ao mesmo tempo em que em São Paulo se expande a produção de açúcar a lhe disputar o mercado interno. Nos primeiros anos da década de 1930 a luta entre a produção açucareira paulista e a nordestina já começava a se defi nir: técnicas mais avançadas e um solo mais rico, maiores disponi- bilidades de capital asseguravam um custo de produção muito menor ao produto paulista. Essa distância aumentou com o correr dos anos e se a

débâcle não veio foi graças à intervenção estatal, com a criação do IAA, que

garantiu o preço do produto nordestino. Segundo os técnicos, São Paulo tem condições hoje de abastecer todo o Brasil, inclusive o Nordeste, com açúcar mais barato do que o pernambucano.

7 Para os proprietários rurais estes também são marcos decisivos para sua percepção da

história brasileira e tema obrigatório de qualquer conversa. Entrevistamos, em diferentes momentos, um bom número de proprietários. Apesar de o tema das entrevistas não ter nada a ver com aquelas ocorrências políticas, eles faziam questão de desviar a conversa para uma evocação daqueles acontecimentos. Ao lado das esperadas condenações, procuravam sempre acrescentar considerações “muito pessoais” (do tipo “Foi o tempo em que ganhei dinheiro” ou “Não sou contra os sindicatos, mas eles estavam mal encaminhados”, ou ainda “Arraes era bem-intencionado, mas foi envolvido pelos comunistas”) que, curiosamente, são compartilhadas por todos.

Finalmente, nos últimos anos, Pernambuco está enfrentando um con- corrente dentro da própria região: com o aproveitamento das “terras de tabuleiro” para a cana (antes só cultivada nas várzeas), conquista técnica dos anos 50 generalizada na década de 1960, tem crescido a produção do estado de Alagoas. Esse estado, com uma extensão de tabuleiros muito maior que a de Pernambuco, além de apresentar melhores condições de mecanização (canalizando assim uma maior soma de investimentos, uma vez que a mecanização é meta prioritária dos programas regionais de racionalização da agroindústria), tem menores custos com mão-de-obra, já que, sendo aí praticamente inexistente o movimento sindical, os proprietários não têm que arcar com o peso das obrigações trabalhistas. Um dos resultados disso, aliás, tem sido a transferência de capitais da agroindústria açucareira de Pernambuco e, muitas vezes, dos próprios usineiros, para o estado vizinho.

A situação da economia canavieira de Pernambuco é, para utilizar um termo muito do agrado dos proprietários rurais da área, dramática. Sem condições de sobreviver sozinha, quer no mercado nacional, quer no mer- cado internacional, ela tem, graças ao amparo do Estado, se aproveitado de conjunturas favoráveis ao produto em ambos os mercados. Os canaviais têm se estendido, a população dependente da agroindústria açucareira vem crescendo. A conseqüência é que também tem aumentado a escala de seus problemas. Mas a situação é dramática ainda por uma outra razão. Apesar de todos os inconvenientes, o açúcar parece continuar a ser o produto de maior viabilidade econômica na região (Du Genestoux, 1967, p.131-37). Os projetos “técnicos” da reforma agrária localizada que têm sido concebidos não vêm conseguindo superar esse problema. A liberação de terras das grandes propriedades para o desenvolvimento da agricultura de produtos de subsistência, como contrapartida de um apoio maciço do governo à modernização das usinas, “solução” que tem encantado os técnicos,8 parece

ser pouco rentável, menos provavelmente pelos investimentos que seriam