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2.4 A COMPREENSÃO DA MULHER ACERCA DO FENÔMENO

2.4.3 O parto como fonte ordenadora

Para Nogueira (2006) prevalecem no imaginário popular e cultural alguns mitos relativos ao parto, como: a dor do parto como punição, como castigo imposto pela desobediência de Eva; a crença de

que o parto destrói o canal vaginal tornando-a impotente e incompetente para o prazer sexual (sendo solucionado pela episiotomia ou pela cesárea); o medo de morrer no parto, transmitidos por histórias trágicas contadas por familiares ou conhecidos.

Portanto, diante do complexo processo de parir e nascer, os mitos influenciando na opção da mulher pela cesariana, e como enfrentar essa situação? Como atuar para que essa vivência signifique saúde, felicidade, empoderamento para a mulher e para a família? Se o paradigma tecnocrático se mostra falido, insensível, incapaz da dimensão humana e o holismo sem amplitude e de imediato sem perspectiva de que as mulheres tenham acesso? Será que o paradigma humanista se dá conta dessa expectativa no contexto hospitalar?

Segundo a mesma autora, o fenômeno que está além das concepções racionais do divino, é denominado de inefável, ou seja, algo que não pode ser descrito, mas só experienciado. Nesta perspectiva o parto é definido como mysterirum tremendum e fascinans (mistério terrível e fascinante).

Ao querer superar este paradigma, pode cair na mais fácil das tentações: polarizar as duas dimensões do sagrado, empunhando seu aspecto fascinante na tentativa de rejeitar aquele apavorante. Como se manifesta esta situação na humanização do parto? (NOGUEIRA, 2006).

A moderna tecno-obstetrícia, com todas suas inúmeras intervenções na qualidade de protocolos, normas, rotinas, máquinas, botões, luzes, gráficos, encarna com esmero a ideia do parto como mysterium tremendum (mistério tremendo) A crença que mantém em vida gestos, escolhas e atitudes é uma prova de que se está lidando com um ritual que guarda as portas do sagrado. A obsequiosa fidelidade a práticas, mesmo cientificamente ultrapassadas, denuncia o temor frente ao “mistério tremendo” do parto, usando assim luvas, panos, máscaras, instrumentos metálicos, distanciamento emocional e impessoalidade (NOGUEIRA, 2006).

Por outro lado está o fascínio do sagrado, o nascimento cativa, envolve, hipnotiza. Ao querer resgatar a beleza à força pode-se tentar tomar um atalho; mudar de lado, afirmando com ênfase o aspecto fascinans do parto, denunciando práticas e se desfazendo dos antigos rituais (NOGUEIRA, 2006).

Os rituais em torno do parto, fruto de séculos de civilizações, seguem necessidades psicológicas e sociais profundas. Pôr em cheque o uso desnecessário de tecnologias é um passo indispensável, mas não suficiente para mudar o paradigma. Despir o parto de todo e qualquer significado simbólico e espiritual revela a cegueira de quem não enxerga

sua dimensão iniciatória (NOGUEIRA, 2006).

Nas atitudes das mulheres esta problemática se manifesta na oscilação ente o medo surdo do parto, unido à crença cega na palavra do médico e sua simplória redução a um ato fisiológico, qualquer mulher em posse de informações (racionais) e disposta a rebelar-se contra o sistema opressor dá conta de realizá-lo, até sozinha. Desconsidera-se que o ritual do parto, é uma resposta à chamada ansiedade ôntica, existencial e humana, impondo às mulheres medidas que garantam sua segurança. Essas medidas lhes dão estrutura para enfrentarem o mysterium tremendum que elas instintivamente reconhecem no parto.

A humanização do parto deve promover a transição para um novo paradigma do sagrado. Isso ocorre garantindo novos rituais que permitam o acesso ao poder benéfico do parto. A visão que humaniza reconhece a dimensão simbólica e espiritual do parto, bem como seus aspectos fisiológicos e materiais e sabe inserir-se na individualidade única de cada mulher. Desta forma é possível promover a transição para a experiência do sagrado no parto como fonte de força ordenadora, de poder vital interior e propulsor, que se expressa em auto-estima, saúde mental e social, integridade, dignidade e responsabilidade (NOGUEIRA, 2006, p. 125).

Para Kitzinger, (1978) apud Kruno; Bonilha (2004), a gravidez é um estado ritual, na maioria das sociedades. Ter um bebê não é apenas um processo de importância biológica ou sociológica, pois há muitos níveis de significado. Segundo essa autora, ao ser realizada a despersonalização do parto (com a institucionalização e seus rituais próprios), fica-se com o invólucro físico, mas o significado transcendente foi eliminado.

Foi observado no estudo de Machineski, Schneider e Bastos (2006), sobre a corporeidade da mulher no pós-parto, que o preparo ultrapassa a dimensão do corpo (exercícios, caminhadas), atingindo também dimensões simbólicas (figuras, flores, incensos...). Havia um cuidado todo especial em relação ao ambiente, também chamado de ninho.

Dessa forma é necessário trazer esses aspectos subjetivos, transcendentes na assistência ao parto a fim de valorizar o mistério fascinante, abolir os rituais que dão “controle e segurança” aos profissionais e que nada têm de científico. Essa valorização entende-se como o espaço para oração dentro da instituição, a imagem de símbolos religiosos protetores, deixá-la trazer consigo sua medalhinha, promover

ambiente acolhedor com flores, som agradável, iluminação natural, contato com a natureza, durante o trabalho de parto.

3 DESVELANDO O REFERENCIAL TEÓRICO

Para embasamento teórico, a opção foi pela Teoria da Enfermagem Humanística de Paterson e Zderad; essa escolha deveu-se, também, à identificação com o conceito de relação dialógica das autoras e por se tratar de uma pesquisa convergente-assistencial, uma vez que a mesma fundamenta tanto a prática assistencial quanto à pesquisa em desenvolvimento.

Segundo Rolim, Pagliuca e Cardoso (2005) a teoria da enfermagem humanista de Paterson e Zderad contempla a prática da enfermagem humanística, o fenômeno da enfermagem com o bem-estar, o potencial humano, a transação intersubjetiva, o diálogo vivo desenvolvido pelo encontro, pela relação, pela presença e pelo chamado e resposta. A teoria humanística considera a experiência, a concepção, a participação e o ponto de vista particular de cada enfermeira, em relação às suas vivências no mundo e na enfermagem.

Assim, neste capítulo há a apresentação da Teoria Humanista, incluindo inicialmente uma síntese biográfica de Paterson e Zderad, o contexto de origem, as fontes teóricas, bem como as ideias, as quais deram origem a este modelo. Na sequência está à apresentação do marco conceitual elaborado com base na referida teoria, adaptado à realidade do cenário de prática e da pesquisa, os elementos e os pressupostos pessoais.

3.1 BREVE BIOGRAFIA DE PATERSON E ZDERAD E ORIGEM