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Da condenação à prática do acto devido

CAPÍTULO II – O CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO EM PORTUGAL

3. As garantias dos particulares

3.1. A Acção Administrativa

3.1.1. Da condenação à prática do acto devido

Esta figura jurídica foi introduzida pela reforma do contencioso administrativo de 2002 e encontra-se regulada nos artigos 66.º e seguintes do CPTA.

Se um acto administrativo foi ilegalmente omitido ou recusado, o particular pode utilizar uma acção administrativa tendente a obter a condenação da entidade competente

Edificação, aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com sucessivas alterações, sendo a última introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02/10, e que determina a suspensão automática da acção adminis- trativa de impugnação do acto administrativo do presidente da câmara municipal que ordene a demolição total ou parcial de obra ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras ou trabalhos (artigo 106.º, n.º 1 do RJUE).

225 Neste aresto, escreve-se a certo passo: “Resulta deste preceito [artigo 115.º, n.º 1 do RJUE] que, com a citação da entidade recorrida para contestar o recurso contencioso interposto de acto que ordena a demoli- ção de uma construção, suspende-se automaticamente a eficácia deste, persistindo tal suspensão até à deci- são final do recurso transitada em julgado, se entretanto o juiz de 1ª instância não lhe tiver atribuído efeito meramente devolutivo por existirem indícios da ilegalidade da sua interposição ou da sua improcedência. Perante este regime, em princípio mais favorável aos seus direitos e interesses, os particulares não terão necessidade de fazer uso do meio processual de suspensão de eficácia para obterem a [paralisação] dos efeitos produzidos pelo acto que ordena a demolição de uma construção.

Porém, não tendo o legislador excluído a utilização desse meio processual, nada obsta que os particulares a ele recorram se nisso tiverem interesse.

E as situações em que esse interesse se verifica poderão ser frequentes, visto que a suspensão de eficácia, ao contrário do recurso contencioso do acto de demolição, é um processo urgente (cfr. art. 6º, da LPTA) e que, em princípio, exige um menor dispêndio de tempo no estudo e preparação da respectiva petição. Por isso, e considerando o disposto no citado art. 115.º, nº 2 e no art. 80.º, nº 1, da LPTA, a suspensão de eficácia permite ao particular obter a [paralisação] dos efeitos do acto num período temporalmente mais curto do que aquele em que seria possível consegui-lo com a interposição do recurso contencioso.

Afigura-se-nos, assim, que a suspensão de eficácia pode ser intentada como meio processual acessório do recurso contencioso previsto no mencionado art. 115.º, embora com algumas adaptações (como, por exem- plo, de a decisão só produzir efeitos até que o recurso contencioso tenha efeito suspensivo ou meramente devolutivo) impostas pelo regime estabelecido neste normativo que, sendo especial, deve prevalecer. 226 “4 - A utilização de meios de impugnação administrativa suspende o prazo de impugnação contenciosa do acto administrativo, que só retoma o seu curso com a notificação da decisão proferida sobre a impugna- ção administrativa ou com o decurso do respectivo prazo legal, consoante o que ocorra em primeiro lugar. 5 - A suspensão do prazo prevista no número anterior não impede o interessado de proceder à impugnação contenciosa do acto na pendência da impugnação administrativa, bem como de requerer a adopção de pro- vidências cautelares”.

à prática desse acto, dentro de determinado prazo.

Para este efeito, não importa se a prática do acto foi expressamente recusada, uma vez que o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferi- mento, conforme a lei terminantemente dispõe227.

Os pressupostos do pedido de condenação à prática do acto devido, tendo sido apresentado requerimento que constitua o órgão competente no dever de decidir, são os seguintes228:

 Não tenha sido proferida decisão dentro do prazo legal- mente estabelecido;

 Tenha sido praticado acto administrativo de indeferimento (indeferimento expresso e completo);

 Tenha sido praticado acto administrativo de recusa de apre- ciação do requerimento;

 Tenha sido praticado acto administrativo de conteúdo posi- tivo que não satisfaça integralmente a pretensão do interes- sado (indeferimento parcial), sendo esta uma inovação in- troduzida em 2015.

A condenação à prática de acto administrativo também pode ser pedida sem ter sido apre- sentado requerimento, quando:

 Não tenha sido cumprido o dever de emitir um acto admi- nistrativo que resultava directamente da lei (dever oficioso directo não cumprido);

 Se pretenda obter a substituição de um acto administrativo de conteúdo positivo (inovação introduzida em 2015).

A legitimidade activa na acção de condenação à prática do acto devido pertence a:

 Quem alegue ser titular de um direito ou interesse legal- mente protegido, dirigido à emissão desse acto;

227 Cfr. artigo 66.º, n.º 2 do CPTA 228 Cfr. artigo 67.º do CPTA.

 Ao Ministério Público, sem necessidade da apresentação de requerimento, quando o dever de praticar o acto resulte di- rectamente da lei e esteja em causa a ofensa de direitos fun- damentais, a defesa de interesses públicos especialmente re- levantes ou de qualquer dos valores e bens referidos no n.º 2 do artigo 9.º do CPTA;

 Pessoas colectivas, públicas ou privadas, em relação aos di- reitos e interesses que lhes cumpra defender;

 Órgãos administrativos, relativamente a condutas de outros órgãos da Administração Pública que alegadamente com- prometam as condições do exercício de competências legal- mente conferidas aos primeiros para a prossecução de inte- resses pelos quais estes órgãos sejam directamente respon- sáveis (inovação introduzida em 2015);

 Presidentes de órgãos colegiais, relativamente à conduta do respectivo órgão, bem como outras autoridades, em defesa da legalidade administrativa, nos casos previstos na lei (ino- vação introduzida em 2015);

 As demais pessoas e entidades mencionadas no n.º 2 do ar- tigo 9.º229.

Quanto à legitimidade passiva, releva o artigo 10.º do CPTA, comum às acções administrativas, já anteriormente referido a propósito da legitimidade activa nos casos de impugnação, com a especialidade do artigo 68.º, n.º 2, que prevê uma situação de litis- consórcio necessário (“Para além da entidade responsável pela situação de ilegalidade, são obrigatoriamente demandados os contra-interessados a quem a prática do acto pre- tendido possa directamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse em que ele não seja praticado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo”).

Quanto à sentença, sendo procedente a acção, “o tribunal não se limita a devolver a questão ao órgão administrativo competente, anulando ou declarando nulo o eventual

229 Cfr. artigo 68.º do CPTA.

acto de indeferimento, mas pronuncia-se sobre a pretensão material do interessado, im- pondo a prática do acto devido”. Portanto, o tribunal condena o órgão administrativo à prática do acto devido230.

Este campo revela-se complexo no que respeita ao princípio da separação de poderes, e isso é visível no n.º 2 do artigo 72.º do CPTA, que estabelece que, não existindo apenas uma solução legalmente possível como resultado da emissão do acto, e decorrendo do exercício da função administrativa alguma discricionariedade, esta deve ser respeitada, apenas podendo o tribunal efectuar uma condenação de carácter genérico.

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