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A Tutela Jurisdicional Efectiva na Constituição da República Portuguesa

3. Enquadramento constitucional do direito à Tutela Jurisdicional Efectiva

3.1. A Tutela Jurisdicional Efectiva na Constituição da República Portuguesa

O acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legal- mente protegidos dos cidadãos encontra-se consagrado no artigo 20.º da CRP.

Neste âmbito importa ter presente o artigo 8.º da Declaração Universal dos Di- reitos do Homem, que estabelece que “[t]oda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei”, por força do seguinte artigo da CRP:

“Artigo 16.º

(Extensão dos direitos) 1. […].

2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de har- monia com a Declaração Universal dos Direitos do Ho- mem”.

50Cfr. artigo 14.º n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08. 51Cfr. artigo 1.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08. 52Cfr. artigo 7.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08.

Importa ainda considerar como relevante para o presente efeito o Pacto Interna- cional de Direitos Civis e Políticos, que, tal como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é aplicável nos termos do artigo 8.º da CRP53.

Tal como escrevem JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS54, a “constitucio- nalização dos direitos fundamentais não se esgota no plano material, assumindo ainda, em diversos níveis, uma inequívoca dimensão organizacional, procedimental e proces- sual”. Deste modo se compreende a consagração constitucional do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva.

Releva nesta matéria o já mencionado artigo 20.º da CRP.

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA55, consideram entendimento ao qual aderimos que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é, per se, um direito fundamental que, por sua vez, constitui garantia da protecção dos direitos fun- damentais e uma das bases indispensáveis de um Estado Democrático de Direito.

Consequentemente, a nenhum cidadão pode ser negada a prerrogativa de se di- rigir a um Tribunal a fim de proteger um direito ou interesse legalmente protegido56 e de obter uma decisão sobre a causa àquele conduzida.

O n.º 1 deste artigo assegura o acesso generalizado ao direito e aos tribunais, pois, tal como ensina JORGE MIRANDA, "só quem tem consciência dos seus direitos consegue usufruir os bens a que eles correspondem e sabe avaliar as desvantagens e os prejuízos que sofre quando não os pode exercer ou efectivar ou quando eles são violados ou restringidos. Por isso, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamou que «a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem» eram «as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos». E o mesmo se reconheceria, por exemplo, no preâmbulo da Constituição de 1822 e no da Declaração Universal"57.

53 VIOLANTE, Teresa, VIOLANTE, Teresa – Os recursos jurisdicionais…, op. cit., pp. 844-846. 54 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição…, Tomo I, 1.ª ed., …op. cit., p. 176.

55 CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital – Constituição…, Vol. I, 4.ª ed., 2007, op. cit., pp. 408- 409.

56 Tal como referem GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA, “[a] garantia da protecção jurídica, incluindo a via judiciária (n.º 1), embora esteja inserida no capítulo relativo aos direitos fundamentais, não se restringe naturalmente à defesa dos direitos fundamentais. Ela estende-se a todos e quaisquer «direitos e interesses legítimos», como se lê no n.º 1, isto é, a todas as situações juridicamente protegidas […]. Todavia, não é de estranhar que os direitos fundamentais e em particular os direitos, liberdades e garantias gozem de garantias reforçadas de protecção jurídica e de meios judiciais específicos” – --- – Constituição…. Vol. I, 4.ª ed., 2007, op. cit.

57MIRANDA Jorge, Manual de Direito Constitucional, IV. Coimbra, pp.. 254 e 255, apud MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 1.ª ed., …op. cit., p. 176.

O direito de acesso ao direito, conforme referem GOMES CANOTILHO e VI- TAL MOREIRA, “não é apenas instrumento da defesa dos direitos e interesses legítimos. É também elemento integrante do princípio material da igualdade […] e do próprio prin- cípio democrático, pois este não pode deixar de exigir também a democratização do di- reito”.

A declaração constante do n.º 1 do artigo 20.º, para não assumir mais que uma mera afirmação de princípio, necessita de concretização, o que se realiza, em parte, por intermédio do n.º 2 do mesmo artigo, no qual se estabelece o direito de qualquer cidadão à informação, a consultas jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.

Assim sendo, “não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectivi- dade articula-se, assim como uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia. Não obstante reconhecer o direito à protecção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de acção para se lograr uma tutela efectiva. O princípio da efectividade postula, desde logo, a existência de tipos de acções ou recursos adequados […], tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou acção à disposição do cidadão […]”58.

Talvez a repercussão mais importante deste princípio da tutela da tutela jurisdi- cional efectiva seja o artigo 268.º, n.º 4 da CRP, que analisaremos em momento posterior.

Outra questão é a de saber se este direito de acesso aos tribunais e à tutela juris- dicional efectiva permitirá afirmar que existe um direito subjectivo a um duplo grau de jurisdição.

Se estivermos a falar de um direito expressamente consagrado, a resposta deverá ser negativa. Contudo, apesar da ausência de consagração constitucional, tal não pode significar que a Constituição constitua um “vazio” no que respeita a esta matéria.

Um aresto interessante para o estudo desta matéria é o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 287/9059, no qual se assevera que o direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos “é um direito fundamental de natureza análoga

58 --- – Constituição…, Vol. I, 4.ª ed. revista., op. cit., 2010, pp. 416-417.

59 Correspondente ao Processo: n.º 309/88, 2ª Secção, 30 de Outubro de 1990, no qual foi relator o Conse- lheiro SOUSA E BRITO. Disponível em:

à dos direitos, liberdades e garantias consagrados no Título II da Constituição, sendo-lhe, pois, aplicável o regime do artigo 18.º, por força do disposto no artigo 17.º, também da Constituição”.

O artigo 17.º da CRP estipula que “[o] regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”. E o artigo 18.º estipula que “[o]s preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberda- des e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (n.º 1), que [a] lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expres- samente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (n.º 2) e ainda que [a]s leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do con- teúdo essencial dos preceitos constitucionais” (n.º 3).

E prossegue o aresto asseverando que “o direito de acção incorpora no seu âm- bito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, o qual, obviamente, só é exer- cível mediante o recurso para (outros) tribunais”.

E ainda se refere o artigo 209.º60 que prevê a existência de tribunais de primeira

instância e de tribunais de recurso, citando-se ainda RIBEIRO MENDES, que sustenta: “[…] o legislador ordinário não pode suprimir em bloco os tribunais de recurso e os pró- prios recursos”61.

Não se pode “inferir, todavia, a existência de um ilimitado direito de recurso, extensivo a todas as matérias, o que implicaria a inconstitucionalidade do próprio estabe- lecimento de alçadas. Na esteira da jurisprudência da Comissão Constitucional, este Tri- bunal tem entendido que tal direito não é um direito absoluto – irrestringível”62.

Resulta daqui que “em matérias diversas da penal”, “existe um genérico direito de recurso dos actos jurisdicionais, cujo preciso conteúdo pode ser traçado, pelo legisla- dor ordinário, com maior ou menor amplitude. Ao legislador ordinário estará vedado, exclusivamente, abolir o sistema de recursos in totum ou afectá-lo substancialmente” (sublinhados nossos).

60 No acórdão é referida a redacção da antiga alínea b) do n.º 1 do artigo 212.º. 61 MENDES, Ribeiro – Direito Processual Civil III, Recursos, 1982, p. 126.

62 O aresto em análise menciona, como suporte da sua fundamentação, os Acórdãos n.os 31/87 e 65/88, Diário da República, II Série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto de 1988, e Parecer n.º 9/82, Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º vol., pp. 29 e segs.) —, com ressalva da matéria penal, atendendo ao que dispõe o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (vide os Acórdãos n.os 202/86 e 8/87, Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986, e Diário da República, I Série, de 9 de Fevereiro de 1987).

Em suma, à luz do princípio do Estado Democrático de Direito a “redução into- lerável ou arbitrária” do direito de recurso é de rejeitar liminarmente, dado que a garantia de duplo grau de jurisdição, embora não possa ser entendida como absoluta, “ressalvando o particular regime do processo penal”, não impede o reconhecimento da “existência do direito a um duplo grau de jurisdição que se não distingue, materialmente, do assinalado direito de recurso”. Deste modo, “o direito (subjectivo) de recorrer visa assegurar aos particulares a possibilidade de estes impugnarem actos jurisdicionais e ainda tornar mais provável, em relação às matérias com maior dignidade, a emissão da decisão justa, dada a existência de mais do que uma instância”63.

Obviamente, se a redução arbitrária, discriminatória ou excessivamente limita- tiva do direito de recurso é intolerável, igualmente seria inadmissível que o direito de acesso aos tribunais comportasse obrigatoriamente uma garantia por parte do legislador no sentido de proporcionar sempre um acesso aos diversos graus de jurisdição. Com ex- cepção das decisões criminais64, não há, portanto, um direito geral de recurso das decisões judiciais.

Destarte, desde que não discriminatórias, as limitações de recorribilidade que podem resultar da fixação de alçadas devem ser vistas como um mecanismo de raciona- lização do sistema judiciário65 destinado a evitar o colapso do sistema judicial, e não como

uma fonte de desigualdades entre os interessados.

Não há, portanto, um direito ilimitado, irrestringível ou absoluto de recurso, o que tornaria inconstitucional a fixação de alçadas66.

No que respeita aos direitos à informação e consulta jurídicas, é à lei ordinária que compete a respectiva concretização, uma vez que a CRP não o faz. Desde logo, não basta assegurar a possibilidade meramente formal de recurso sem se salvaguarda a possi- bilidade autêntica de recurso, impedindo que este assuma um carácter excessivamente penoso em termos materiais.

Se uma norma permite, literalmente, o recurso, mas se em termos práticos o di- reito de informação e consulta jurídicas fica inviabilizada ou se torna excessivamente

63Sublinhado nosso. As citações são do Acórdão anteriormente mencionado. 64Cfr. artigo 32.º, n.º 1 da CRP.

65Cfr., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 239/97, de 12 de Março.

66Cfr. Acórdãos n.os 31/87 e 65/88, Diário da República, II Série, de 1 de Abril de 1987 e 20 de Agosto de 1988, 287/90, 2ª Secção, 30 de Outubro de 1990 e Parecer n.º 9/82, Pareceres da Comissão Constitucional, 19.º vol., pp. 29 e ss., com ressalva da matéria penal, conforme o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (cfr. os Acórdãos n.os 202/86, Diário da República, II Série, de 26 de Agosto de 1986 e 8/87, Diário da República, I Série, de 9 de Fevereiro de 1987).

difícil, de pouco vale a existência de tal norma. Assim, a lei deve prever mecanismos ligados ao recurso que não se apresentem desproporcionadamente onerosos.

Tal como se escreve num Acórdão do Tribunal Constitucional: “Se esses meca- nismos não existirem ou se a lei que dispõe sobre aquela possibilidade de recurso condi- cionar o acesso à informação e patrocínio jurídicos mediante o estabelecimento de con- dicionalismos que vão demandar pesados encargos — económicos ou de diferente natu- reza —, condicionalismos que, perante a sua existência, vão, na prática, tornar por demais difícil a efectivação do dito acesso, então a lei que assim dispuser irá tornar desprovido de conteúdo o aludido direito constitucionalmente consagrado. Mas, se isto é certo, menos não é que, ao efectuar a Constituição uma remissão para a lei ordinária no respeitante à delimitação e definição das condições de concretização do direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário, não veda que, respeitado o limite acima indicado, essa lei não estabeleça os condicionalismos pressupositores da exercitação daquele direito. Pelo que exposto ficou, poderá afirmar-se que é legítimo ao legislador ordinário, obser- vado que seja o mencionado limite, impor determinados requisitos e sem cuja observância se impede livremente o acesso, verbi gratia, à obtenção de certidões de processos crimi- nais já findos, vista essa obtenção como uma forma de informação ou consulta jurídi- cas”67.

O direito à informação e consulta jurídicas constitui igualmente um “direito ime- diatamente invocável”68, já que qualquer cidadão pode, legitimamente, manifestar o de-

sejo de conhecer os seus direitos sem necessidade de intervenção do legislador. Um exem- plo concreto é o artigo 60.º, n.º 1, que se reporta aos direitos dos consumidores69.

A revisão constitucional de 1989 introduziu o direito ao patrocínio jurídico, cujo âmbito não é directamente traçado pela Constituição, antes se confiando à lei essa tarefa. Esta consagração expressa do direito ao patrocínio jurídico deve ser conjugada com o artigo 208.º da CRP, com a epígrafe “Patrocínio forense” o qual determina que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.

Para além deste ponto focado no artigo 208.º, in fine, do carácter do patrocínio

67 Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 661/94 - Processo: n.º 97/93. 1ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra. Publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Fevereiro de 1995.

68 Nestas considerações, seguimos as reflexões de JORGE MIRANDA E RUI MEDEIROS (Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 1.ª ed., …op. cit., p. 177).

69 “Artigo 60.º (Direitos dos consumidores) 1. Os consumidores têm direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses econó- micos, bem como à reparação de danos”.

forense como elemento essencial à administração da justiça, é necessário acentuar igual- mente a característica de elemento essencial da própria garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais70

Apesar de a Constituição determinar que compete à lei traçar os contornos do exercício do patrocínio judiciário, não parece restarem dúvidas de que aquele direito pode ser directamente invocado, ficando ainda o legislador ordinário impossibilitado de colo- car entraves, sob a forma de requisitos de tal modo rigorosos ou financeiramente pesados que, em termos práticos, dificultem ou impossibilitem o direito de acesso aos tribunais.

Daqui decorre que qualquer cidadão tem o direito de se fazer acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. Este direito deve ser considerado de aplicação directa, independentemente de regulamentação. Neste sentido, veja-se o Parecer do Con- selho Geral da PGR, de 7 de Julho de 2000, cujo relator foi GERMANO MARQUES DA SILVA, e que considerou que não existia “qualquer disposição na lei processual penal que [condicionasse] a directa aplicação do direito de todo o cidadão a fazer-se acompa- nhar por advogado perante qualquer autoridade, consagrado na parte final do nº 2 do art. 20.º da CRP”, sem prejuízo de eventuais limitações a fim de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e independentemente de se afigurar aconse- lhável a respectiva regulamentação.

Também outro Parecer da PGR, este de 8 de Novembro de 2003, do qual foi Relator AMADEU MORAIS, decidiu que “não pode ser negado a ninguém o direito de se fazer acompanhar de advogado quando o entenda fazer […] como não pode ser recu- sado ao advogado que acompanhe o cliente o direito, que é também um dever, de assistir à diligência da sua inquirição”. E as conclusões do Parecer não deixam dúvidas, já que considera que os advogados, no exercício do mandato forense, não podem ser impedidos de acompanhar os seus constituintes em quaisquer actos, ainda que estes assumam natu- reza confidencial, uma vez que um advogado, no referido exercício de mandato está su- jeito a regras rigorosas de sigilo profissional cuja violação poderá originar responsabili- dade disciplinar (nos termos do Estatuto da Ordem dos Advogados), civil (vide artigos 483.º e ss. do Código Civil) e criminal (cfr. artigo 195.º do Código Penal, com a epígrafe “violação de segredo” e que prevê a punição com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias “quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego, profissão ou arte”).

70Cfr. MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 1.ª ed., …op.

Por outro lado, uma vez que o patrocínio judiciário constitui direito de todos, é indispensável disponibilizar o recurso ao mesmo, sob pena de a referida garantia ser me- ramente formal. Para este efeito, releva a Lei de Acesso aos Tribunais e à Justiça, com o n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto71.

O n.º 3 do artigo do artigo 20.º da CRP consagra a protecção do segredo de jus- tiça, mas remetendo a sua concretização para o legislador ordinário.

Atente-se que a Constituição inseriu esta norma nesta sede e não no artigo 32.º, referente às garantias de processo criminal, o que constitui um “extensor” do âmbito da protecção do segredo de justiça, alargando-a de forma a tutelar um conjunto de direitos constitucionalmente protegidos72, e constituindo uma limitação aos direitos de expressão e de informação.

No plano criminal, deve dizer-se que, após a revisão operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, a regra é a de que o processo penal passou a ser público, sem prejuízo de, a título excepcional, poder ser decretado o segredo de justiça, que é suscep- tível de ser requerido ao juiz de instrução (ouvido o ministério público) durante a fase de inquérito, pelo arguido, assistente ou ofendido, sempre que entendam que a publicidade prejudica os seus direitos (cfr. artigo 86.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), ou deter- minado autonomamente pelo Ministério Público, ainda que com dependência de valida- ção pelo juiz de instrução, no prazo máximo de 72 horas (artigo 86.º n.º 3 do mesmo Código), ficando assim restringida a publicidade externa, em resultado do que, o Minis- tério Público pode, durante o inquérito, rejeitar requerimentos de consulta de autos ou obtenção de certidões, por exemplo. e/ou informação por sujeitos processuais.

A transcrição do conteúdo de “escutas telefónicas” em meios de comunicação é sempre proibida, a menos que os visados consintam expressamente na divulgação.

Por último, conforme se pode ler no n.º 1 do artigo 20.º, in fine, a justiça não pode ser denegada por insuficiência de meios económicos. Caso contrário, o acesso ao direito e aos tribunais não seria, em termos práticos, concedido a todos, o que equivaleria a uma contradição no referido n.º 1. Contudo, isto não significa que o texto constitucional consagre “a gratuitidade dos serviços de administração da justiça em nenhum dos seus

71 Lei que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais e transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio judiciário no âmbito desses litígios.

72MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I, 1.ª ed., …op. cit., p. 204, apresentam como exemplo “a reserva da intimidade da vida privada e familiar (v.g. em acções de investigação da paternidade)”.

preceitos ou dos princípios dele emanentes”73.

Deste modo, a fixação de determinadas contrapartidas por serviços judiciais prestados não ofende a Constituição74. Isto, sem prejuízo de constituir “ofensa ao direito fundamental do acesso à justiça uma onerosidade tal que, na prática, dificultasse o acesso aos tribunais e aos actos judiciais ou, então, a inexistência de uma mecânica de apoio aos economicamente mais carenciados”75.

Por outro lado, e como bem acentuam JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, logo que se encontre salvaguardada a protecção jurídica para os mais carenciados, “não pode a lei adoptar soluções de tal modo onerosas que, na prática, impeçam o cidadão médio de aceder à justiça”, o que será particularmente gravoso nas situações em que a decisão do processo se apresente nebulosa76.

Ainda conforme ensinam os autores acima mencionados77,este “direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva não se esgota no acesso à via judiciária”, antes apresentando uma dimensão muito mais vasta, cujos corolários aqueles sintetizam

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