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Da prestação de assistência judiciária aos mais desfavorecidos

CAPÍTULO III – AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

C) Garantias jurídicas, que correspondem à instrumentaliza-

6. Da prestação de assistência judiciária aos mais desfavorecidos

Nos termos do artigo 20.º, n.º 2 da Constituição Portuguesa, “[t]odos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se

364 Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, publicada no Diário da República, I Série, nº 264, Suplemento, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 143/85, de 26 de Novembro, pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei nº 88/95, de 1 de Setembro, pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelas Leis Orgânicas n.ºs 1/2011, de 30 de Novembro, 5/2015, de 10 de Abril e 11/2015 de 28 de Agosto.

Normas relevantes são as seguintes: artigo 78º-A (Exame preliminar e decisão sumária do relator), artigo 79º-B (Julgamento do objecto do recurso) e artigo 84º (Custas, multa e indemnização).

acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”. Por outro lado, em sede crimi- nal, “[o] arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória”, conforme determina o artigo 32.º, n.º 3 da CRP. Quanto ao artigo 208.º da CRP, dedicado ao patrocínio forense, estabelece que a lei “assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como ele- mento essencial à administração da justiça”.

Assim, no ordenamento jurídico português existe uma rede garantística formal de uma relevância óbvia. O artigo 208.º da CRP frisa que o patrocínio forense é um ele- mento essencial à administração da justiça. Mas, se dermos um passo atrás, conseguire- mos discernir que o patrocínio forense constitui uma garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais.

O direito ao patrocínio judiciário encontra-se protegido na sua qualidade de di- reito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, e não pode ser desproporcionadamente limitado pelo legislador ordinário.

Contudo, tal como outros direitos com idênticas características, não pode ser aplicado quo tale, uma vez que o juiz, neste caso, não pode solucionar todos os problemas que certamente resultariam do princípio da aplicabilidade directa, o que, aliás, a Lei Fun- damental assume, quando refere que a lei “regula o patrocínio forense”.

Assim, em Portugal, encontra-se em vigor a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, designada Lei de Acesso ao Direito e aos Tribu- nais e cuja finalidade é cabalmente explicada no artigo 1.º do diploma:

“O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiên- cia de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”.

Nos termos da lei, a protecção jurídica engloba as modalidades de consulta jurí- dica e de apoio judiciário (artigo 6.º).

O conceito de consulta jurídica é apresentado no artigo 14.º da Lei e consiste “no esclarecimento técnico sobre o direito aplicável a questões ou casos concretos nos quais

avultem interesses pessoais legítimos ou direitos próprios lesados ou ameaçados de le- são”.

Quanto ao apoio judiciário, compreende as seguintes modalidades365:

a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o pro- cesso;

b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono; c) Pagamento da compensação de defensor oficioso; d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;

e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de pa- trono;

f) Pagamento faseado da compensação de defensor ofici- oso;

g) Atribuição de agente de execução.

Em suma, a Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais, assim como outros com- ponentes do sistema de acesso366 visam garantir que o mandamento constitucional que

assegura o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário tem concre- tização substancial367 e que não é prejudicado em consequência de factores como a con-

dição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos.

Quanto ao direito de todos os cidadãos de se fazerem acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, concordamos em absoluto com JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS368 nos seguintes pontos:

Em primeiro lugar, apesar da fórmula legal (“nos termos da lei”) constante do artigo 20.º, n.º 2, da CRP, nada parece impedir a aplicabilidade directa do preceito369, uma

365 Cfr. artigo 16.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.

366 Tal como o Decreto-Lei n.º 71/2005, de 17 de Março, que “completa a transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2003/8/CE, do Conselho, de 27 de Janeiro, relativa à melhoria do acesso à justiça nos litígios transfronteiriços, através do estabelecimento de regras mínimas comuns relativas ao apoio ju- diciário no âmbito desses litígios, desenvolvendo o regime previsto na Lei 34/2004, de 29 de Julho”. 367 O patrocínio oficioso é fundamental nesta matéria. Se inexistisse a possibilidade de recurso a essa figura, a garantia de acesso aos tribunais por pessoas desfavorecidas economicamente ficaria severamente preju- dicado, e ficaríamos perante uma garantia meramente formal.

368 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui – Constituição…, Tomo I, 1.ª ed., …op. cit., p. 180, igualmente encontrando apoio em GERMANO MARQUES DA SILVA.

369 Refira-se que o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 37/98, publicado no DR, II Série, de 07-11- 2001, se manifestou contrário a esta posição. Contudo, em nosso entendimento, este Parecer apresenta-se

vez que se trata de preceito suficientemente densificado.

Em segundo lugar, a expressão “qualquer autoridade” significará “qualquer au- toridade pública ou, atendendo à letra e teleologia do preceito, perante entidades privadas investidas de poderes de autoridade, […] pelo menos se estiver em causa a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”.

No que respeita ao sistema angolano, importa recordar o estipulado no artigo 29.º, n.º 1 da CRA: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência dos meios económicos”.

A Assistência Judiciária em Angola poderá ser definida como “o mecanismo em que a intervenção do Estado, através dos Ministérios da Justiça, das Finanças, do ponto de vista de orçamento, e a Ordem dos Advogados de Angola […], que a apoia técnica e administrativamente, garante aos cidadãos sem recursos financeiros o acesso à Justiça”370

. O antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola371, INGLÊS PINTO, afirmou à Angop que “o pobre também tem direito à justiça, não pode ser excluído dentro do conceito mais geral de igualdade perante a Lei e de oportunidade, que está previsto no texto Constitucional".

Deste modo, a ausência de meios económicos por parte de algum cidadão não pode constituir motivo que conduza a que lhe seja negado o acesso ao direito e aos Tri- bunais.

É diversa a legislação que, em Angola, de forma mais ou menos directa, versa sobre a questão do patrocínio judiciário, regulamentando assim o preceito constitucional. É o caso dos seguintes dispositivos legais:

 Lei n.º 3/95, de 6 de Janeiro (Lei da Advocacia). O artigo 9.º prevê a remuneração dos advogados por serviços prestados aos beneficiários de assistência judiciária;

hoje completamente ultrapassado, e mesmo à época já o estaria, conforme se pode concluir pela leitura do interessante voto de vencido assinado pelo Conselheiro ALBERTO AUGUSTO ANDRADE DE OLI- VEIRA, ao qual aderiu outro Conselheiro: EDUARDO DE MELO LUCAS COELHO.

370 Cfr. artigo intitulado “Assistência judiciária garante acesso a pessoas carentes”, publicado em 11 Junho de 2010 pela ANGOP – Agência Angola Press, contendo entrevista ao Bastonário da Ordem dos Advoga- dos de Angola, Inglês Pinto, disponível em:

http://www.angop.ao/angola/pt_pt/noticias/politica/2010/5/23/Assistencia-judiciaria-garante-acesso-pes- soas-carentes,a9ce702d-18ce-40bf-a662-867bb637b76d.html.

371 O actual bastonário é Hermenegildo Cachimbombo, reeleito bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), para o triénio 2015/2017.

 O Decreto-Lei n.º 15/95, de 10 de Novembro, tal- vez o mais importante nesta matéria, e que prevê os mecanismos para a concretização da previsão pro- gramática constante do artigo 36.º da Lei Constitu- cional, garantindo às pessoas mais desfavorecidas o acesso à justiça, isentando-as do pagamento de custas de honorários e de despesas;

 Decreto Executivo Conjunto n.º 49/97, de 7 de No- vembro, dos Ministros da Justiça e das Finanças, que estabelece o “regime financeiro” para a assis- tência judiciária, decretando que os valores devidos aos advogados devem ser suportados pelo OGE, através de verba consignada ao Cofre Geral de Jus- tiça;

 Instrutivo do Bastonário da OAA, de 1999, sobre a forma de cobrança dos honorários pelos advoga- dos;

 O comunicado da OAA, de 1 de Agosto de 2000, sobre a forma de requerimento da assistência judi- ciária, que enaltece os requisitos para beneficiar desta assistência e estabelece os modelos de reque- rimentos a preencher pelos interessados;

 Código de Ética e Deontologia Profissional, apro- vado em Assembleia Geral de Advogados nos dias 20 e 21 de Novembro de 2003, que consagra na alí- nea d) do n.º 1 do artigo 10.º o dever de o advogado colaborar no acesso ao direito e a aceitar nomea- ções oficiosas nas condições fixadas na lei.

Recorde-se ainda a existência de convenções internacionais ratificadas por An- gola. Com relevância neste âmbito, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Polí- ticos (artigo 14.º, n.º 3, alíneas b) e d)), é um exemplo.

Apesar deste conjunto de diplomas que deveriam sustentar devidamente o edifí- cio da prestação de assistência judiciária, com especial destaque para o Decreto-Lei n.º 15/95, de 10 de Novembro, há alguma distância entre aquilo que se encontra positivado na ordem jurídica angolana e a realidade objectiva.

Na verdade, seja no que se refere à nomeação de patrono, seja no que respeita à figura da isenção total ou parcial de custas judiciais, existe ainda muito trabalho a desen- volver em Angola, sem o que ficará prejudicada a garantia constitucional de acesso ao direito e aos tribunais.

Como exemplos de alguns problemas neste domínio, podemos mencionar, em primeiro lugar, uma oferta de serviços jurídicos desajustada da procura de serviços jurí- dicos contra uma baixa oferta jurídica.

Comparando com a situação portuguesa:

Em Portugal, em 2015, estavam inscritos na Ordem dos Advogados 29.699 ad- vogados372, sendo a população do país, de acordo com o censo de 2011, de 10.562.178 habitantes373, pelo que havia 287,2 advogados por cada 100.000 habitantes.

Em Angola, em 2016, havia cerca de 1.700 advogados para servir uma popula- ção de 25.789.024 habitantes374, o que significa apenas cerca de 6,5 advogados por cada

100.000 habitantes. Igualmente preocupante, conforme informou recentemente o basto- nário da Ordem dos Advogados de Angola, Hermenegildo Cachimbombo, “96 por cento dos 1700 advogados inscritos” encontra-se em Luanda, distribuindo-se os restantes es- cassos 4% por vastas zonas do país, em “províncias, como Benguela, Huíla, Cabinda e Huambo”. Ou seja, "naturalmente os advogados estão distribuídos por onde existe capa- cidade económica que lhes permita a subsistência"375.

É ainda importante referir que, “em 2015, o orçamento destinado ao Sistema Nacional de Assistência Judiciaria (Patrocínio Judiciário) foi reduzido de 40 milhões de kwanzas para 20 milhões”. E no corrente ano, segundo a Ordem dos Advogados angolana, “o montante para a assistência judiciária [baixou] para os 3 milhões de Kwanzas”. Isto levou o acima mencionado bastonário da Ordem dos Advogados de Angola a afirmar que “na sequência dos vários cortes orçamentais que têm sido feitos, o Estado também reduziu 372http://www.pordata.pt/Portugal/Advogados+total+e+por+sexo-245. 373https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0005889&con- texto=bd&selTab=tab2. 374http://www.portugaldigital.com.br/lusofonia/ver/20101708-populacao-de-angola-chega-a-quase-26-mi- lhoes. 375http://www.angonoticias.com/Artigos/item/52123/faltam-muitos-advogados-em-angola-e-os-que-exis- tem-estao-quase-todos-em-luanda.

significativamente a alocação financeira que faz para a gestão da assistência judiciária”376

. Por outro lado, a vigente tabela de honorários apresenta valores excessivamente baixos e pouco motivantes para a generalidade dos advogados.

Urge, pois, um importante investimento do Estado em meios humanos e logísti- cos que tornem efectivo este importante direito, designadamente por intermédio da cria- ção do advogado (ou defensor) público, custeado pelo Estado, mas necessariamente in- dependente funcionalmente, sem sujeição a qualquer hierarquia, devendo, no entanto, res- peitar os normativos da Ordem dos Advogados e ficar sujeito às respectivas regras disci- plinares.

7. Da eventual obrigação do Estado de indemnizar em consequência de desrespeito

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