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Paralelamente à formação da enfermeira obstétrica, vai se constituindo no cenário nacional, após muita luta de movimentos sociais, o modelo assistencial na saúde da mulher e da criança começa a registrar alterações. Contudo, as políticas públicas da saúde da mulher e da criança sempre enfatizaram mais o período gravídico-puerperal.

Das políticas públicas de saúde no Brasil, até o início dos anos 60, a institucionalização do parto foi uma das poucas ações públicas voltadas para a saúde da mulher. Somente em 1983, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), pois implantou a assistência pré-natal, nos moldes que conhecemos na atualidade (BASSO, 2007).

O PAISM foi fruto do movimento feminista, do movimento pela democratização da Saúde e pela reforma sanitária, na definição de políticas sociais de saúde do interesse das mulheres, buscando superar a perspectiva materno-infantil hegemônica, na atenção à saúde. Mesmo assim lamenta-se que em muitos “serviços”, o programa limitou-se apenas às metas focalizadas e à assistência ginecológica e obstétrica tradicional (COSTA, 2002).

Diante dos vergonhosos indicadores da saúde materno-infantil, na década de 80, emergiram discussões sobre a situação feminina e sua inserção social nos serviços de saúde. Neste contexto vários órgãos governamentais e não governamentais passaram a questionar o aumento

da mortalidade associada ao ciclo gravídico-puerperal, motivando mudanças nas políticas de atenção à saúde da mulher (NOGUEIRA, 2006).

O quadro desfavorável na saúde materno-infantil não era exclusividade brasileira, despertando estudos científicos que culminaram em 1979, na Europa, com a revisão de cerca de 40.000 estudos sobre 275 práticas de assistência perinatal, surgindo então o conceito de Medicina Baseada em Evidência Científica. Segundo Diniz (2001), em 1985, a Conferência sobre Tecnologia Apropriada para o Nascimento adotou um conjunto de recomendações da OMS, acerca das técnicas de assistência ao parto, embasadas nos estudos anteriormente citados, sendo acordado que qualquer intervenção sobre a fisiologia deve ser feita somente quando há prova de que esta conduta é mais segura e efetiva que a não intervenção. Essas recomendações não levam em conta somente a evidência científica, mas consideram também os direitos das mulheres à informação e à decisão em questões de saúde- doença. A humanização da assistência ao parto é uma reivindicação dos setores mais avançados da área da saúde, preocupados com o crescente desequilíbrio entre tecnologia e relação médico-paciente (OMS, 1996).

No final da década de 80, segundo Tornquist (2002), surgiram associações do tipo não-governamentais e redes de movimentos, que adotando uma posição crítica frente ao modelo hegemônico de atenção ao parto e ao nascimento, realizavam encontros a fim de refletir sobre o que seria um atendimento “humanizado” neste contexto.

“É importante ressaltar que a enfermagem tem participado das principais discussões acerca da saúde da mulher, juntamente com os movimentos sociais feministas, em defesa do programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento” (MOURA et al., 2007, p.453).

Em 1993, em Campinas-SP, reuniram-se leigas e profissionais de saúde de vários estados brasileiros que trabalhavam com gestação, parto e nascimento, para conversar e discutir sobre a situação do “nascer em sociedade”, refletir sobre as mudanças impostas pela sociedade na forma de parir e nascer, discutindo-os enquanto situações de violência e constrangimento durante toda a assistência à saúde reprodutiva, especialmente no parto e no nascimento. Como resultado desse encontro elaborou-se o documento “Carta de Campinas”, que representa o Ato de Fundação da Rede pela Humanização do Parto e nascimento (REHUNA) e com ela a proposta de repensar e modificar o atendimento à mulher na gravidez, no parto e no puerpério (REHUNA, 1993).

Entretanto, foi só em 1996 que o Ministério da Saúde, (BRASIL, 1996), publicou uma versão completa de pesquisas da Medicina

Baseada em Evidências em Perinatologia.

Visando normatizar as ações assistenciais do panorama obstétrico nacional, com a amplitude necessária a um atendimento de qualidade, o governo por meio da portaria n° 569, de 1º de junho de 2000, BRASIL (2000), lançou o Programa de Humanização do Pré-Natal (PHPN), caracterizado pelo olhar integral na assistência obstétrica e pela afirmação dos direitos da mulher.

Sobre as práticas do PNPH, Bonilha e Espírito Santo (2000, p.5), enfatizam que:

[...] tais práticas incluem o respeito ao processo fisiológico da parturição e nascimento de cada bebê, nos quais as ações dos profissionais de saúde devem ser cuidadosas, evitando-se os excessos e utilizando-se, de modo criterioso, os recursos tecnológicos disponíveis.

Esse processo pró-humanização abriu espaço para o diálogo sobre a mudança de condutas e de procedimentos adotados nos serviços, priorizando o parto vaginal, a não medicalização do parto e a redução de cesarianas; crítica aos procedimentos que levam à despersonalização da mulher à realização de operações cesáreas desnecessárias e incentiva o processo de parto ativo como um acontecimento fisiológico (NOGUEIRA, 2006).

Para a humanização do parto é fundamental a boa preparação da gestante para esse momento, que deverá ser iniciada precocemente durante o pré-natal. Assim, profissionais de saúde devem mobilizar esforços a fim de atendê-las de maneira humanizada. Para tanto, dever- se-á promover o acolhimento da mulher e de seu companheiro no serviço de saúde, fornecendo informações desde as mais simples, de onde e como o nascimento deverá ocorrer, o preparo físico e psíquico da mulher e, sempre que possível, realizar uma visita à maternidade para conhecer suas instalações físicas, o pessoal e os procedimentos rotineiros, entre outros (BRASIL, 2001).

No Brasil, em 2000, foi iniciada uma campanha encabeçada pela Rede pela Humanização do Parto e Nascimento (REHUNA), para que a mulher tivesse direito ao acompanhante no parto. Esta campanha teve apoio da Rede Nacional Feminista de Saúde, dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras Obstetras e da União dos Movimentos Populares de Saúde de São Paulo (BRŰGGEMANN, 2005).

preocupação com a saúde integral da mulher e não apenas no ciclo gravídico-puerperal, englobando também políticas de atenção voltadas à mulher vítima de violência, bem como a legalização da Antecipação Terapêutica do Parto em situações especiais (BRASIL, 2005b). Neste mesmo ano, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Obstétrica e Neonatal, considerando a necessidade de adotar medidas que garantissem o atendimento obstétrico e neonatal de qualidade como direito de toda mulher, estabelecendo princípios e diretrizes para o atendimento à mulher desde o pré-natal até o puerpério, com atenção às principais intercorrências obstétricas (BRASIL, 2005a).

Após 5 anos de mobilização social, o Congresso Nacional sancionou, pelo Presidente da República, a Lei de nº. 11.108 que obriga os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), da rede própria ou conveniada, a permitirem a presença de um acompanhante escolhido pela parturiente durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós- parto imediato (BRASIL, 2005c). Esta lei pode ser considerada um dos primeiros passos dados pelo país na questão da humanização do parto. Embora a lei exista, há muita resistência de profissionais e instituições que alegam não possuir “estrutura” para atendê-la, razão pela qual o Ministério da Saúde deflagrou, em maio de 2006, uma campanha nas redes pública e privada de saúde sobre a existência deste direito (SILVA; TYRREL, 2005).

Sabe-se que os serviços de saúde só serão eficazes se levarem em conta os fatores sociais, econômicos, políticos, o imaginário social sobre o feminino e as relações de gênero, infelizmente pouco considerados na prática, desde a antiguidade até os dias atuais (BRASIL, 2003).

Percebe-se, segundo Basso (2007), que as políticas de atendimento obstétrico e neonatal vêm evoluindo positivamente na qualificação da atenção à mulher no período gravídico-puerperal, e apesar ainda da ênfase nos aspectos técnicos do atendimento, ressalta-se a tendência em adotar o ideário da humanização do nascimento e parto. No entanto, deve-se considerar o enorme fosso entre “política de atenção”, da “realidade prática” da atenção obstétrica, diante dos inúmeros problemas que afetam os serviços de saúde.

2.4 A COMPREENSÃO DA MULHER ACERCA DO FENÔMENO