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Princípios gerais da estruturação dos tribunais angolanos

CAPÍTULO V – A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA EM ANGOLA

2. Princípios gerais da estruturação dos tribunais angolanos

2.1. Modelos de organização contenciosa administrativa e o caso angolano

Ao longo dos tempos têm sido adoptados pelas diferentes ordens jurídicas diver- sos tipos de modelos de contencioso, o que implica perspectivas bastante diferentes no que respeita a um vasto conjunto de caminhos para solucionar problemas de carácter or- ganizativo, especialmente no que respeita às funções do juiz e à relevância e formas que o processo há-de assumir.

Para este efeito, interessa-nos particularmente distinguir dois sistemas: objecti- vista e subjectivista. Em traços largos, no primeiro sistema ressalta a defesa da legalidade e do interesse público; no segundo, é o interesse dos particulares que assume relevância máxima.

De acordo com LAMPUÉ470, “a teoria da distinção dos contenciosos, baseada no carácter da decisão tomada pelo juiz, foi exposta por Aucoc, em 1869, nas suas Con- férences sur l’ Administration et le Droit Administratif. Ela foi retomada por Lafferriêre, no Traité de la juridiction Administrative et des Recours Contentieux, em 1887. Ducroq adoptou-a, pelo menos nos seus aspectos essenciais, depois Barthélêmy”.

De acordo com VASCO PEREIRA DA SILVA471, a distinção “entre um con- tencioso objectivo e um contencioso subjectivo, feita directamente em função da natureza da questão trazida a juízo”, é da responsabilidade de DUGUlT, para quem o contencioso será subjectivo, sempre que estejam em causa posições jurídicas dos particulares e será

470 La Distinction des Contentieux, Mélanges Scelles, 1950, pp. 285 e ss., apud VASCO PEREIRA da SILVA – Para um Contencioso Administrativo dos particulares, op. cit. p. 261.

471 Cfr. VASCO PEREIRA da SILVA – Para um Contencioso Administrativo dos particulares, op. cit. p. 262.

objectivo quando estejam em causa, apenas, questões de legalidade.

Importa, pois, perceber se estamos perante um sistema que protege especial- mente os particulares (legalidade subjectiva) ou a Administração Pública (legalidade ob- jectiva).

Quanto às diferenças entre os dois sistemas, consideraremos o seguinte472: Em primeiro lugar, o sistema objectivista ou de tipo francês distancia-se do sis- tema subjectivista ou de tipo alemão, desde logo porque o primeiro visa primordialmente acautelar a legalidade e a prossecução do interesse público e não a protecção dos direitos dos cidadãos, pelo menos individualmente considerados.

Ao contrário, num sistema de tipo alemão, o aspecto mais importante é a tutela dos direitos subjectivos dos particulares, sem prejuízo da existência de uma tutela de le- galidade, que, contudo, assume a característica de acessoriedade, pois não é aquela a ratio essendi do sistema.

Um segundo aspecto distintivo é que num sistema objectivista puro não é exigido um julgador materialmente independente, uma vez que este modelo visa primordialmente a defesa da legalidade, podendo caracterizar-se o contencioso administrativo como inte- grante da actividade administrativa, constituindo aquele uma espécie de recurso gracioso, ainda que para uma diferente entidade. Num sistema destes, não é exigível que seja um tribunal independente a decidir as questões problemáticas; rectius, é preferível ou mesmo imposto que a decisão final parta de um órgão administrativo, sendo esta ilação resultante de um conceito de rigorosa independência da Administração Pública sobre a qual um tribunal não tem jurisdição.

Num modelo subjectivista, tudo se passa de forma diversa. É fundamental que exista um controlo efectuado por uma entidade independente e imparcial, que deverá estar integrada no poder judicial. A justificação para se trilhar este caminho tão diferente re- sulta clara se pensarmos que a Administração é parte interessada na decisão, e que, por isso, teria uma tendência vincada para tomar decisões que tivessem em conta, especial- mente, os seus próprios interesses, e não particularmente a protecção dos direitos e legí- timos interesses dos particulares. Assim, no sistema alemão, a Administração e a Justiça, em sentido lato, encontram-se separadas, sendo indispensável a existência de tribunais administrativos integrados, não na Administração, mas antes no poder judicial.

Outro aspecto que importa realçar é o de que um particular, num sistema objec- tivista, não é uma parte em sentido material, não é considerado como defendendo uma posição jurídica própria, mas é antes visto como um colaborador da Administração, com vista à prossecução do interesse público. Verificamos, portanto, a existência de uma in- versão de planos; o particular coloca-se numa posição que não corresponde à defesa dos seus direitos e interesses legítimos é antes numa posição de colaboração com a Adminis- tração. Se o interesse do particular coincide com o daquela, isto é, se o facto ou factos em causa são da conveniência da Administração, então aquele pode ver a sua pretensão sa- tisfeita, mas apenas em função dessa coincidência.

Num plano subjectivista, particulares e Administração encontram-se no mesmo plano, sendo os seus diferendos solucionados pelo recurso a uma entidade terceira, ideal- mente isenta e imparcial. Portanto, não se pode dizer de forma alguma que os particulares estejam simplesmente, de um ponto de vista processual, ao serviço da Administração, ao contrário daquilo que sucede numa óptica objectivista.

Por outro lado, num sistema objectivista, a Administração não constitui uma parte, mas antes uma entidade que tem como missão colaborar com o tribunal com o objectivo de encontrar a solução que se revela adequada no caso concreto. Deste modo, a Administração não é considerada como se encontrando numa situação de litígio com um particular, antes sendo sua missão colaborar com o tribunal, e competindo a ambos – tribunal e Administração – a defesa do interesse público.

No que respeita ao objecto do processo, num modelo objectivista, é a eventual invalidade um acto administrativo que está em causa.

Contudo, num sistema subjectivista o objecto do processo não é simplesmente a validade ou a invalidade do acto, mas sim estas características em conjunção com a tutela de um direito subjectivo eventualmente ofendido de um particular.

No que concerne às prerrogativas do tribunal, num sistema de tipo francês o que está em causa é apenas a análise de um acto administrativo que, em caso de invalidade, o tribunal se limita a anular, sem cuidar de analisar a conduta da Administração ou ter em conta o direito subjectivo do particular.

Pelo contrário, num sistema de tipo alemão, ou subjectivista, o tribunal analisa a validade do acto administrativo, mas faz mais que isso. O tribunal surge como uma enti- dade imparcial entre dois interesses contrapostos, o do particular e o da Administração. Deste modo, o tribunal não se limita ao poder de anular um acto inválido. Pode fazer muito mais que isso, pode igualmente prolatar uma sentença de simples apreciação ou de

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