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O Brasil entre 1960 e 1964 sugeria um novo momento. Na esquerda também havia outros atores como a AP (Ação Popular) e as Ligas Camponesas a

infl uenciarem no processo ou se fazerem presentes nele. Em Goiás não foi diferente, e o estado foi palco e refl exo dessa infl uência nacional e interna- cional com desdobramentos locais. No plano internacional, ocorreu a Re- volução Cubana, com forte impacto sobre a militância, mas, especialmente, sobre as Ligas Camponesas que, sob a infl uência direta de Francisco Julião, procuravam capitalizar setores do campesinato à sua causa (Gorender, 1987, p.47-8). Enquanto movimento e proposta de intervenção, as Ligas tentaram, inclusive, formar dispositivos militares e cooptar militantes comunistas, bem como vários participantes das lutas de Trombas, sem muito sucesso e com conseqüências danosas, já que o campo de Dianapólis, o mais conhecido, naufragou sob as mais elementares normas de segurança, tendo por epílogo a invasão militar da área.6

Quanto aos comunistas, já ensaiavam uma nova linha de intervenção a partir de Declaração de Março de 1958, em que a democracia tinha cen- tralidade e valorizavam muito a luta dentro da perspectiva das reformas de base, entre elas a reforma agrária. Seguramente, para a maioria de seus quadros, já havia passado a política de Terras Libertas. A explosiva ques- tão fundiária ensaiava, para os comunistas, outras formas de intervenção, especialmente após o Congresso Camponês de Belo Horizonte de 1962, prelúdio da formação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag) pouco tempo depois.7 No entanto, vale ressaltar que

muitos militantes ainda intervinham em muitos confl itos – diante do cenário combustor e violento do meio rural brasileiro e as reações em contrário – em uma atuação quase osmótica na linha anterior. Um exemplo foi a Guerrilha de Porangatu, em que os comunistas atuaram quase que com os mesmos pressupostos.

Todavia, em Formoso e Trombas, o quadro político era de equacio- namento do problema fundiário. O Núcleo Hegemônico apoiou Mauro Borges entusiasticamente, já que ele prometera, se eleito, legalizar as terras da região. Sua política sugeria um processo de modernização e nele os co- munistas estavam atuantes em várias instâncias, especialmente em alguns órgãos e secretarias, particularmente a do Trabalho. Nesse sentido, a região de Trombas começou gradualmente a se inserir no processo institucional de Goiás, bem como a sentir os efeitos do avanço do capitalismo no campo. Por um lado, politicamente, o PCB continuava a ser a força hegemônica, tendo, inclusive, adquirido feições de um partido de massas em Formoso e Trombas; por outro, passou a sentir conjuntamente esse avanço sobre os posseiros e os efeitos desse processo. Mesmo assim, os posseiros não dei- xaram de intervir e participar dos vários acontecimentos nacionais, tendo,

6 Sobre essa questão, há vasta literatura. Ver especialmente: Rollemberg (2001). 7 Sobre esse debate, ver: Costa (1996) e Cunha (2004).

inclusive, se mobilizado para uma eventual resistência armada, tendo em vista garantir a posse de João Goulart, quando da crise ocasionada pela renúncia de Jânio Quadros.

Paralelamente, os posseiros participaram ativamente das eleições legis- lativas, elegendo José Porfírio o primeiro deputado camponês da história. Pouco tempo depois, José Ribeiro veio a ser o primeiro camponês no Comitê Central, quando da realização do V Congresso em 1961. Isso, por si só, demonstra como Formoso e Trombas adquiriram uma importância ímpar quando comparados a outros movimentos, bem como o lugar desse cam- pesinato na história do Brasil naqueles dias, aspecto igualmente reafi rmado pela participação dos seus quadros na formulação das teses do I Encontro Camponês de Goiânia em 1963.

Essa fase última, no entanto, é de singular desafi o e refl exo de um difícil equacionamento. Um deles, curiosamente, adveio da relativa tranqüilidade na região, bem na linha que resultou naquilo que Wolf intitula “crise do exercício do poder diante dos desafi os” (Wolf, 1985). Muitos dirigentes começaram a se dedicar mais às suas propriedades e, ao mesmo tempo, teve início a ocupação por posseiros – diante do processo de legalização em curso – advindos de outras áreas, sem nenhuma relação com a atividade revolucionária existente, modifi cando, gradualmente, o quadro fundiário. A política nacional igualmente refl etia no local, à medida que os pressu- postos da Revolução Brasileira estavam sendo gestados em um explosivo e conturbado processo que seria abortado pelo golpe militar de 1964. Isso signifi cava estabelecer um novo referencial para a política futura na região, algo que caracterizo como o Nó Górdio de Formoso e Trombas. Um outro aspecto concernente a essa crise remete ao confl ito com o PCB em Goiás, algo que não era recente. De certa forma, numa atitude política pouco avaliada, o Diretório Regional propôs inclusive a destituição de um dos líderes históricos em Trombas, Geraldo Marques, algo prontamente recu- sado pelo Núcleo Hegemônico. Curiosamente, entendo que essa aventada possibilidade de intervenção possibilitou uma rearticulação política local e a elaboração de tímidas políticas para a fase subseqüente.

De qualquer forma, essa crise política permitiu, de fato, uma rearticulação e um entendimento para a política maior no momento, que seria a eman- cipação do município de Formoso e a nomeação de um dos seus históricos dirigentes, Bartolomeu Alves da Silva, para prefeito. Um segundo desafi o recolocava o papel da Associação, à medida que já havia uma diferencia- ção social crescente, com razoável número de trabalhadores assalariados, portanto, já se avaliava a formação de um sindicato. Por fi m, a formação de uma cooperativa, que possibilitasse a aglutinação das conquistas e que sinalizasse para a possibilidade de avanços no processo de trabalho comu- nitário diante do quadro capitalista em curso.