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2.2 O PROFISSIONAL QUE ASSISTE O PARTO QUEM É A

2.2.1 Os caminhos na formação da enfermeira obstétrica

No Brasil, o ensino formal de parteiras foi criado em 1932 e ocorria no espaço das escolas médicas, concedia-lhes o título de "parteira" (também conhecida como obstetriz) e a única exigência para o exercício profissional era o pagamento das taxas (OSAWA; TANAKA, 1997).

Segundo Osawa e Tanaka (1997), quase 100 anos após, o título de parteira foi modificado para o de “enfermeira obstétrica”, em decorrência à criação da profissão de enfermeira, em 1923. Porém, a concessão do título de “enfermeira” por escolas médicas provocou uma celeuma entre enfermeiras e parteiras. A primeira reivindicava que o curso de enfermagem fosse pré-requisito para ingresso no curso de parto; enquanto a parteira defendia que a enfermagem e a obstetrícia eram profissões afins, porém distintas, e cujo curso de partos deveria permanecer sob a tutela médica.

Com a Reforma Universitária de 1968, que tinha como um objetivo o de evitar a duplicidade de cursos com finalidades semelhantes, encerrou o curso de parteiras oferecido pelas escolas médicas. Ficou então, exclusivamente, sob a responsabilidade das escolas de enfermagem a capacitação formal de não-médico para assistência ao parto normal e ao nascimento (RIESCO; TSUNECHIRO, 2002).

A duplicidade de profissões - parteira (obstetriz) e

enfermeira obstetra -significava, em sua essência, dois

modelos de formação profissional: o modelo europeu, ligado às escolas médicas, e o modelo norte-americano, ligado às escolas de enfermagem. A mudança de tutela destruiu um paradigma profissional, de autonomia e de formação voltada exclusivamente para prática de atenção ao parto (OSAWA; TANAKA, 1997, p.103).

Em 1943, para ser aluna no curso de obstetrícia, a candidata deveria ter o diploma de enfermeira e em 1949 esse título correspondia à especialização em Enfermagem Obstétrica, seguindo a legislação do ensino de enfermagem. Esse projeto tornou-se paradigma para outros cursos, que foram criados posteriormente, no Brasil (OSAWA; RIESCO; TSUNECHIRO, 2006).

“Obstetrícia” deixou de existir no ingresso à universidade, sendo postergada para o último ano do curso e, apesar da denominação de Enfermagem e Obstetrícia, poucas escolas ofereciam esta formação. Em 1994, o currículo mínimo de enfermagem foi modificado e as habilitações extintas, restando à especialização em enfermagem como único curso previsto para formação específica de profissionais não- médicos na área obstétrica (RIESCO; TSUNECHIRO, 2002).

A constatação desanimadora foi de que as enfermeiras especialistas não se sentiam estimuladas a permanecer no campo da assistência ao parto, pois em estudo realizado com 45,5% das egressas do curso de obstetrícia da escola de enfermagem da Universidade de São Paulo, em 15 anos de formação (de 1980 e 1995), constatou que a metade delas não exercia a habilitação em enfermagem obstétrica (MERIGHI; MERIGHI, 2003). Em 1983 a enfermeira obstétrica ou obstetriz ocupava apenas 5% dos cargos de enfermeiros no Estado de São Paulo, sendo o melhor índice nacional.

Somente a especialização em enfermagem obstétrica tem sido incapaz de produzir o impacto tão esperado na qualidade e no modelo de assistência ao parto. Todos os organismos oficiais, educacionais e serviços de saúde precisam estabelecer parcerias para pesquisar, estabelecer e desenvolver modalidades de capacitação formal de parteiras nos diferentes níveis de graduação de obstetrizes, especialização de enfermeiras, treinamento de auxiliares de enfermagem e de parteiras tradicionais (RIESCO; FONSECA, 2002).

Porém, mais importante que o tipo de preparação para a prática oferecida por qualquer governo, é a competência e a capacidade da enfermeira obstétrica de atuar de forma decisiva e independente.

A enfermagem obstétrica é uma profissão exercida quase que exclusivamente por mulheres, num sistema de saúde com imensas desigualdades nas condições de acesso às usuárias e na qual há forte hegemonia do profissional médico. Os fatores como, mudanças amplas no sistema de saúde e na sociedade em geral, avanços do modelo econômico, com incremento da urbanização, da tecnologia, entre outros aspectos da vida humana, são, em última instância, os responsáveis pela consolidação da representação social da enfermeira obstetra na sociedade (RIESCO, 1998, p.14).

A formação da enfermeira obstétrica tem sua função voltada para dar maior ênfase aos aspectos fisiológicos do parto, assim como, atenção aos aspectos socioculturais e emocionais, privilegiando a

formação baseada na compreensão do fenômeno singular que é o parto, como evento saudável da vida e de alto significado (DIAS; DOMINGUES, 2005). Ela é também uma das profissionais mais apropriadas para o acompanhamento da gestação e partos normais de baixo risco.

Estudos realizados na Inglaterra e Estados Unidos demonstraram que os partos assistidos pelas enfermeiras obstetras apresentam menores índices de cesarianas, de uso de fórceps, de indução do parto, controle eletrônico dos batimentos cárdio-fetais e, menor freqüência do uso de medicação, o que reflete no nascimento de bebês apresentando melhores índices de Apgar (MERIGHI; GUALDA, 2002, apud KLEIN; LOYD; REDMAN et al., 1983).

Apesar de haver prerrogativa legal para a atuação da enfermeira obstétrica, amparada pela Lei do Exercício Profissional nº 7498/86, regulamentada através do Decreto-Lei nº 94406/87, e das atuais Portarias do Ministério da Saúde que institucionalizam o procedimento da realização do parto normal, tal fato esbarra na institucionalização da função médica, segundo o qual o profissional incumbido de assistir o parto é o médico (BRASIL, 1986).

Em maio de 1998, o Ministro da Saúde, BRASIL (1998a) rompeu com o sistema hegemônico, assinou a Portaria n° 2815 e reconheceu a importância da realização do trabalho de parto e do parto assistido pela enfermeira obstétrica (MERIGHI; MERIGHI, 2003).

A Portaria, referida anteriormente, de 29 de maio de 1998, do Ministério da Saúde, baseada na Lei 7.498 de 25 de junho de 1986, define as atribuições do (a) enfermeiro (a) na área obstétrica, apontando inclusive remuneração a serem pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em partos assistidos por enfermeira, bem como a reativação da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras (ABENFO) (BRASIL, 1998a).

Dessa forma, concordo com Osawa e Tanaka (1997) quando dizem que a opção em limitar a atuação na obstetrícia à especialização em enfermagem respondia aos interesses hegemônicos da medicina, pois consideravam a enfermeira obstétrica como auxiliadora do médico, servindo aos interesses daquela categoria profissional.