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PROCESSO DE PARIR

Na maioria das vezes, o nascimento é percebido pela sociedade, como um evento gerador de felicidade e faz parte do ciclo da vida da mulher. Historicamente, o nascimento sempre foi circundado por uma

atenção particular e, até o final do século XIX, a assistência à mulher grávida e ao recém-nascido era exercida essencialmente por mulheres (CARON; SILVA, 2002). Então, as mulheres detinham o poder sobre seu corpo, o nascimento ocorria no ambiente doméstico, rodeadas por suas famílias, assistidas pelas parteiras, que exerciam as tarefas ligadas à parturiente e ao seu concepto, proporcionando-lhes principalmente o repouso, higiene e alimentação. Assim, a assistência ao processo de parir sempre foi permeada pela solidariedade entre as mulheres, o que consequentemente desencadeou um processo gradual de acumulação de um saber essencialmente feminino (COSTA, 2000).

Rezende (1991) referiu que o relato mais antigo, o qual se tem registro no que se refere à assistência ao parto, é encontrado no Livro Sagrado, Gênesis, 25.17-18(1993), no qual a profissão de parteira teria sido exercida por Séfora e Fuá. Convém lembrar que a literatura nesse período da história da humanidade, revelou que as referências em relação à assistência ao parto eram totalmente subjugadas aos preceitos das influências religiosas (REZENDE, 1991). Na era Hipocrática (460 e 377 a.C.) houve a separação entre os preceitos da religião e da medicina. Delascio e Guariento (1981) assinalaram que a doutrina hipocrática depositava total confiança na parteira em seu ofício de auxiliar as mulheres na parturição, destinando ao médico apenas os casos de distócias (REZENDE, 1991).

Segundo Lima e Siebra (2006) até o século XVI, a parteira geralmente era oriunda da classe camponesa e gozava de grande prestígio social em sua comunidade, era uma autoridade em matéria de sexo, controle de fertilidade, concepção, gravidez e parto seguro. O saber das parteiras representava um poder ameaçador para a igreja, que tentava impor condições para se exercer esse ofício, como a obrigatoriedade de que a mulher não tivesse antecedentes imorais de comportamento e que adotasse a crença na religião católica.

No Brasil, as parteiras detinham o conhecimento empírico, passado como ofício de geração em geração. Pessoas de confiança e influentes na comunidade auxiliavam parturientes e promoviam apoio emocional e espiritual (MOREIRA; ARAÚJO; QUEIROZ et al., 2007). O parto deixou de ser um assunto de mulheres, com as novas descobertas científicas da Idade Moderna, quando a ciência volveu seu olhar de curiosidade sobre esse processo (MALDONADO, 2002; MELLO, 2003).

Na Inglaterra do século XVII, ganharam força as teorias e os escritos médicos, nos quais aliaram o corpo da mulher como uma máquina defeituosa, vendo a gravidez e o nascimento como situações

que representavam um risco iminente à integridade física, caracterizados como momentos de dor e sofrimento, necessitando assim, de intervenção qualificada (BERRIOT-SALVADORE, 1990). As diferenças anatômicas e fisiológicas entre homens e mulheres eram associadas à fragilidade e à inferioridade do corpo feminino (DINIZ, 1996).

Em 1630, nos escritos de Rousset, registros demonstraram a viabilidade da cesariana (BERRIOT-SALVADORE, 1990). Em 1677, Chambeerlein, descobriu e utilizou o fórceps (OLIVEIRA et al., 2001), ou seja, a moderna obstetrícia já iniciava sob tutela médica e masculina. No século XVIII, surgiram as maternidades-escola, o que contribuiu para a medicalização completa do parto e do nascimento, uma vez que eles já eram reconhecidos como fenômenos patológicos (BEAUVALET-BOUTOUYRIE, 2002).

Com a criação de universidades no Período Renascentista, a prática médica foi legitimada, o saber acumulado pelas parteiras, curandeiras e herboristas passou a ser uma atividade suspeita (VIEIRA, 2002). Assim, no século XIV a XIX, em toda a Europa, o trabalho feito pelas parteiras foi duramente perseguido pela ação conjunta da corporação médica e das igrejas Católica e Protestante (COSTA, 2000).

Na Europa do século XVIII, a mortalidade materna era elevadíssima e a mudança do local do parto para o hospital não contribuiu para a diminuição, mas foi essencial para a descoberta de antibióticos, de técnicas cirúrgicas e uso de anestésicos, além da consolidação da prática médica neste campo. O maior obstáculo para a hospitalização do parto foi à ocorrência de infecções puerperais nas mulheres ali atendidas. Durante o século XIX, com as descobertas científicas em relação à bacteriologia e a antimicrobianos, utilização de assepsia nas salas cirúrgicas e anestésicas, a lavação das mãos resultou na diminuição da mortalidade materna, melhorando a aceitação dos hospitais como local para parir (VIEIRA, 2002).

Logo após a Segunda Guerra Mundial, o parto saiu do universo feminino e domiciliar e passou a acontecer no ambiente hospitalar, afastando a mulher da sua comunidade e consequentemente perdendo a sua identidade, raízes, roupas e a presença de sua família (MOREIRA et al., 2007). A descoberta do mecanismo da ovulação foi o marco na transformação da assistência à mulher, considerada frágil e com isso necessitando de cuidados médicos, estabelecendo-se aí a Obstetrícia como saber científico, desqualificando o saber empírico das parteiras (MALDONADO, 2002).

participação masculina no cenário do parto se consolidou e tornou-se predominante. O parto tornou-se técnico, científico e inevitavelmente um ato médico (BRENES, 1991 apud KRUNO; BONILHA 2004). Assim, pode-se compreender a herança internalizada do estigma da submissão feminina, refletindo-se, atualmente, no comportamento da mulher diante do processo de parir (KRUNO; BONILHA, 2004). Pois, os homens se “apoderaram” do nascimento, entrando no mundo das mulheres, trazendo as luzes da razão, na tentativa de desvelar o então impenetrável mistério do nascer. Então, o brilho e o mistério do nascimento foram diminuídos, pois médicos/homens transmitiam à mulher que ela era incompetente e dependia do saber médico e do poder masculino para dar à luz (JONES, 2004).

Com a institucionalização do parto, as parteiras, agora diplomadas, passaram a atuar nos hospitais, subordinadas à autoridade médica. Somente no final do século XX, os médicos passaram a propor a formação profissional de parteiras e que fossem também enfermeiras. Assim, desejavam controlar o espaço da prática independente da parteira, limitando e controlando sua ação na assistência ao parto e impondo a hierarquia estabelecida às enfermeiras, principalmente, no hospital (RIESCO; TSUNECHIRO, 2002). No Brasil, a exemplo do que vinha ocorrendo em outras partes do mundo, a classe médica estava empenhada em estabelecer sua hegemonia no campo da saúde e a disputar a clientela da parteira (MOTT, 2002). As estratégias corporativistas para domínio do conhecimento técnico e controle do mercado de trabalho, era interesse da medicina que lutava por sua profissionalização, e temia a concorrência desleal (MOTT, 2002).

A partir de 1940, foi intensificada a hospitalização do parto, o que permitiu a medicalização e o controle do período gravídico puerperal. O parto, antes tido como um processo natural, privativo e familiar, passou a ser vivenciado na esfera pública, em instituições de saúde, com a presença de vários atores conduzindo este período (MOURA et al., 2007). No contexto hospitalar existem normas e rotinas que transmitem e ditam as regras de como a parturiente deve se comportar, durante a sua internação no centro obstétrico, a assistência é permeada por rituais e exigências hospitalares que nada têm a ver com o sonhado por ela, já que é privada de sua autonomia, fica sozinha, restringida em sua deambulação, não podendo expressar a sua dor, e consequentemente, sente-se muito angustiada. A mulher é despida de sua individualidade e passa a ser vista como paciente, submetida à vários exames, diagnósticos diferenciados e procedimentos invasivos que poderiam ser dispensáveis (GAIVA; TAVARES, 2002).

Por considerar o útero como ator no nascimento, o profissional expõe, invade, manipula a parturiente, mas sendo esses procedimentos interpretados pela parturiente como normais e necessários. Então, a medicalização neste aspecto se caracteriza pela substituição do cultural pela tecnologia, entendendo-se neste caso, como equipamentos e intervenções (MOREIRA; ARAÚJO; QUEIROZ, 2006). Conseqüentemente, a institucionalização do parto obriga a presença quase que exclusiva do médico na assistência e o aumento abusivo nas taxas de cesarianas, bem como a falta de humanização e a ausência do pai ou outro familiar na hora do nascimento, exacerbando o sentimento de medo, sofrimento e abandono na parturiente (MACEDO et al., 2005). Não se pode negar que a obstetrícia produziu grandes avanços no conhecimento sobre o processo de gestar e parir, sobre as patologias obstétricas e seus tratamentos, mas, também produziu a medicalização e tirou a autonomia da mulher no processo de parir (CAPARROZ, 2003). A evolução da tecnologia obstétrica permitiu uma assistência mais sofisticada, reduzindo riscos maternos e fetais, porém, infelizmente, resultou em profunda dissociação entre os aspectos somáticos e emocionais (MALDONADO, 2002). No entanto, esse não é um discurso contra a tecnologia ou o hospital, mas uma reflexão, pois a mulher não é só uma reprodutora, sobretudo é um ser total e deve ser tratada como tal. Parir não é só uma forma de construir outra vida, mas de tratar a vida da própria parturiente. Caparroz (2003), afirma que a responsabilidade de quem assiste as parturientes é a de facilitar o processo natural.

Insatisfeitas com o tratamento oferecido às mulheres, segundo Diniz (1996), surgiram, no século XX, os movimentos feministas que buscavam resgatar o respeito e o valor da mulher na sociedade, dando origem aos movimentos de humanização do parto e nascimentos conscientes, tentando remodelar a visão da mulher frágil e incapaz de parir sem a presença do excessivo aparato tecnológico (DINIZ, 1996).

Com isso, várias ações a nível internacional e nacional são deflagradas buscando a humanização desta assistência, as quais serão abordadas a no próximo subítem. Mesmo com todo o esforço do Ministério da Saúde brasileiro, com o Programa de Humanização do Parto Normal (PHPN), a assistência ao nascimento está muito arraigada ao contexto hospitalar, pois existe acesso à tecnologia de “ponta” para realizar diagnósticos, terapêuticos e assistenciais, mantendo, de certa maneira, seu caráter intervencionista, resistindo à aproximação da família nessa vivência.

Essa cultura do paradigma tecnocrático ainda faz com que alguns profissionais de saúde dêem pouco valor, ao que a publicação da

avaliação científica das práticas de assistência à mulher, durante o parto, evidenciou como eficiente e segura, ou seja, um mínimo de intervenção sobre a fisiologia. Para a Organização Mundial da Saúde: “o objetivo da assistência é obter uma mãe e uma criança saudáveis, com o mínimo possível de intervenção que seja compatível com a segurança” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1996, p.04). Sendo que os profissionais de saúde deverão ter uma justificativa válida para intervir sobre o processo natural.

A política pública de humanização na assistência ao parto e nascimento é resultado de mobilização popular e de profissionais de saúde, associações do tipo não-governamentais e redes de movimentos, que adotaram uma posição crítica frente ao modelo hegemônico de atenção ao parto e ao nascimento, isto porque realizaram encontros e refletiram sobre o que seria um atendimento “humanizado” neste contexto.

Surgiu então o seguinte conceito de humanização: é a atenção que parte do reconhecimento dos direitos fundamentais de mães e crianças e do direito à tecnologia apropriada na assistência. Esse conjunto de demandas incluiria o direito à escolha de local, pessoas e formas de assistência no parto; a preservação da integridade corporal de mães e crianças; o respeito ao parto como experiência altamente pessoal, sexual e familiar; a assistência à saúde e ao apoio emocional, social e material no ciclo gravídico-puerperal; a proteção contra o abuso e a negligência (REHUNA, 2009).

Ou seja, conforme Diniz (2001): é respeitar à fisiologia humana, rejeitando as condutas tecnicamente irresponsáveis, negligentes, antifisiológicas e arriscadas; é atender às dimensões das relações humanas, sociais, psicológicas, familiares, entre outros, em oposição à frieza do ambiente hospitalar.

Nessa concepção de assistência, a mulher é a protagonista de seu processo de parir, sustentada no respeito e na sua liberdade de escolher onde, de que forma e como quer ser assistida. Como pensar numa assistência em que sejam abolidas as condutas arriscadas e inúteis para a obtenção de resultados positivos? Desconstruir a maioria das rotinas que representam riscos é o primeiro passo (REICHARD, 2007).

Para a OMS, 70% a 80% de todas as gestantes podem ser consideradas de baixo risco no início do trabalho de parto. Considera como responsabilidade dos profissionais de saúde: 1) dar apoio à mulher, ao seu parceiro e à sua família durante o trabalho de parto, no nascimento e logo após o parto; 2) observar a parturiente, monitorar o estado fetal e posteriormente o do recém-nascido; 3) avaliar os fatores

de risco e detectar problemas precocemente; 4) realizar intervenções, como amniotomia e episiotomia, se necessário; 5) prestar os cuidados ao recém-nascido após o nascimento; 6) encaminhar a parturiente a um nível de assistência mais complexo, caso surjam fatores de risco ou complicações que justifiquem (OMS, 1996).

Nesta linha de pensamento vislumbrou-se a participação da enfermeira obstétrica como a profissional preparada para assistir a mulher no processo de parir de baixo risco, pois diferente de muitos profissionais que são adeptos à medicalização e intervenções as enfermeiras obstétricas, na sua maioria, superam esse modelo de assistência e desenvolvem habilidades não invasivas, que são peculiares do modelo humanizado feminino e desmedicalizado de assistência ao parto (VARGENS; PROGIANTE; SILVEIRA, 2008).

No Rio de Janeiro, na década de 90, foi iniciada a implantação da Política de Humanização do Parto e do Nascimento e uma das estratégias foi à utilização de enfermeiros obstétricos nos partos de baixo risco. Com isto mudam também as práticas de rotinas institucionais (SILVA et al., 2005). A casa de parto, como estratégia de mudança do modelo se caracteriza por: valorização da presença do parceiro/acompanhante favorecendo o sentimento de compartilhação; acolhimento da mulher/família pelo profissional e pelo serviço; valorização do grupo de gestante; profissional não é desconhecido; ambiente acolhedor, “diferente” do hospital; valorização do manejo da dor com recursos não-farmacológicos; a redescrição da dor; valorização da presença da enfermeira; postura ativa da mulher, dona de seu próprio corpo, como protagonista de seu próprio parto; parto como vivência prazerosa; satisfação com o atendimento, comprovado pelo retorno à Casa de parto para ter outros filhos; relação de simetria entre profissional e usuária (DINIZ, 2005).

2.2 O PROFISSIONAL QUE ASSISTE O PARTO. QUEM É A