• Nenhum resultado encontrado

Esse sindicalismo não representou uma via de enriquecimento econômico para os dirigentes. Porém, sem sombra de dúvida, ele signifi cou uma opção profi ssional para alguns “homens da terra”.

Se é verdade que a gratifi cação recebida enquanto “liberad o” nos órgãos sindicais era modesta, também é verdadeiro que muitos dirigentes tiveram nesse recurso a única fonte de sustento de suas famílias (Entrevista 2. FETAEP, 05/01/1965). E, quanto mais alto o nível de responsabilidade, tanto mais intensos eram os efeitos da desruralização e, em conseqüência, mais difícil se tornava o retorno ao campo. Isso se passou com alguns diretores de sindi- catos municipais. Pelo fato de terem se desfeito da propriedade rural, fi caram impossibilitados de retornar à atividade agrícola. E assim, em decorrência de sua desqualifi cação para atividades urbanas e de não ser mais jovens, tais ativistas experimentavam com freqüência uma segunda derrota no mercado de trabalho (Entrevistas 3, 9 e 13).

Mas foi nos órgãos de cúpula, como a FETAEP, que os problemas mais sérios apareceram. Para assumir um cargo na direção da entidade, os diri- gentes tiveram – por imposição legal e por praticidade – de se transferir para a capital. Para isso, foi necessário vender a propriedade agrícola daqueles que a possuíam. O que antes era seu meio de vida, a partir desse momento não seria nada além de efêmeras e nostálgicas recordações.

Tal situação tornou os diretores da Federação totalmente dependentes economicamente do “ordenadozinho” de liberado. Então, via de regra, eles não conseguiam vislumbrar outra perspectiva de vida que não fosse a per- manência ou a progressão (que muitas vezes é a condição da permanência) como “liberados” do sindicalismo (Entrevistas 1 e 22 ). Quanto mais os diri- gentes se aprofundavam, mais se envolviam no movimento e menos tinham a possibilidade de retorno à condição de agricultores.

A vontade de permanência desses “permanentes” tendeu a provocar dis- torções políticas no processo de escolha da diretoria sindical. Muitas vezes, por motivos “humanitários” mantinha-se na direção um militante que não dispunha de outra fonte de renda, que “não tinha onde cair morto”, em vez de substituí-lo por outro sindicalmente mais capaz e produtivo (Entrevistas 1 e 7). Evidentemente, essa situação bloqueava o processo de renovação das direções. Assim, o caminho de mão única que levava do trabalho na enxada até os gabinetes das cúpulas sindicais, cercados de secretárias, só tendeu a reforçar ainda mais o espírito de corpo.

CONCLUSÕES

Porecatu seria somente mais um entre os confl itos pela posse fundiária não fosse a entrada em cena dos comunistas, tornando-se a primeira de uma cadeia de lutas agrárias que iriam eclodir sucessivamente até o golpe militar de 1964. Esse confl ito também permitiu a aparição dos primeiros organismos de tipo sindical destinados a enquadrar o campesinato: as Ligas Camponesas.

No rastilho de Porecatu, os sindicatos comunistas logo se alastraram pelo norte do estado. Essas entidades constituirão uma parte da base da enorme pirâmide sindical que será edifi cada, não somente no Paraná mas também, em todo o território nacional.

Mas as reações à atividade do PCB não tardaram a se manifestar. O contra-ataque que resultou em mais conseqüencias ficaria por conta da Igreja Católica, ameaçada em sua credibilidade junto aos fi éis do campo. Os católicos se lançam no mesmo terreno, jogando o mesmo jogo, e passam a criar os próprios sindicatos.

Assim um novo espaço de luta social foi tomando forma. Em torno da ação do Partido Comunista e da reação por ele suscitada, o campo sindical foi constituído.

O golpe militar vai roubar a iniciativa política dos comunistas e entregá-la aos sindicalistas cristãos, agora empenhados em transformar a Federação e os sindicatos do Paraná numa impressionante máquina de “assistência” ao “trabalhador rural”.

Todavia, para além dos antagonismos, a pesquisa revelou a existência de ligações entre agentes de campos opostos. Uma certa cumplicidade entre alguns sindicalistas do PCB e militantes da FAP fi cou evidenciada, denotando a presença de interesses comuns, ligados à manutenção desse campo de repre- sentação sindical. Aliás, o Partidão provou contar com uma não desprezível penetração entre as elites e o poder local. Depois, apesar de o Partido perma- necer formalmente na ilegalidade, ainda desfrutou uma invejável desenvoltura durante o governo João Goulart.

As distâncias entre “bases” e direções também se traduziam em capacida- des diferenciadas de acumulação de capitais. Entretanto, se é verdadeiro que, de modo geral, os pequenos proprietários dispunham de uma situação fi nan- ceira menos instável que aquela dos demais “trabalhadores rurais”, esse capi- tal não se constituía no fator determinante desse distanciamento. Da mesma maneira, a carreira sindical não se mostrou como uma via de enriquecimento. Porém, o que é certo é que o sindicalismo permitia – e isso já valia para os militantes comunistas – uma acumulação de capitais de outra natureza. A constituição de redes de relações sociais, que ultrapassam de longe o círculo restrito de amizades do “homem do campo”, possibilitou o fácil acesso aos centros de poder, signifi cando um capital social considerável adquirido por esses ativistas. O capital cultural, igualmente, era a segunda vantagem dos mandatários sindicais, traduzido no acesso a uma vida cultural entremeada de cursos e viagens, fora do alcance da maioria dos sindicalizados de base.

O movimento sindical posterior a 1964 só fez institucionalizar essas dis- tâncias sociais. Os dirigentes continuaram acumulando capitais simbólicos inacessíveis ao “trabalhador rural”. À medida que a sua atividade se profi s- sionalizava, os sindicalistas formaram uma corporação cada vez mais à parte e diferenciada nos seus componentes e seus interesses em relação à “base”.

Para muitos deles, o abandono da atividade agrícola foi condição sine qua non para o exercício do mandato de representante. Surgiu um outro “nós”, em meio ao “nós” que incluía todo o campesinato, que iria se traduzir por um ganho de autonomia dos mandatários em relação aos mandantes. Graças a isso os primeiros passam a depender muito mais de si mesmos que dos se- gundos. O espírito de corpo aí gerado conduzirá a freqüentes manifestações de nepotismo e de “presidencialismo”.

O fi nal dos anos 70 encerrou esse primeiro ciclo do sindicalismo. Agora, no lugar do velho Partidão e da Igreja conservadora, novos atores vão a cam- po disputar a representação dos mesmos segmentos sociais, os camponeses ou os agricultores familiares. É interessante perceber que, apesar de todas as rupturas e mudanças graduais ocorridas nesse campo sindical, boa parte das práticas da militância gestadas desde os anos 50 não desapareceu no perío- do seguinte. A força da inércia parece ser maior que a da transformação. O modo de ser dirigente e de conduzir o movimento se incrustou de tal maneira nos sujeitos e nos aparelhos burocráticos, reproduzindo um habitus sindical não só nos herdeiros do “velho” sindicalismo, mas também naqueles que se queriam inovadores.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ACCARDO, A., CORCUFF, P. La sociologie de Bourdieu. 2ª ed. Bordeaux: Le Mas- caret,. 1986. 247 p.

BANDEIRA, M. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil (1961-1964). 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. 187 p.

BOURDIEU, P. La délégation et le fétichisme politique. Actes de la Recherche en

Sciences Sociales, Paris, 52-3, p.49-55, jun, 1984.

. La représentation politique. Eléments pour une théorie du champ politique.

Actes de la Recherche en Sciences Sociales. 36-7, p.3-24, fev.-mar., 1981.

BRANCO, G., ANASTÁCIO, A. Construtores do progresso Norte do Paraná. Londrina: s/ed,. 1970. 130 p

MARESCA, S. Les dirigeants paysans. Paris: Minuit. 1983. 295 p.

SIGAUD, L. Congressos Camponeses (1953-1964). In: Reforma Agrária. 11(6), p.3-8. nov.-dez., 1981.

SILVA, O. H. A foice e a cruz. Comunistas e católicos na história do sindicalismo dos tra-

balhadores rurais do Paraná. Curitiba: Rosa de Bassi, 2006. 424 p.