• Nenhum resultado encontrado

3. OS IMPOSTOS E RECEITAS PÚBLICAS NO SISTEMA FISCAL

3.4. IMPOSTO DE CONSUMO

3.4.1. A TRIBUTAÇÃO DO CONSUMO

A expressão “tributação do consumo” abrange uma larga gama de tributos de natureza diversa. Poderá dizer-se que os impostos de consumo são “aqueles que dizer-se pagam no contexto da utilização de bens e dizer-serviços finais

no país onde são consumidos”. No consumo, tributa-se o rendimento ou o património utilizado no consumo.81

Segundo a Doutrina diversa, os impostos gerais de consumo ou impostos de transações repartem-se em duas categorias: podem ser monofásicos ou “únicos” (single-stage taxes), que são aqueles que incidem sobre uma única fase do circuito económico (na produção: imposto monofásico no produtor, que grava as vendas do produtor, no comércio por grosso: imposto monofásico no grossista, que tributa as vendas do grossista ou no comércio a retalho: imposto monofásico no retalhista, que atinge as vendas do retalhista); ou podem ser pluri-fásicos (multiple-stage taxes), esão aqueles que incidem sobre todas as fases do circuito económico, ou seja, os impostos plurifásicos estendem-se ao longo de todo a cadeia do processo produtivo, nomeadamente na produção industrial, no comércio por grosso e no comércio a retalho.

Os impostos monofásicos, como vimos anteriormente, incidem num único estágio do processo produtivo. Assim, estes impostos têm menor capacidade para gerar receitas, visto que há um número limitado de sujeitos passivos neste imposto. Com efeito, quanto mais recuado for o estágio do circuito económico em que se lance um imposto sobre o consumo, mais limitado será o número de contribuintes, pequeno quando se opte pela tributação dos grossistas, menor ainda quando se fique pela tributação exclusiva dos produtores. Taxas altas são desaconselhadas, pelo simples motivo de darem origem, mais tarde ou mais cedo, a evasão fiscal. Por outro lado, os impostos monofásicos evitam, em princípio, efeitos cumulativos ou em cascata. Estes impostos verificam-se, sobretudo, em países em desenvolvimento, onde encontramos uma administração

fiscal pouco eficiente, uma base produtiva mais estreita e uma economia informal elevada, como é o caso de Angola. Mais à frente, veremos mais detalhadamente em que consiste o Imposto de Consumo.

Nos impostos plurifásicos, distingue-se o chamado imposto cumulativo, ou em cascata, em que se tributam as vendas, em cada fase no processo produtivo, pelo seu valor integral, e o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), em que, na modalidade que é praticada, as vendas não são tributadas pelo valor integral, já que se admite que o operador deduza ao imposto que gravou as vendas o imposto que lhe foi faturado nas compras de inputs da sua produção, por forma a que a tributação corresponda afinal à aplicação da taxa do imposto, não ao volume de vendas, mas ao valor acrescentado por cada operador.82

Os impostos cumulativos ou em cascata apresentam a vantagem de, mesmo com uma taxa de tributação bai-xa, poderem gerar receitas volumosas, dado o vasto leque das transações sobre que incidem e a respetiva natureza cumulativa (gerando, assim, um efeito de tributação em cascata que será mais intenso quanto mais longa for a cadeia de produção e de distribuição que um bem possua). Por outro lado, partilham do efeito de anestesia fiscal, própria da tributação indireta.83 Estes impostos apresentam, no entanto, inúmeras desvanta-gens, essencialmente, devido ao facto da sua “não neutralidade”. Quando se aplica este imposto, que se vai acumulando em maior ou menor medida ao longo do circuito económico, torna-se impossível apurar, com rigor, o imposto oculto com que um bem chega às mãos de um exportador ou de um consumidor final. Ou seja, o imposto incorporado de forma cumulativa, em todas as fases do processo produtivo, torna-se não identificável. Outra desvantagem que se encontra neste tipo de tributação é: se a concentração vertical da produção aumentar, a tributação será menor, favorecendo-se a concentração vertical e criando desigualdade entre as empresas84.Tem a ver, portanto, com a distorção das condições de concorrência entre as empresas, sendo que favorece determinadas empresas em detrimento de outras, uma vez que, produtos idênticos pode-rão estar afetados por cargas fiscais diferentes, dependendo da extensão do processo produtivo, o que preju-dica o desenvolvimento económico e das empresas em particular.

Em consequência da evolução e aperfeiçoamento e com o propósito de encontrar um imposto neutro, em relação à concorrência entre as empresas no mercado interno e externo e, ao mesmo tempo, um imposto que fosse capaz de proporcionar elevadas receitas fiscais, surge o imposto não cumulativo ou de valor acrescen-tado (IVA).

O IVA, rapidamente, se tornou um caso de sucesso. Este imposto foi adotado por todos os estados membros

da EU, substituindo, em quase todos os países, os antigos sistemas de tributação do consumo. Inclusivamen-te, o IVA tem vindo a expandir-se nos países em vias de desenvolvimento, estendendo-se aos países africa-nos, nomeadamente, Cabo Verde e Moçambique.

O IVA carateriza-se por ser um imposto geral sobre o consumo de bens e serviços de matriz comunitária, plurifásico, indireto, não cumulativo, de obrigação única e não periódico85 e, transitoriamente, baseado no princípio de tributação no país de destino.

82 BASTO, José Guilherme Xavier de, A tributação do consumo e a sua coordenação internacional, Caderno de Ciência e Técnica Fiscal, nº 164, pág. 27.

83 PALMA, Clotilde Celorico, O Imposto de Consumo em Angola, Coimbra Almedina, 2014, pág.10.

84 SANCHES, J.L. Saldanha e GAMA, João Taborda da, Manual de Direito Fiscal Angolano, Coimbra, 2010, pág.. 362. 85

O IVA incide sobre factos tributários de caráter instantâneo, reportando-se a cada um dos atos concretos praticados. É irrelevante, para esta qualificação, que o seu apuramento e pagamento assumam certa periodicidade, tal como é irrelevante a circunstância de o sujeito passivo exercer de forma continuada ou meramente ocasional a respetiva atividade.

O grande sucesso do IVA deve-se, essencialmente, à sua técnica de funcionamento. Opera-se através do método das faturas, do crédito de imposto ou método subtrativo indireto e vai incidir sobre todas as fases do processo produtivo.

Este método não é mais do que a técnica de liquidação e dedução do imposto em cada uma das fases do cir-cuito económico, funcionando da forma descrita, quando as transações se processam entre sujeitos passivos do imposto com direito a dedução. Tal não sucede com os particulares e os sujeitos passivos que beneficiam de isenções incompletas, atuando enquanto consumidores finais para efeitos de IVA, dado não terem direito a dedução do IVA suportado. Um sujeito passivo não isento de IVA deve proceder à liquidação do imposto à taxa que se mostrar devida. Tendo um crédito de imposto suportado a montante para a realização daquela atividade económica, o sujeito passivo irá entregar ao Estado, dentro do seu período de imposto, a diferença entre o IVA liquidado e o IVA deduzido, ou, eventualmente, receber imposto. Ao operar através deste méto-do nas diversas fases da cadeia de produção e comercialização de bens e serviços, vai incidir apenas sobre o valor acrescentado em cada uma, sendo o preço final do bem equivalente à soma dos valores acrescentados.86 A técnica do método do crédito de imposto permite atingir, em simultâneo, vários objetivos, designadamente:

a) Tributar apenas o valor acrescentado em cada uma das fases do circuito económico, repartindo o

en-cargo fiscal pelos sujeitos passivos;

b) Produzir um efeito de anestesia fiscal, que se traduz no facto de o imposto não se sentir tanto como os impostos diretos que atingem diretamente manifestações de riqueza;

c) Instituir um controlo cruzado entre os sujeitos passivos, dado que só se pode deduzir o IVA suporta-do com base numa fatura ou suporta-documento equivalente passasuporta-dos na forma legal. Este métosuporta-do, confor-me se nota, é “um excelente meio de pré funcionamento do imposto, dado que em princípio, todos os empresários que intervêm num ciclo económico adquirem a qualidade de cobradores, por conta do Estado, de uma parte do imposto”;

d) Assegurar a neutralidade do imposto, pois não influi nas escolhas dos diversos bens ou serviços por parte dos consumidores. Um imposto será neutro na perspetiva da produção, se não induz os produ-tores a alterações na forma de organização do seu setor produtivo, evitando efeitos cumulativos ou em cascata de imposto sobre imposto;

e) Não estimular o recurso à fraude ou à evasão fiscal tanto como os outros sistemas de tributação, uma vez que a cada fase corresponde um montante reduzido de imposto.87

No entanto, são apontadas algumas críticas ao IVA. Dada a sua maior complexidade fiscal, estão associados custos administrativos mais elevados, quer para os operadores económicos, que liquidam e cobram o impos-to, quer para a Administração, a quem compete a fiscalização. Além do mais, em economias com setor in-formal alargado e Administração frágil, não será fácil passar à prática um imposto de vocação global, que tem na sua base um sistema de liquidações e deduções (com possibilidade de reembolso), exigindo capacida-de técnica e financeira por parte dos sujeitos envolvidos. Outra dificuldade, resultante da criação do IVA, prende-se com o facto de, face à sua vocação geral, poder conduzir ao aumento da carga fiscal, o que, conju-gado com a natureza potencialmente regressiva da tributação do consumo e os baixos rendimentos da

lação nos países em desenvolvimento, terá um impacto desproporcional sobre populações mais desfavoreci-das.88