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As garantias processuais e procedimentais

CAPÍTULO III – AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

C) Garantias jurídicas, que correspondem à instrumentaliza-

4. As garantias processuais constitucionais

4.1. As garantias processuais e procedimentais

Abordámos detidamente, no início deste trabalho, a questão da tutela jurisdicio- nal efectiva. É, no entanto, indispensável regressar aos artigos 20.º da CRP e 29.º da CRA para analisarmos algumas figuras específicas cuja análise é marcante nesta sede.

É o caso do princípio do acesso ao direito, correspondente ao acesso à ordem jurídica e aos eventuais benefícios materiais ou morais daí resultantes, previsto nos arti- gos 20.º, n.º 1 e 29.º, n.º 1, respectivamente na CRP e CRA, e consequentes corolários, tais como o acesso aos tribunais, inscrito no mesmo número, o direito à informação e à consulta jurídicas, previsto no n.º 2 de dois artigos das constituições referidas.

GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA338, referindo-se ao artigo 20.º da

CRP, sustentam que o mesmo “reconhece vários direitos» que, embora conexos, são dis- tintos, como são «o direito de acesso ao direito”, o “direito de acesso aos tribunais”, “o direito à informação e consulta jurídica”» e “o direito ao patrocínio judiciário”, direitos

que constituem, “componentes de um direito geral à protecção jurídica”, mas cada um deles é “um elemento essencial da própria ideia de Estado de direito.

Tanto na CRA como na CRP se utiliza a fórmula “nos termos da lei”, o que significa que existe necessidade de intervenção do legislador ordinário. Contudo, esta in- tervenção não pode ser de molde a restringir o núcleo duro da garantia, sob pena de esta perder justamente o seu carácter garantístico, o que conduziria à inconstitucionalidade.

Como exemplo, recorremos de novo aos Autores acima mencionados, que, num entendimento que acompanhamos, sustentam que o direito de acesso aos tribunais se en- quadra no que designam “direito ao processo”, abrangendo “a possibilidade de direito de vista do processo, o que implica que, sob o ponto de vista jurídico-constitucional, a pos- sibilidade de consulta dos autos […] só pode ser restringida observados que sejam deter- minados pressupostos (extravio do processo, segredo de justiça)”.

Daqui decorre que uma lei ordinária, ou a sua interpretação, não pode inviabili- zar ou tornar desproporcionadamente difícil o direito de informação e consulta jurídicas, nomeadamente através da imposição de mecanismos excessivamente onerosos economi- camente aos serviços que prestam informação e patrocínio jurídicos. Se isto suceder, pas- saremos a ter aquilo que GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA339 designam como

“direitos fundamentais formais”, destituídos de substância.

Nesta matéria das garantias processuais, assume relevância o princípio do juiz natural, previsto no artigo 32.º, n.º 9 da CRP. Estabelece este preceito que “nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior”.

Apelamos, neste ponto à lição de LUIGI FERRAJOLI340, que dilucida que a ga- rantia do juiz natural significa três coisas distintas, ainda que relacionadas entre si:

1) “A necessidade de que o juiz seja pré-constituído pela lei e não constituído post factum; a inderrogabilidade e a in- disponibilidade das competências; a proibição de juízes extraordinários e especiais. No primeiro sentido […] o princípio designa o direito do cidadão a um processo não prejulgado por uma escolha de juiz posterior ao crime e, por isso, dirigida à obtenção de um determinado resul- tado.

339 Idem, ibidem, p. 166 e ss.

2) O segundo sentido […] designa a reserva absoluta da lei e a não alterabilidade discricionária das competências ju- diciais.

3) O terceiro sentido […] corresponde a um princípio de organização que postula a unidade da jurisdição e seu monopólio nas mãos de uma única ordem”341.

E prossegue o sobredito Autor: “Enquanto a “pré-constituição” legal do juiz e a inalterabilidade das competências são garantias de imparcialidade, com o objectivo de impedir intervenções instrumentais de carácter individual ou geral sobre a escolha do juiz, a proibição de juízes especiais e extraordinários é, sobretudo, uma garantia de igualdade, que satisfaz o direito de todos a ter os mesmos juízes e os mesmos processos342”.

Tal como se diz no voto de vencido da Conselheira MARIA DA IMACULADA LOURENÇO DA CONCEIÇÃO MELO, no âmbito do Processo n.º 179/2011 (Recurso para o Plenário do Tribunal Constitucional) – Acórdão n.º 134/2011 do Tribunal Consti- tucional da República de Angola343:

“A Constituição da República de Angola não refere expres- samente, à semelhança de outras, o princípio do juiz natural ou legal. Apenas a nível da lei ordinária, Código de Pro- cesso Civil, existe matéria reguladora da competência nos seguintes termos:

“1- A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente.

2- São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão judiciário a que a causa estava afecta ou se deixar de ser competente em razão da matéria e da hierarquia, ou se lhe for atribuída competência, de que inicialmente carecesse, para o conhecimento da causa." 341 Tradução nossa. 342 Tradução nossa. 343 Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.ao/uploads/%7B121975b8-2ad5-4bcf-970f-309dfabc89c3%7D.pdf.

Contudo, a Senhora Conselheira acima mencionada, considera que o artigo 63.º do CPC “regula matéria cível e criminal e eventualmente demais ramos de direito ordi- nário, supletivamente, independentemente de se tratar de competência interna ou interna- cional, mas já não se aplica ao processo constitucional quando o objecto da acção tem que ver com direitos fundamentais”.

E conclui a Senhora Conselheira desta forma – o que merece a nossa concordân- cia:

“Nas questões de direito cabe aqui primazia [no] meu en- tendimento de que a excepção à regra estabelecida no artigo 63.º do C.P.C não se aplica ao processo constitucional por- que cria um conflito com as normas e princípios constituci- onais relativamente aos processos pendentes.

A nível das normas o conflito dá-se primeiro porque a lei nova choca com o disposto no artigo 28.º e n.º 5 do artigo 29.º da Constituição, respectivamente, sobre a força jurídica e o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva.

Num segundo momento verifica-se o conflito quando con- frontados o disposto nos artigos 26.º e 27.º da Constituição que dispõem sobre o âmbito dos direitos fundamentais e o regime dos direitos, liberdades e garantias, respectiva- mente. O conflito decorre do facto de não consagrando a Constituição da República de Angola expressamente o prin- cípio do “Juiz Natural ou Legal”, ou expressamente o prin- cípio “Da não retroactividade da lei” […], não impede que os mesmos não sejam mobilizados para o caso concreto por força do disposto no n° 1 do artigo 26.º da CRA. O artigo 26.º da CRA vem exactamente consagrar a vigência de di- reitos fundamentais análogos e que tem dois tipos de con- sequências:

1.ª- [Valida] a existência de direitos fundamentais não ex- pressamente consagrados na Constituição da República de Angola.

2.ª- Abre o sistema em matéria de interpretação dos direitos humanos”.

Deste modo se conclui que a não previsão expressa na Constituição de Angola do princípio do juiz natural de alguma forma afasta esse instituto do catálogo de garantias constitucionais angolanas. Igualmente poderíamos mencionar, entre outros, o artigo 72.º da CRA que estatui o direito a um julgamento justo.

O artigo 67.º da CRA não contém o princípio do juiz natural – o que, conforme antevisto, não redunda em qualquer problema por força dos artigos 26.º e 27.º da CRA, entre outros – mas abraça expressamente outros princípios relevantes344.

Este artigo introduz o tema das garantias específicas de processo penal. Neste artigo 67.º da CRA, tal como no artigo 32.º da CRP reconhecemos várias, v.g. o princípio do contraditório, o direito de escolher defensor e a assistência obrigatória do advogado em certas fases do processo penal, entre outras.

Outros exemplos de princípios relevantes são:

i) Proibição de tribunais de excepção (artigos 176.º, n.º 5 da CRA e 209.º, n.º 4 da CRP);

ii) Proibição da dupla incriminação (artigo 65.º, n.º 5 da CRA e 29.º, n.º 5 da CRP);

344

“Artigo 67.º

(Garantias do processo criminal)

1. Ninguém pode ser detido, preso ou submetido a julgamento senão nos termos da lei, sendo garantido a todos os arguidos ou presos o direito de defesa, de recurso e de patrocínio judiciário.

2. Presume-se inocente todo o cidadão até ao trânsito em julgado da sen- tença de condenação.

3. O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogado é obrigatória.

4. Os arguidos presos têm o direito de receber visitas do seu advogado, de familiares, amigos e assistente religioso e de com eles se corresponder, sem prejuízo do disposto na alínea e) do artigo 63.º e o disposto no n.º 3 do artigo 194.°.

5. Aos arguidos ou presos que não possam constituir advogado por razões de ordem económica deve ser assegurada, nos termos da lei, a adequada assistência judiciária.

6. Qualquer pessoa condenada tem o direito de interpor recurso ordinário ou extraordinário no tribunal competente da decisão contra si proferida em matéria penal, nos termos da lei”.

iii) Notificação das decisões penais (artigo 63.º da CRA e arti- gos 27.º, n.º 4 e 28.º, n.º 3 da CRP);

iv) Princípio do contraditório (artigos 174.º, n.º 2 da CRA e 32.º, n.º 5 da CRP)

No que respeita às garantias específicas de um procedimento administrativo justo, mencionamos o importante artigo 198.º, n.º 1 da CRA, que obriga a Administração Pública a prosseguir, nos termos da Constituição e da lei, o interesse público, devendo proceder de acordo com um conjunto de princípios importantes: igualdade, legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade, responsabilização, probidade administrativa e respeito pelo património público. Na CRP, cumpre referir o artigo 266.º, n.º 2, que deter- mina que “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.

Importa ainda mencionar o artigo 200.º, n.º 2 da CRA, que determina que “[o]s cidadãos têm direito de ser informados pela administração sobre o andamento dos pro- cessos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as decisões que sobre eles forem tomadas”. Este artigo é praticamente igual ao artigo 268.º, n.º 1 da CRP345

No artigo 268.º, n.º 2 da CRP, com a epígrafe “Direitos e garantias dos adminis- trados” estatui-se que “[o]s cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e re- gistos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”. Nesta matéria, re- leva o artigo 69.º da CRA, que versa sobre o habeas data, providência que tem como objectivo “assegurar o conhecimento das informações sobre si constantes de ficheiros, arquivos ou registos informáticos, de ser informados sobre o fim a que se destinam, bem como de exigir a rectificação ou actualização dos mesmos, nos termos da lei e salvaguar- dados o segredo de Estado e o segredo de justiça”.

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