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Neste capítulo apresentei as contribuições da enfermeira obstétrica no cuidado baseado na Teoria Humanística no processo de parir.

Ao me inserir como enfermeira obstétrica no processo de cuidar na prática assistencial à parturiente, e desenvolvendo este estudo enquanto investigadora ocorreu constante crescimento e envolvimento com a Pesquisa Convergente-Assistencial, trazendo contribuições para a enfermagem obstétrica pela percepção de um modelo teórico fenomenológico, que se adapta aos aspectos subjetivos da parturiente, essenciais para a melhoria da qualidade e satisfação da mulher que vivencia o processo de parir.

No processo de cuidar a partir do diálogo vivido proporcionado pelo encontro, relação, presença genuína e chamado resposta, percebi a parturiente como um ser singular em seu existir-no-mundo, de onde abstrai lições de vida, de amor e dedicação à família e de difíceis enfrentamentos para a sobrevivência das mesmas.

Por ser uma teoria baseada na relação intersubjetiva, não existe modelo pré- estabelecido a ser seguido. O processo de cuidar vai se constituindo quando se estabelece o encontro verdadeiro e a singularidade da parturiente vai se desvelando. Então, posso dizer que experimentei a relação intersubjetiva à medida que percebia as necessidades da parturiente, seus medos, sua dor e evolução do trabalho de parto, simplesmente por estar presente e ver pela expressão não verbal, pela intuição e sintonia o que ela queria dizer, quais suas expectativas em relação ao cuidado que gostaria de receber. E, ao perceber sua satisfação com o cuidado, alimentava também o meu “self”.

Nesta relação esta mulher se desvelava em vinculação às suas expectativas e preocupações em seu existir no mundo, o que por vezes a fazia sentir-se impotente, pois ela precisava de moradia, de emprego, de qualificação, acesso aos bens de saúde (como: anticoncepção segura, medicamentos, educação em saúde) dignidade para ter saúde e ser feliz, só podendo ajudar de maneira limitada.

A cada vivência compartilhada com a parturiente, a postura foi de escuta ativa e fiquei satisfeita ao perceber a naturalidade e a espontaneidade com que as mulheres falaram de suas experiências anteriores, de suas famílias, de suas realizações e de suas dificuldades. Então, pontuei os problemas identificados e as intervenções pertinentes (combinadas com ela), assim, solicitei apoio psicológico, interseção do serviço social, ajuda do grupo de apoio às mães (fornecimento de enxovalzinho), serviço de nutrição (rever dieta para a mulher que não comia carne de porco por convicção religiosa) e demais setores da maternidade.

A singularidade de cada parturiente era percebida por mim, diante da forma natural como algumas mulheres agiam diante do processo de parir, enquanto outras manifestavam sentimentos ambíguos, como medo e destemor; preocupação e alegria..., algumas aprendendo, outras ensinando e eu aprendendo sempre, compartilhando os saberes.

Neste processo apreendi que as parturientes escutam e absorvem conhecimentos até do olhar, desenvolvendo potencialidades inatas ou adormecidas. Elas não procuram o isolamento. Nesse momento sentem necessidade da presença amiga, calorosa, companheira e segura da

enfermeira obstétrica, além do companheiro de sua escolha. Elas, no processo de parir, devem ser protagonistas nessa vivência. Eu, enquanto enfermeira obstétrica e pesquisadora, percebi as necessidades das parturientes e as respondia, atendendo-as, isto é gratificante, muitas vezes trabalhoso, mas sempre gratificante. Foi difícil não sentir ansiedade diante da ansiedade, o medo, o desconforto, a dor, a insegurança da parturiente despreparada e desempoderada. E, nisso desgastei muito energia, porém, ao cuidar, confortar e assistir o parto e o nascimento com sucesso sentia-me revitalizada e muito feliz.

Apreendi o quanto a presença empática proporciona cuidados alternativos para oferecer conforto e “bem-estar” à parturiente, também para enviar energia positiva, pois em várias situações, quando realizava massagens lombares mentalizava e pedia ao poder altíssimo, que enviasse energia positiva para que nós vivenciássemos com plenitude, confiança e segurança aquele momento. O toque me permitia captar a energia da mulher e perceber a tensão em seu corpo e assim, pelo toque e palavras de encorajamento, proporcionei o relaxamento.

A experiência de cuidar, durante o processo de nascimento, no espaço familiar, significa uma possibilidade de cuidado diferenciado, resgatando a autonomia da mulher, enquanto parturiente e enfermeira, como protagonistas do cenário feminino no nascimento. A capacidade de cuidar pressupõe três condições interligadas: o saber-agir que prescinde dos conhecimentos, habilidades e dos recursos que o indivíduo dispõe; o poder-agir que depende do contexto organizacional, no qual ele evolui e é determinado; e, por fim, o querer-agir é testemunho do sentido que toma a ação para a pessoa, da imagem que ela tem de si, da confiança e do reconhecimento que experimenta (ODENT, 2000). Assim, como cuidadora sabia como agir de acordo com as diretrizes da humanização da assistência ao parto e nascimento; o poder agir foi permeado de “jogo de cintura”, pois o ambiente hospitalar e a cultura intervencionista dos profissionais que compõem a equipe de saúde interferiam o tempo todo no processo de cuidar e pesquisar e o querer agir era o meu objetivo.

6.2.1 As contribuições da enfermeira no contexto do estudo

Entendendo o acolhimento como um momento crucial para se estabelecer o encontro genuíno entre a parturiente, a enfermeira obstétrica e o acompanhante, obtevi das parturientes a percepção deste

momento como definidor de seu estado de espírito, deixando-as mais tranquilas ou ansiosas.

Beta sugeriu que no momento da admissão e na situação em que se encontrava (com contrações fortes), fosse agilizado esse atendimento, pois não suportava aguardar sentada na cadeira. Essa reivindicação vem ao encontro ao que está disposto no Programa do HUMANIZASUS (BRASIL, 2004a), no dispositivo acolhimento com classificação de risco e só reforça a necessidade de reorganização do processo de trabalho, pois não há condições de uma mesma enfermeira obstétrica atender sozinha a admissão da cliente (triagem obstétrica), o pré-parto, as mães e bebês em alojamento conjunto, Centro Cirúrgico/Obstétrico, Centro de Materiais e Esterilização e Banco de Leite humano. Beta ainda sugeriu que tivessem duas salas de admissão, pois no seu caso ela teve que aguardar por 10 minutos outra parturiente que havia chegado antes.

A partir da colocação de duas parturientes que falaram o quanto o ambiente interferia no conforto e confiança no processo de parir, pude reavaliar o meu compromisso enquanto pesquisadora para com elas, pois também já havia identificado que a ambiência e a organização do processo de trabalho apresentavam lacunas em relação à humanização da assistência. Considerando que a PCA implicava no compromisso de trazer benefícios ao contexto assistencial, no transcurso do processo investigativo, reencaminhei solicitação à direção para contratação de mais três enfermeiras para dividir os setores e dispor de profissional exclusiva para a admissão e o pré-parto, ou plantão presencial do obstetra, assumindo a admissão (triagem obstétrica). Essa situação me fez ver que há necessidade da equipe de enfermagem estar atenta, sensibilizada e incorporando o seu protagonismo para acontecer o acolhimento, pois ao constatar a presença de mais parturientes na sala de admissão, primeiro acolhê-la e acomodá-la na sala de pré-parto, depois realizar o exame obstétrico e providenciar os trâmites burocráticos.

Outro dispositivo do HUMANIZASUS aborda a questão da ambiência e o espaço físico da admissão é impróprio, pois é restrito, não há canalização de oxigênio ou ar comprimido, não há janela que permita a entrada de claridade natural e circulação de ar. Esse ambiente é inadequado para o atendimento humanizado, não há condições de acomodações dignas para a parturiente, o acompanhante e o profissional de saúde, para que possam realizar as abordagens com tranquilidade, privacidade, sem falar nas condições para atender casos de emergência e período expulsivo, que eventualmente ocorrem neste ambiente.