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REGIME JURÍDICO/LEGAL DO SETOR PETROLÍFERO ANGOLANO

3. OS IMPOSTOS E RECEITAS PÚBLICAS NO SISTEMA FISCAL

3.8. REGIME FISCAL APLICÁVEL À ATIVIDADE PETROLÍFERA

3.8.2. REGIME JURÍDICO/LEGAL DO SETOR PETROLÍFERO ANGOLANO

A Constituição da República de Angola (CRA) determina no seu artigo 16.º que “os recursos naturais,

sóli-dos, líquidos ou gasosos existentes no solo, subsolo, no mar territorial, na zona económica exclusiva e na plataforma continental sob jurisdição de Angola são propriedades do Estado que determina as condições para sua concessão, pesquisa e exploração, nos termos da Constituição, da Lei e do Direito Internacional” e, em conjunto com o artigo 3.º da CRA, estabelece que o Estado exerce a sua soberania sobre a totalidade do território angolano, e bem assim, consagra a propriedade pública dos recursos naturais.

No período pós-independência, viria a ser introduzida, através da Lei n.º 13/78, de 26 de agosto, a Lei Geral das Atividades Petrolíferas, que definiu os princípios basilares pelos quais o setor petrolífero angolano se passou a reger, determinando uma grande mudança na legislação petrolífera angolana. Sendo que esta Lei n.º 13/78, de 26 de agosto viria, deste modo, conceder à Concessionária Nacional (Sonangol, E.P) não só a ex-clusividade de todos os direitos mineiros relativos aos jazigos petrolíferos, para a pesquisa e produção dos hidrocarbonetos líquidos e gasosos, mas também a própria exploração desses recursos, não tendo esta autori-zação a alienar tais direitos mineiros.

Os principais intervenientes estatais na indústria petrolífera angolana são a Sonangol EP, Sociedade Nacional de Petróleos em Angola, concessionária nacional exclusiva para a exploração destes recursos; o Ministério do Petróleo (MINPET), que regula e supervisiona as atividades de exploração e produção, nos termos dos con-tratos e licenças concedidas; e, por último, o Ministério das Finanças (MINFIN), encarregue de administrar o Imposto sobre o Rendimento do Petróleo, assim como todos os outros impostos a que esta atividade está sujeita.109

Não obstante isso, esta Lei estabeleceu que qualquer IOC que desejasse explorar petróleo em Angola teria que possuir comprovada idoneidade e as capacidades técnicas e financeiras necessárias de forma a associar-se à Sonangol. Outro aspeto relevante refere-associar-se à forma de associação entre a NOC e uma IOC, que poderia ser realizada através de uma concessão, ou atravésde um contrato de partilha de produção, sendo, na prática, esta última a forma de associação mais utilizada.

Como a indústria petrolífera detinha uma enorme importância estratégica para o equilíbrio económico e financeiro do país, e aliado a uma produção de petróleo em constante crescimento, o governo angolano pro-cedeu à revisão do regime legal do setor petrolífero, tendo aprovado a nova Lei das Atividades Petrolíferas, em 2004, através da Lei n.º10/2004, de 12 de novembro. A nova Lei, que se encontra atualmente em vigor, mais não fez do que se adaptar às mudanças que o setor apresentava e desenvolver os princípios do regime criado em 1978, mantendo-se o papel central da Sonangol, bem como o paradigma de interação com as em-presas petrolíferas estrangeiras, baseado em contratos de partilha de produção.110

Como já evidenciamos, a NOC pode explorar sozinha ou individualmente as áreas concessionadas ou associ-ar-se a uma IOC. A indústria petrolífera carateriza-se por ser uma indústria que exige avultados financiamen-tos e um know-how muito específico e próprio da atividade. Assim sendo, os Estados produtores de petróleo, sem a competência necessária para executar todo o processo de uma indústria petrolífera, ficam obrigados a recorrer a empresas produtoras e especializadas, as International Oil Companies.

109PwC Oil and Gas Tax Guide for África 2013, pág. 7, disponível online em: www.pwc.com/taxsummaries. 110 SANCHES, J.L. Saldanha e GAMA, João Taborda da, Manual de Direito Fiscal Angolano, Coimbra, 2010, pág.409.

Esta associação e, quanto ao modelo de exploração das atividades petrolíferas, verifica-se, por meio de uma análise histórica e empírica dos casos internacionais, que os três principais regimes jurídico-regulatórios adotados por países produtores de petróleo e gás são: a Concessão, o Contrato de Partilha de Produção ( Pro-duction Sharing Contracts - PSC) e o Contrato de Serviços com ou sem Risco. Além desses três, existe ainda o regime da Joint Venture, historicamente muito pouco utilizado pelos países produtores.111

No tocante ao marco regulatório das atividades petrolíferas em Angola, nos termos estabelecidos nos artigos 6.º e 44.º da Lei n.º 10/2004, de 12 de novembro, as atividades de exploração e produção feitas individual-mente pela Sonangol ou associada a uma IOC só podem ser exercidas através de uma concessão petrolífera outorgada por Decreto de Concessão, que compete ao Governo. O artigo 14.º da Lei n.º 10/04, de 12 de no-vembro prevê, no entanto, que a Sonangol se possa associar às IOCs através de Joint Ventures, de Contratos de Serviço com Risco (risk-service contract) ou de Contratos de Partilha de Produção. Desde a vigência da referida lei tem-se verificado, no país, apenas a adoção dos PSCs.

Contudo, subsiste em Angola, a modalidade contratual da concessão, nas áreas de Cabinda e nos Blocos terrestres FS e FST, cuja origem é anterior à independência, enquanto nos blocos mais recentes, de águas mais profundas, tende a vigorar o modelo de PSC.112

A Concessão é o regime jurídico-regulatório mais tradicional e é a tendência adotada por países mais desen-volvidos e industrializados, com o objetivo de garantir, internamente, um certo grau de independência ener-gética. Historicamente, este modelo distingue-se pelo menor nível de envolvimento do Estado na exploração dos recursos, já que este se limita a ceder o direito de exploração aos particulares, neste caso são os particula-res a assumirem os riscos e os custos da atividade.113

Na Doutrina especializada, o regime da Concessão é também referido como Tax & Royalties System (impos-to/royalty), alusão ao modo precípuo pelo qual o Estado (ou titular dos direitos sobre os hidrocarbonetos) é remunerado pela atividade de exploração e produção (E&P) realizada pela IOC. Nesse sentido, na Conces-são, via de regra o Estado hospedeiro não participa diretamente da atividade e, portanto, não recebe os recur-sos advindos diretamente da venda da produção. A sua contrapartida financeira é o pagamento sob a forma de impostos, bónus e participações governamentais (geralmente royalties) pelas IOCs.114

O sistema de Concessão, como já referido, é um dos sistemas de eleição a nível mundial, com acentuada presença nos países desenvolvidos, uma vez que se trata de um sistema facilmente adaptável às especificida-des dos diferentes países e com bastante recetividade a condições de outros sistemas contratuais.115

O contrato de Joint Venture, também denominado como contrato de participação ou associação, consiste numa associação de várias empresas operadoras que dividem o lucro, mas também o risco, sem que nenhuma delas perca a sua original personalidade jurídica, que contém todas as regras de participação das empresas. Em regra, quem fica encarregue das decisões é a empresa que tem a maior participação na Joint Venture. Neste sentido, o contrato é celebrado entre o Estado, geralmente através da sua NOC, e as IOCs em associa-ção, que atuará diretamente como operadora dos blocos, obedecendo ao sistema comercial legal do país em

111 Bain & Company e Tozzini Freire Advogados em Relatório I – Regimes Jurídico-Regulatórios e Contratuais de E&P de Petróleo, 1ª ed, pág.22, disponível online em: www.bndes.gov.br.

112 SANCHES, J.L. Saldanha e GAMA, João Taborda da, Manual de Direito Fiscal Angolano, Coimbra, 2010, pág.. 411. 113Ibidem, pág.388.

114

Bain & Company e Tozzini Freire Advogados em Relatório I – Regimes Jurídico-Regulatórios e Contratuais de E&P de Petróleo, 1ª ed, pág 22, disponível online em: www.bndes.gov.br.

questão, sendo que, regra geral, tem características das sociedades anónimas e sociedades limitadas.116 Im-porta salientar que este tipo de contrato não tem qualquer aplicação prática em Angola, apesar de estar pre-visto na Lei das Atividades Petrolíferas.

Relativamente ao Contrato de Serviço com cláusula de Risco (risk-service contract), é geralmente adotado

naqueles Estados em que o direito de explorar e produzir hidrocarbonetos é atribuição exclusiva da NOC, não se prevendo concessão às IOCs. Ou seja, nesses países produtores, as IOCs têm pouco ou nenhum acesso às atividades de E&P e, logo, às reservas de hidrocarbonetos. A NOC celebra contratos de prestação de serviços com os particulares, que são remunerados apenas nessa qualidade de prestadores de serviços. A remuneração é associada ao sucesso da atividade desenvolvida. Tradicionalmente, este modelo tem sido mais utilizado pelos países que, além de produtores, são importadores, já que todo o petróleo produzido é para consumo do Estado.117

O fator de atratividade para IOCs nesse tipo de contrato é que este permite que o pagamento à IOC contrata-da seja feito em petróleo ou por meio de desconto no preço de compra do barril pela IOC. Nos contratos observados na experiência internacional, a IOC é contratada para realizar as atividades de exploração com vista a encontrar reservas comercializáveis. Uma vez que a produção se inicie, a operação, via de regra, passa de volta à NOC contratante. As atividades exploratórias e os investimentos, são por conta e risco da IOC contratada. Caso não sejam encontradas reservas comercializáveis, a IOC não recebe nada.118

Em Angola, encontramos recentemente o recurso a este modelo, designadamente em relação aos blocos 9/2009 e 21/2009 e nos projetos de gás liquefeito com a Angola LNG.

Por fim, o Contrato de Partilha de Produção é o tipo de regime jurídico-regulatório encontrado preferencial-mente em países em desenvolvimento, incluindo Angola. O PSC é um contrato acordado entre o Estado, via de regra, através de sua NOC e a IOC, por meio do qual, o primeiro contribui primordialmente com a área territorial a ser explorada e a IOC, geralmente, conduz as atividades de exploração e produção a seu próprio risco e custo. Uma vez encontradas reservas comercializáveis, a IOC recebe sua parte dos hidrocarbonetos

produzidos como compensação, conforme definida contratualmente.119

Neste sentido, o principal objetivo deste contrato será o Estado atrair uma IOC, com apurados conhecimentos técnicos, que arrisque o seu capital, para desenvolver as suas reservas, quando este não o consegue fazer somente através dos recursos do seu país, mantendo a sua soberania e um certo nível de controlo das suas reservas.120

Após o início da produção, a IOC recupera os custos incorridos e investimentos realizados na exploração, desenvolvimento e produção, por meio do recebimento de uma percentagem da produção, normalmente de-nominada “petróleo-custo” (cost oil). O petróleo remanescente, denominado “petróleo-lucro” (profit oil),

116 GOMES, José Caramelo e LIMA, Ângela, Lex Petrolea, Petrony, 2013, pág. 158 e 159.

117 Bain & Company e Tozzini Freire Advogados em Relatório I – Regimes Jurídico-Regulatórios e Contratuais de E&P de Petróleo, 1ª ed, pág. 23, disponível online em: www.bndes.gov.br.

118

Ibidem, pág. 24. 119Ibidem, pág. 22.

corresponde à parcela da produção que será partilhada entre o país produtor e a IOC, de acordo com os ter-mos previamente estabelecidos no PSC.121

É importante referir que, caso não sejam encontrados recursos ou as reservas não sejam comerciáveis, o con-trato termina sem que a empresa possa deduzir os custos.

Refira-se que não existe qualquer obstáculo a que, adicionalmente, sobre a quota do petróleo-lucro das em-presas, incida ainda tributação sobre o rendimento, como, de resto, acontece em Angola com o Imposto sobre o Rendimento do Petróleo. Este tipo de contrato tem sido, em muitos países, preferido à concessão, pois permite que o Estado lucre mais com a subida do preço de petróleo.122

O Contrato de Partilha de Produção acarreta uma maior participação por parte da NOC, ou do Estado, que monitoriza e fiscaliza toda a atividade, como garantia da soberania sobre os seus recursos naturais, através da

management clause, retendo o título dos blocos e aprovando as operações realizadas pela IOC, podendo, eventualmente, assumir o controlo das operações posteriormente, desde que já tenha sido iniciada a fase de produção ou qualquer descoberta de reservas e que os custos incorridos já tenham sido recuperados.123 A Sonangol acaba, assim, por desempenhar funções de natureza administrativa e fiscal, tal como o Ministério das Finanças e o Ministério dos Petróleos.

Temos, assim, que a atividade da Sonangol assume, simultaneamente, uma dimensão pública, como conces-sionária e fiscalizadora, e uma dimensão comercial, quando integra os grupos empreiteiros124, fornece bens e serviços ás empresas petrolíferas ou gere uma rede comercial de distribuição. Daqui resultam conflitos de interesses entre funções administrativas e fiscais e atividades comerciais, potenciadoras de litígios quer com as empresas petrolíferas, quer com os organismos estatais. Em termos fiscais, a Sonangol é uma entidade que está obrigada a entregar ao Estado as receitas provenientes dos recebimentos a que tenha direito (podendo fazer-se pagar da sua atividade de supervisão e controlo com 10% desses recebimentos), estando sujeita às inspeções do Ministério das Finanças e à obrigação de prestação anual de contas junto do Tribunal de Contas. Os recebimentos da Concessionária Nacional, os bónus contratuais que receba e o excesso sobre o preço limite não estão sujeitos aos encargos tributários previstos na Lei da Tributação e das Atividades Petrolíferas – ao invés, quaisquer outras receitas são tributadas nos termos desta mesma lei.125

Com efeito, mais importante do que o modelo de exploração, é determinar, por exemplo, a quota de petróleo que terá de ser cedida ao Estado a título de imposto e/ou de partilha de produção, em que medida o Estado aceita a dedução ou recuperação de custos, ou se o modelo fiscal é regressivo ou progressivo. Daí que, neste contexto, assuma a maior das relevâncias a componente fiscal.126

121 Bain & Company e Tozzini Freire Advogados em Relatório I – Regimes Jurídico-Regulatórios e Contratuais de E&P de Petróleo, 1ª ed, pág. 23, disponível online em: www.bndes.gov.br.

122

SANCHES, J.L. Saldanha e GAMA, João Taborda da, Manual de Direito Fiscal Angolano, Coimbra, 2010, pág.388. 123 GOMES, José Caramelo e LIMA, Ângela, Lex Petrolea, Petrony, 2013, pág. 150.

124 Grupo Empreiteiro (dados os elevados custos e riscos inerentes a uma exploração petrolífera, as companhias petrolíferas juntam-se a outras companhias para explorar um bloco de petróleo e reduzirem os riscos inerentes ao projecto. As companhias estabelecem entre si um acordo de operações conjuntas no qual se definem direitos e deveres de cada uma delas em relação ao projecto a implementar. É neste conjunto de companhias que se designa por “Grupo empreiteiro”.) – age como empreiteiro a concessionária nacional sonangol, que é a proprietária das instalações e de uma parte do petróleo produzido. De entre todas as companhias que compõem o grupo empreiteiro uma atua como o operador. O operador deve ser uma entidade de reconhecida capacidade, conhecimento técnico e capacidade financeira e é, de acordo com a lei, nomeada pelo conselho de ministros, sob proposta da sonangol. É o operador que cabe dirigir as operações petrolíferas, detendo para isso poderes exclusivos de controlo e administração das operações petrolíferas. Veja-se em, Coord. VICENTE, Dário Moura, “Direito dos Petróleos: Uma Perspetiva Lusófona”, Coimbra, Almedina, 2013, pág. 51.